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quarta-feira, 21 de março de 2018

Marx não é fado

Opinião

Mariana Mortágua *

Ontem às 00:00Marx faz 200 anos. Lê-lo, querer compreendê-lo, é um projeto difícil e frequentemente aborrecido. Talvez esse facto tenha contribuído para a proliferação das suas várias interpretações caricaturais, mais maldosas ou messiânicas, conforme o interlocutor. Não há, em nenhum dos três volumes do Capital, encontro marcado com o fim do sistema capitalista. Há, sim, fragmentos que formam a sua mais lúcida e desassombrada análise.

Já outros clássicos, como Adam Smith e David Ricardo, tinham percebido que só o trabalho transformava matéria em mercadorias com valor. Mas foi Marx que expôs o verdadeiro esqueleto social do processo produtivo: o trabalho que produz é incorporado nas mercadorias mas alienado de quem o despendeu, e essas mercadorias - apropriadas por quem controla o processo produtivo - ganham uma existência própria. Individualmente, os trabalhadores são anulados num processo cujas regras lhes são alheias e, ao mesmo tempo, as mercadorias e os mercados por eles criados surgem como entidades de vontade e poder (veja-se como os "mercados financeiros" são caprichosos).

Ao contrário da mais básica premissa da teoria neoclássica, o sistema económico não é feito de pessoas indistintas com igual poder entre si. Há, objetivamente, quem apenas produza, e há quem seja dono desse processo. Sim, duas classes, uma trabalhadora e outra capitalista. A última não inicia o processo produtivo por achar que o Mundo precisa de mais bens e serviços, mas com o objetivo de os vender, e assim realizar em lucro a mais-valia obtida no processo produtivo. E a acumulação desse lucro é o que faz este Mundo rodar.

Mas a acumulação capitalista é um processo cheio de contradições. Quanto mais depressa acontece mais difícil é encontrar a procura (consumo e investimento) que sustente as taxas de lucro. Sobretudo num contexto de estagnação salarial e desigualdades, como tem vindo a acontecer desde os anos 70, depois do esmagamento das conquistas laborais do pós-guerra. A dívida e a finança têm suprido essas dificuldades: permitem aos trabalhadores consumir acima do seu salário, dando ao capital o que produzir e onde investir; absorvem a "liquidez" existente e multiplicam-na, alavancando-a em dívida, investida em lucrativas atividades especulativas. Não é por acaso que as grandes multinacionais hoje são também gigantes financeiros.

Mas um sistema dominado pela finança e pelas desigualdades é, além de socialmente injusto, economicamente instável. As crises do capitalismo não são nem percalços nem prenúncios do seu fim. São elementos estruturais de um sistema intrinsecamente contraditório e em permanente mutação, desde o tempo em que Marx o analisou.

Determinismo é achar que o capitalismo é o fim da história, o nosso fado. E Marx não é fado, é compreensão do presente e futuro por construir.

* DEPUTADA DO BE

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