26/3/2018, 18:49
Rio foi a um concelho afetado pelos fogos com uma grande comitiva. Demorou-se cerca de 2 horas. De sala em sala, ouviu associações e bombeiros, e prometeu pressão. Mas não pôs o pé na terra.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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“É vital virmos ao terreno para compreender o que está escrito nos relatórios. Constatámos aqui o que já sabíamos, que o problema dos fogos tem a ver com falta de ordenamento, falta de fiscalização e com o completo falhanço da Proteção Civil”. Foi assim que Rui Rio se dirigiu aos jornalistas que esta segunda-feira o esperavam à porta da biblioteca municipal de Arganil, onde esteve mais de uma hora reunido com representantes de associações de apoio às vítimas dos incêndios.
Apareceu rodeado de gente, desde deputados e deputadas (“cerca de 16 ou 17”), ao líder parlamentar, Fernando Negrão, passando pelo presidente da câmara de Arganil (do PSD). E apareceu com um pin na lapela. Não um pin da bandeira de Portugal como o que Passos Coelho usava quando era primeiro-ministro e quando deixou de ser, mas um pin com o logótipo de uma das associações — a MAAVIM (Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões).
A ideia era essa: “Ir ao terreno” pela primeira vez desde que tomou posse como presidente do partido. “Parece que [Rui Rio] vai começar a fazer oposição, vai visitar as zonas afetadas pelos fogos. Teve algumas falhas, mas está a dar alguns sinais de querer ultrapassá-las”, dizia este domingo à noite o ex-presidente do PSD Luís Marques Mendes no seu habitual espaço de comentário televisivo. Uma semana depois de ter sido divulgado o relatório da comissão técnica independente sobre os incêndios de outubro na zona centro, Rui Rio foi de facto com um grupo de deputados do PSD, liderados por Fernando Negrão, “ao terreno”. Mas não saiu de dentro de salas: primeiro, a sala da biblioteca municipal, onde se reuniu à porta fechada com representantes das associações das vítimas da zona centro e com representantes das associações de produtores florestais. Depois uma sala de aspeto solene, com uma mesa ao centro e cadeiras à volta para os deputados, no quartel dos bombeiros voluntários de Arganil. E a seguir, uma breve visita ao andar de baixo do quartel, onde estavam as velhas e obsoletas carrinhas de bombeiros.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Entre a sala da biblioteca e a sala dos bombeiros não era preciso percorrer nem 100 metros. Foi o que Rui Rio (e a comitiva do PSD) fez, sem encontrar “ninguém” pelo caminho. Ou seja, além dos representantes dos bombeiros e das associações, Rio não contactou com mais nenhuma pessoa: nem com bombeiros propriamente ditos, à exceção do comandante, nem com vítimas propriamente ditas, à exceção dos seus representantes. E não é que tenha sido por falta de convite.
Nuno Pereira pertence ao Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões e esteve presente na reunião com Rui Rio na biblioteca municipal. Ao Observador, diz que teve oportunidade de dizer ao presidente do PSD que “ir ao terreno não é ficar em salas” e que lhe sugeriu mesmo ir à aldeia de Benfeita, Arganil, para ver o estado em que as pessoas que perderam casas e terrenos, entre portugueses e estrangeiros, vivem depois dos incêndios. Rui Rio terá mostrado interesse e até “perguntou onde era”. Nuno Pereira respondeu que era perto, ficava “a 20 minutos” dali, mas a sugestão não passou disso mesmo, de uma sugestão. A sugestão, de resto, já tinha sido feita num email enviado ao gabinete do PSD, quando lhe foi feito o convite para participar na reunião com Rui Rio, mostrou Nuno Pereira ao Observador — mas nessa altura não obteve resposta.
“Se houvesse aqui um milhão de votos…”, o Governo não falhava
“O dr. Rui Rio ouviu tudo o que tínhamos para dizer, ponto por ponto, mostrou interesse, mas a maior parte dos deputados, tirando os que são aqui do distrito e já cá tinham vindo várias vezes, não sabia do que é que estávamos a falar”, contam ao Observador Nuno Pereira e Mário Lopes, este último lesado dos incêndios de outubro com prejuízos agrícolas na ordem dos 2.700 euros. “Disse-nos que ia fazer chegar a quem de direito as nossas preocupações e garantiu que podíamos contar com ele para isso, mas também disse uma coisa engraçada: que se aqui houvesse um milhão de votos, isto não era assim”, continua Nuno Pereira, criticando a forma como o atual Governo está a conduzir o processo de apoio e indemnização às vítimas dos fogos trágicos de outubro.
O problema maior, diz, é a burocracia e os problemas de comunicação entre as várias entidades do Estado e as próprias vítimas. Pegando no exemplo de Mário Lopes, ali presente, Nuno Pereira e o pai, Fernando Tavares, presidente do Movimento Associativo de Apoio às Vítimas dos Incêndios de Midões (MAAVIM, o tal cujo logótipo estava pregado na lapela de Rui Rio) resumiram ao Observador as queixas que fizeram ao presidente “do maior partido da oposição”: centenas de pessoas inscreveram-se na plataforma da Direção Geral de Agricultura para verem os seus prejuízos avaliados e para, posteriormente, receberem indemnização, mas estão a ver a sua inscrição cancelada por ter sido feita antes de o Governo publicar a portaria oficial. Ou seja, pensando que já tinham preenchido tudo o que era preciso, deixaram o prazo escapar.
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Temos aqui [num dossiê] centenas de casos destes, em que as pessoas estão a ver o apoio negado por não terem respeitado o prazo, apesar de terem preenchido os formulários. E quando pedimos uma explicação, o Ministério da Agricultura passa para o secretário de Estado, que passa para a Direção Regional De Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC), que diz que não pode fazer nada”, relata Fernando Tavares ao Observador depois de terminada a visita do líder do PSD ao quartel de bombeiros voluntários de Arganil — e depois de ter entregue esse mesmo dossiê a Rui Rio.
A pressão de Rio. Oposição não pode “fazer”, só pode “fazer com que o país faça”
Da reunião, saiu uma promessa: o PSD vai “fazer o que a oposição pode fazer”. E o que é que a oposição pode fazer? Fazer, fazer não pode fazer nada, apenas “pressão” para que seja feita alguma coisa, disse Rui Rio. Questionado pelos jornalistas sobre como é que se pode materializar esse tipo de pressão, Rio respondeu que seria nas duas frentes: “No terreno e no Parlamento, nomeadamente com audições”. “Estamos a fazer o que a oposição pode fazer”, diria. Minutos depois, na sede dos Bombeiros Voluntários de Arganil diria a mesma coisa de outra maneira: “Espero contribuir para fazer a pressão adequada sobre as entidades responsáveis. Como oposição não nos compete o papel de fazer, mas compete-nos fazer tudo por tudo para que o país faça”.
Certo é que, tanto do lado das associações de apoio às vítimas, como da parte do comandante dos bombeiros, Rio recebeu várias sugestões para o problema da prevenção e combate aos fogos. O presidente da direção dos bombeiros argumentou que o “emaranhado de leis não conduz a lado nenhum” e pediu medidas concretas de prevenção estrutural e de planeamento florestal (que deve ser feito ao nível intermunicipal), nomeadamente com a criação de faixas de segurança à volta das povoações.
Já o comandante dos bombeiros, Nuno Costa, pediu profissionalização dos bombeiros, incentivos ao voluntariado e mais investimento no reequipamento dos quartéis. “Estivemos sozinhos com 9 veículos no dia 15 de outubro, não abandonámos as nossas populações, mas simplesmente não conseguimos chegar a todas elas”, disse Nuno Costa, contando a sua experiência no dia mais grave de incêndios de 2017. “Nos dias 15, 16 e 17 de outubro ninguém veio ver se os bombeiros de Arganil estavam vivos ou mortos, não houve nem um telefonema de conforto. Senti-me abandonado enquanto comandante”, disse.
Rio ouviu, concordou, prometeu “pressão”, e pediu uma estratégia ao Governo. “O apoio às vítimas não tem estado a correr como devia. As pessoas estão com dificuldades e os empresários não conseguem recuperar. Se já tínhamos uma economia débil aqui, com a desertificação, agora ainda está mais débil: é um efeito bola de neve”, disse aos jornalistas no final da primeira reunião, afirmando que o Governo tem de ter “uma estratégia própria para fiscalizar os apoios”, tem de “eliminar o excesso de burocracia” e “pôr a Proteção Civil a funcionar”.
O líder do PSD ouviu mais do que falou, dentro de portas, e cá fora, surgiu com alguns exemplos da “desorganização completa” que se verificou nos dias 15 e 16 de outubro, onde a tragédia dos fogos atingiu o seu pico: desde bocas de incêndio que têm dimensão diferente da própria mangueira, e, por isso, não funcionam, a centros de saúde que, por não terem energia, não puderam receber os feridos.
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Questionado sobre se as falhas deviam ser atribuídas exclusivamente ao executivo de António Costa, Rio não foi tão duro. “Não podemos dizer que a responsabilidade foi só naquele dia, naquele momento e naquele Governo que estava”. Mas, sim, num momento de tragédia, a primeira responsabilidade deve ser atribuída a quem tutela a Proteção Civil e a “quem alterou” os seus quadros “quando tomou posse”. “Isso em nada contribuiu para maior eficácia, antes pelo contrário”, disse, referindo-se às mudanças nos quadros da Proteção Civil feitas pelo Governo socialista pouco antes do verão negro.
Rio chegou a Arganil pouco depois das 11h. Saiu do carro com Maló de Abreu, membro da direção nacional do PSD e natural de Coimbra, e no local combinado já o esperavam cerca de 16 ou 17 deputados, incluindo o líder parlamentar Fernando Negrão e nomes como Pedro Alves, Margarida Mano, Rubina Berardo, António Topa, Maurício Marques, Cristóvão Norte, Duarte Marques ou Carlos Peixoto. Às 12h35estava a sair da biblioteca onde decorreu a primeira reunião, e às 13h25já estava a entrar no carro para seguir para Lisboa. “Não querem vir ali à Benfeita ver o estado em que está?”, perguntavam a quem os quisesse ouvir os membros do Movimento Associativo de Apoio às Vítimas de Midões enquanto a comitiva do PSD desmobilizava, dividindo-se nos vários carros para irem almoçar.
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