- Notas soltas ainda a propósito do artigo de Centeno I
- Lembram-se do Filipa de Lencastre?
- Uma cortina de mísseis
- A sombra de Schäuble
Notas soltas ainda a propósito do artigo de Centeno I
Posted: 17 Apr 2018 12:56 AM PDT
Ainda a propósito do artigo de opinião que Mário Centeno publicou no jornal Público no passado dia 9 de Abril, partilho com quem tiver paciência para as ler um par de notas mais ou menos avulsas.
Começo com as afirmações de Centeno segundo as quais “[o] comportamento no mercado da dívida é, sem dúvida, o resultado do rigor e da credibilidade da política económica” e que “[s]em a credibilidade da execução orçamental de 2016 e 2017, que só esta solução governativa trouxe ao país, não teríamos a redução de juros observada (...)”.
No meu entendimento, afirmações produzidas nestes termos, obscurecendo o papel do Banco Central Europeu (BCE), afastam a discussão do que é substantivamente relevante e criam, pelo menos, três tipos de problemas.
É do domínio público que o BCE compra indiretamente à banca privada (proporcionando-lhe, aliás, uma confortável margem de lucro isenta de qualquer risco, uma renda, por isso) dívida pública, em montantes capazes de influenciar o seu preço e por isso a taxa de juro, pelo menos, desde julho 2012, quando Mario Draghi anunciou que faria tudo o que fosse necessário para impedir a implosão do Euro. Não vejo como este facto possa ser desconsiderado.
As formulações que secundarizam este aspecto não servem nem a verdade, nem o país. Não serviam quando eram produzidas pela direita, não servem agora.
Por um lado, escamoteiam a responsabilidade do BCE, quando esta instituição se manteve impávida e serena enquanto os juros exigidos pelo sistema financeiro para financiar a dívida pública portuguesa iniciaram em 2010 uma trajetória estratosférica rumo ao pico de mais de 17% atingido em janeiro de 2012. E não me venham com o argumento de que o financiamento dos Estados pelo BCE está proibido pelos tratados. Estava em 2012 e continuou depois de 2012; estava antes da intervenção no mercado da dívida e depois dela. Proibição que em termos de política monetária é uma inovação institucional (nenhum grande banco central no mundo observa esta regra) sem qualquer razão de ser exceto o preconceito contra a ação pública.
Por outro lado, enfraquecem a posição negocial do país na circunstância mais do que provável do BCE diminuir a intensidade das compras de dívida pública nacional, ou de acabar com elas e, consequentemente, o país ter de enfrentar taxas de juro sabe-se lá quanto mais altas: num cenário destes, como vai um governo, que reivindica exclusivamente para si a capacidade de influenciar “o comportamento do mercado da dívida”, exigir ao BCE que assuma o seu papel de banco central?
Por fim, enquanto não se popularizarem as ideias da centralidade política do BCE no (des)arranjo institucional da zona euro e de que a sua política monetária tem consequências redistributivas relevantes e que, consequentemente, como todas as políticas, tem de estar sob escrutínio democrático, o país permanecerá enredado num simulacro de discussão das suas opções para o futuro. Enquanto não se popularizar o entendimento de que a condicionalidade que o BCE impõe significa que só é banco central dos Estados que obedecem, se obedecem e enquanto obedecem, ou seja, dos que estão disponíveis para as tais ‘reformas’ que mais não são que um cardápio de políticas neoliberais para aplicar sempre independentemente da vontade dos eleitorados nacionais; enquanto isto não acontecer, a meu ver, todas as narrativas que não tornem a chantagem clara, ou que permitam que esta passe sem escrutínio, não servem a discussão democrática.
E, para finalizar, continuo com um pequeno comentário à afirmação “E assim reforçamos o investimento. O investimento público cresceu 25% em 2017”. Qual é o meu problema? O problema é simples. Sendo a afirmação verdadeira, não deixa perceber que, pelas mãos de um governo de esquerda, 2016 e 2017, foram os anos de menor investimento em percentagem do PIB, pelo menos, desde 1995.
E, assim, também não permite perceber que a quadratura do círculo é afinal, como se sabia, impossível: não é possível governar à esquerda e cumprir o Tratado Orçamental. É possível governar melhor que a direita, é certo, contendo, ainda que parcialmente, o ataque aos direitos e rendimentos de quem trabalha, o que está longe de ser coisa pouca, mas não é possível governar à esquerda. A meu ver, este é o problema que o povo progressista vai ter que resolver. Vamos precisar de muito empenho, coragem e clareza na discussão.
Lembram-se do Filipa de Lencastre?
Posted: 16 Apr 2018 04:36 PM PDT
Apesar do título deste post, não faria sentido apresentar o Agrupamento de Escolas Filipa de Lencastre como «o caso» em questão. Isto é, a escola em que os alunos não residentes na sua área de influência recorrem a moradas falsas para aí se poderem inscrever, acabando por «expulsar» os alunos residentes para outras escolas. Na verdade, esta é não só uma prática generalizada em todo o país (sobretudo nas maiores cidades), como a sua persistência muito deve ao laxismo de sucessivos governos, que nunca se incomodaram com a diferença entre a «law in books» e a «law in action».
Não sendo novo, o problema ter-se-á contudo agravado de forma substancial nos últimos anos, sobretudo em resultado da dinâmica de crescente competição entre escolas, a que não é alheia a cultura dos «rankings». De facto, é justamente aqui que encontramos um dos principais incentivos para o acentuar de processos de segregação sócio-educativa, em termos de perfil dos alunos, e de divergência cumulativa entre estabelecimentos de ensino. Deve sublinhar-se, aliás, que ao interesse dos pais para que os filhos frequentem os estabelecimentos de ensino melhor posicionados nos «rankings» (levando-os a indicar a morada de familiares ou amigos para efeitos de matrícula), se junta da parte das escolas a vontade de poder selecionar os melhores alunos num universo mais alargado, assegurando desse modo que mantém ou melhoram a sua posição nas listas ordenadas de escolas. A expensas, evidentemente, do incumprimento da letra da lei (que sendo há muito incumprida foi, ainda por cima, flexibilizada por Nuno Crato) e dos princípios do direito ao acesso, da equidade no acesso e do fomento da igualdade de oportunidades.
São por isso excelentes as notícias que chegam do Ministério da Educação, com a publicação do despacho de matrículas para o próximo ano letivo. Mantendo o princípio da área de influência das escolas - e fazendo-o efetivamente cumprir - passa a exigir-se a demonstração de residência e de agregado familiar do aluno, assegurando-se ainda que, no que diz respeito à área de residência (ou local de trabalho do encarregado de educação), os alunos mais desfavorecidos têm prioridade. Forjar moradas passa portanto a ser mais difícil a partir de agora, graças a uma medida essencial para responder àquele que é, porventura, o desafio menos superado do nosso sistema educativo: impedir que a escola reproduza, e acentue, as desigualdades sociais de partida dos alunos.
Posted: 16 Apr 2018 07:14 AM PDT
"Há o risco de uma escalada contida. Nós não sabemos se houve ataque de armas químicas. Acho que é preciso ser-se muito prudente sobre isso. Já nos venderam a mentira há quinze anos, na cimeira das Lajes, e destruiu-se um país em nome de uma mentira. Foi uma mentira e custou centenas de milhares de mortos. É preciso investigar. Pode ter acontecido? Pode. Assad é capaz disso, as forças que se lhe opõem são absolutamente capazes disso. Pode ter acontecido mas é preciso ter a certeza. Agora, pode haver uma escalada porquê? Porque Theresa May tem o Brexit e precisa de distrair do Brexit. Trump tem o caso da interferência dos russos nas eleições e Macron tem as ruas em revolta, com mobilizações como nunca se viram em França de há muitos anos a esta parte e portanto está a cair nas sondagens. São líderes fracos que precisam ter uma guerra internacional, como tantas vezes aconteceu nos últimos vinte, trinta anos. Se há uma crise interna bombardeia-se algum país, isto é uma regra da política internacional. E portanto é preferível evitar essas precipitações. António Guterres tem razão no que disse hoje, e eu não acrescentaria nada ao que ele disse: Não façam da população síria uma vítima de violência geoestratégica e de política interna de cada um destes países."
Do comentário de Francisco Louçã no Tabu da SIC Notícias, na passada sexta-feira. Poucas horas mais tarde, Trump, May e Macron davam início ao bombardeamento da Síria.
Posted: 16 Apr 2018 05:56 AM PDT
À boa maneira como são decididas as coisas que importam na Europa, Angela Merkel e Emmanuel Macron anunciaram há poucas semanas a intenção de apresentarem até junho um novo roteiro para a reforma da zona Euro. Pouco se sabe de concreto sobre em que consistirá, mas conhecemos as inclinações destes dois protagonistas. Do lado de Macron, temos a visão de um grande salto em frente federalista, incluindo um ministro das finanças europeu, um orçamento comunitário significativamente reforçado e harmonização crescente entre estados-membros em matéria fiscal e de protecção social. Já a posição alemã é bastante menos grandiosa e sobretudo mais avessa a tudo o que envolva transferências orçamentais significativas ou mutualização do risco entre estados-membros, enfatizando pelo contrário o reforço dos mecanismos punitivos e de controlo.
Uma vez que no fim de contas é mesmo a Alemanha quem manda mais, parece provável que o roteiro não se afaste muito da visão delineada por Wolfgang Schäuble no chamado non-paper com que se despediu do eurogrupo em finais de 2017. A linha programática aí definida incluía a transformação do Mecanismo de Estabilidade Europeu num Fundo Monetário Europeu com poderes reforçados de supervisão e controlo; a rejeição explícita de quaisquer mecanismos de estabilização macroeconómica à escala da zona Euro, de passos no sentido da mutualização da dívida ou de um mecanismo europeu de garantia dos depósitos bancários; e, o mais preocupante de tudo, uma nova articulação condicional entre fundos estruturais, reformas estruturais e supervisão das políticas orçamentais nacionais, no sentido de condicionar o acesso aos primeiros a uma mais estrita obediência aos ditames do eixo Bruxelas-Berlim.
Se é provável que a visão de Schäuble continue a ser preponderante meses após a sua partida, é porque não é apenas de Schäuble, mas da generalidade das elites dirigentes alemãs. Continuar-se-á sem corrigir as disfuncionalidades do Euro, mas dar-se-á mais alguns passos no sentido do aprofundamento do controlo pós-democrático e do desmantelamento do que resta de solidariedade na Europa. Para um país como Portugal, e em tempos de redução pós-Brexit do orçamento comunitário, isso pode implicar o risco de uma escolha forçada entre abdicar de boa parte dos fundos estruturais e abdicar da margem de autonomia restante em domínios como a política orçamental ou a legislação laboral. Se parece assustador, é porque é mesmo.
(publicado originalmente no Expresso de 14/04/2018)
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