por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 29/03/2018)
Daniel Oliveira
O debate técnico sobre a integração ou não da recapitalização da Caixa Geral de Depósitos no défice não me faz mover um dedo sobre o teclado. É matéria que não diz nada sobre a realidade do país e das finanças públicas. Deixo o tema para os contabilistas que tomaram conta da política e dos jornais.
Mas os números do défice, esses, têm efeitos bastante reais. E a verdade é que atingimos o número histórico de 0,92% do PIB, abaixo das previsões do Governo, que já eram mais baixas do que nos era exigido. As previsões nunca pararam de mudar, sempre a baixar. Quando a primeira previsão foi apresentada, em outubro de 2016, era de 1,6%. Quando o programa de estabilidade foi apresentado, em abril de 2017, era de 1,5%. Quando o Orçamento de Estado foi apresentado, em outubro de 2017, desceu para 1,4%. As razões para as quedas foram a redução da despesa com juros da dívida e a subida das receitas por causa da retoma da economia e do emprego.
Como se sabe, apesar do aumento da carga fiscal, os impostos baixaram. É que as duas coisas não são a mesma coisa. Isto justifica-se com a recuperação do emprego e mais trabalhadores a descontar para a segurança social. As vozes críticas dizem que o Governo não fez nada, que foi a economia que permitiu baixar défice por via do aumento das receitas. Há qualquer coisa que escapou a estas pessoas sobre o que a esquerda dizia sobre a receita errada da austeridade. A tese era mesmo esta: que só o crescimento da economia permitia um crescimento da receita e que era assim mesmo que se equilibrariam as contas públicas.
Mas Rui Rio quer reduzir mais a despesa, para baixar impostos. Ao mesmo tempo que o PSD se queixa dos cortes na saúde e na educação. Há os dias em que o PSD quer menos Estado, que é quando falamos de impostos e défice. E há os dias em que o PSD quer mais Estado, que é quando falamos de serviços públicos. E assim se agrada ao cidadão contribuinte e ao cidadão utente sem nunca ter de fazer escolhas.
O saldo primário do Estado é de 3%, o segundo maior da Europa. Apesar da despesa em saúde e noutras áreas ter aumentado, os serviços estão em rutura. E, apesar de no último ano se ter recuperado alguma coisa, o investimento público continua em mínimos históricos. Para que o défice deixe de ser uma obsessão que esmaga tudo o resto, é preciso que António Costa tire as rédeas do Governo a Centeno e seja mesmo primeiro-ministro
Pois eu concordo com os dias em que o PSD está preocupado com a rutura dos serviços públicos. Não gosto de défices altos, porque eles comprometem o futuro. Mas não troco défices muitíssimo baixos pela recuperação de anos em desinvestimento no SNS ou a retoma do investimento público para apetrechar o país de instrumentos que permitam tornar a atual recuperação económica em mais do que uma fase passageira.
Se tirarmos as despesas com a dívida, o Estado está com um saldo positivo. O saldo primário do Estado é de 3%, o segundo maior da Europa. Isso quer dizer que está a tirar dinheiro à economia. Apesar da despesa em saúde e noutras áreas ter aumentado, os serviços estão em rutura. E, apesar de no último ano se ter recuperado alguma coisa, o investimento público deste governo continua em mínimos históricos. Ao mesmo tempo que se conseguem valores do défice muito abaixo do exigido pela Europa e do previsto pelo Governo. E já todos perceberam que será sempre abaixo do previsto, porque é assim que Centeno quer.
É importante não insistir numa divisão injusta dos méritos e falhanços. Mário Centeno não é o responsável pelo défice e Adalberto Campos Fernandes responsável pela situação aflitiva no SNS. Centeno é responsável pelas duas coisas. Era isso que o ministro da Saúde queria dizer quando disse, hoje no Parlamento, “somos todos Centeno”. E escusadamente responsável. Se há folga quando ainda estamos a recuperar de anos de cortes em serviços fundamentais para as pessoas e de uma redução insensata do investimento público é para isso, e não para preparar a carreira europeia com que Mário Centeno conta, que a folga deve ser usada. E seria bom que o resto da esquerda esquecesse por uns tempos as próximas eleições e não se ficasse apenas pelos rendimentos das pessoas, por mais importantes que eles sejam. Há aquele rendimento invisível e cujo investimento leva uns anos a sentir-se: SNS de qualidade, boa escola pública, investimento público com efeitos reprodutivos na economia.
Mas para que o défice deixe de ser uma obsessão que esmaga tudo o resto é preciso que António Costa tire as rédeas do Governo a Centeno e seja mesmo primeiro-ministro. É que não foi para fazer brilharetes em Bruxelas que se tirou Passos do poder. Foi para recuperar a vida das pessoas. O que, num governo de esquerda, não se pode sentir apenas nos seus salários.
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