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sexta-feira, 20 de abril de 2018

Ladrões de Bicicletas


Parabéns

Posted: 20 Apr 2018 01:50 AM PDT

O PS faz 45 anos. Parabéns. O Público dedicou-lhe várias páginas ontem. Em primeiro lugar, deu destaque aos acordos em modo bloco central de Costa e de Rio. Em segundo lugar, deu destaque aos secretários-gerais que fizeram carreira lá fora, como Constâncio: da preparação da revisão constitucional de 1989 ao BCE é todo um percurso que muito terá beneficiado o país, sobretudo nestes anos de chumbo do euro, em que a natureza ruinosa das privatizações também ficou clara para todos. Em terceiro lugar, o jornal trazia vários artigos de opinião de responsáveis políticos do PS. Destaco a opinião do eurodeputado Francisco Assis e do muito mais influente Augusto Santos Silva.
Assis confirma que quer ver a social-democracia europeia morrer nos braços de Macron, tal como já aconteceu em França, destacando algo que é verdadeiro: a convergência europeia entre Macron e o governo do PS. E, note-se, ambos já convergiram com Trump, indicando como o enquadramento neoliberal dos abertos e dos fechados é uma fraude intelectual que se destina a esconder as várias faces do imperialismo nos dois lados do Atlântico.
Santos Silva, no fundo ideologicamente alinhado com Assis, confirma que não se aprende nada, recusando “renegar” e “enterrar” “a renovação e a modernização operadas no final do século XX”, ou seja, a “Terceira Via”, até porque a crise da social-democracia não passaria por estes processos, mas antes por vagas “condições objectivas”, incluindo as que estariam associadas aos processos de “financeirização”. Corbyn, implicitamente rejeitado por Santos Silva, é a face da ampla recusa subjectiva desta trajectória, de resto bastante sórdida, como o enriquecimento imobiliário do criminoso de guerra Blair simbolicamente atesta.
A financeirização do capitalismo, ou seja, o aumento do peso dos actores, mercados e agentes financeiros, é um processo já estudado. Creio que se podem dizer duas ou três coisas sobre a responsabilidade dos modernizadores (ou destruidores...) da social-democracia no seu decisivo aprofundamento cá dentro e lá fora.
Em primeiro lugar, lembremos como, no mundo anglo-saxónico, Blair e Clinton aceitaram as reformas neoliberais anteriores e as aprofundaram, contribuindo para instalar um nexo, no capitalismo maduro, entre finança, globalização, construção, desindustrialização e desigualdade que se revelaria fatal com a crise. Thatcher, com a sua famosa habilidade, declarou que Blair era a sua melhor herança.
Em segundo lugar, este nexo têm uma história nacional que começa na viragem dos anos oitenta para os noventa, de Cavaco a Guterres, indissociável da integração europeia realmente existente, em particular desde Maastricht: das privatizações bancárias à abolição dos controlos de capitais e a outras formas de liberalização financeira, passando pela chamada independência política do Banco de Portugal e depois pela sua redução a uma sucursal de Frankfurt, a financeirização do capitalismo em Portugal é inexplicável sem o europeísmo feliz de que Santos Silva se há-de lembrar bem.
Em terceiro lugar, todos nos lembramos o que foi feito dos governos de Sócrates, num país transformado, também graças a uma moeda forte, num indicador avançado do fenómeno da estagnação, sem instrumentos de política, maciçamente endividado em euros, ou seja, em moeda estrangeira, e logo vítima da grande crise da financeirização.
Em quarto lugar, todos temos a obrigação de saber que o aparente fôlego actual do social-liberalismo nesta periferia assenta em grande parte numa nova fase da financeirização, à boleia da especulação imobiliária nos grandes centros urbanos, em parte alimentada por poupança externa incapaz de encontrar nos seus países de origem oportunidades de investimento suficientemente lucrativas e por um sector bancário ainda por reformar, com maciços apoios públicos nacionais (mais de 17 mil milhões de euros no período 2007 - 2017) e com controlo cada vez mais estrangeiro. A regressão estrutural já diagnosticada continua, igualmente à boleia do turismo, garantindo força acrescida a uma coligação patronal reaccionária, porque dependente de relações laborais precárias e de baixos salários.
Entretanto, as juras recorrentes de fidelidade à integração europeia são a face subjectiva desta realidade objectiva, oleada por decisões de política que responsabilizam e que estiveram e ainda estão associadas à perda de soberania. Se depender de Santos Silva, influente ideólogo e dirigente político, resta-nos aguardar, com nervos de aço e programa alternativo de desfinanceirização, os próximos episódios da (auto)destruição da social-democracia. O caminho entre a pasokização e a syrização é estreito, mas existe. É o caminho do socialismo.
Parabéns, uma vez mais.

O medo é um país distante

Posted: 19 Apr 2018 05:33 PM PDT

De acordo com um recente estudo do Eurobarómetro, a maioria dos europeus (67%) é favorável a políticas de apoio aos refugiados. Sendo certo que se verifica uma significativa discrepância de valores por Estado-membro, os padrões regionais que emergem à escala da UE são evidentes. Nos países do norte e centro europeu, a média de resultados atinge os 80%, seguindo-se os países do sul, com 71% dos seus cidadãos a expressar apoio a políticas favoráveis aos refugiados. Distanciando-se destes dois conjuntos, os países do leste europeu não vão além de uma média de resultados de 44% (com a Hungria e a República Checa a não atingir sequer os 30% de residentes que concordam com medidas de apoio a refugiados).

Curiosamente - e ao contrário do que se poderia supor à partida - existe uma correlação entre estes resultados e a percentagem de residentes estrangeiros em cada país. Ou seja, os Estados-membros menos favoráveis a políticas de apoio a refugiados são também, em regra, os que têm menos residentes estrangeiros, em termos relativos (como mostra o gráfico aqui em cima). É o que sucede, por exemplo, com a Bulgária, a Eslováquia ou a Hungria (com percentagens de residentes estrangeiros inferiores a 2%) ou, no extremo oposto, em países como a Alemanha, o Chipre e a Irlanda, com níveis de simpatia por políticas de apoio aos refugiados superiores a 80%, a par das elevadas taxas de população residente estrangeira (superiores a 10%).
Um segundo inquérito, também do Eurobarómetro e igualmente recente, confirma estas tendências. Questionados sobre como encaram a possibilidade de ter refugiados como amigos, a média de resultados dos Estados-membros situa-se em 46%, um valor bastante inferior aos 67% registados no estudo anterior. Contudo, os padrões regionais, à escala da UE, são praticamente os mesmos: é nos países com um maior peso relativo de residentes estrangeiros que se encara também com total naturalidade a ideia de ter refugiados como amigos (norte e centro da Europa e parte do sul), voltando os países do leste europeu, com menor proporção de estrangeiros residentes, a diferenciar-se pela escassa adesão a essa ideia (menos de 30%, com a Bulgária e a Hungria a atingir valores inferiores a 15%).

Estes dados transmitem uma noção bastante clara: quanto menos um país se relaciona, dentro das suas fronteiras, com os que provém de outras paragens, maior a propensão para deixar instalar o medo do desconhecido. Uma sociedade que acolhe o «outro» e incorpora a diferença protege-se melhor do efeito dos discursos xenófobos e dos simplismos que associam - sem fundamento - a imigração ao desemprego ou a chegada de refugiados à insegurança. É deste medo, tantas vezes incutido e reforçado por uma comunicação social ávida de notícias alarmistas (ou que adere intencionalmente a campanhas de ódio), que se alimentam, sobrevivem e reforçam o seu poder, figuras sinistras e perigosas como Victor Orbán, na Hungria.

Notas soltas ainda a propósito do artigo de Centeno - Parte II

Posted: 19 Apr 2018 03:42 AM PDT

Ainda a propósito do artigo de opinião que Centeno publicou no jornal Público no passado dia 9 de Abril.
Centeno afirma que “[p]odemos tomar como exemplo a experiência da Bélgica que reduziu o rácio da dívida pública de 130,5% em 1995, um valor próximo do registado em Portugal em 2016, para 94,7% em 2005”.
Analisemos, pois, a evolução da dívida pública Belga no período 1995 -2005 e procuremos perceber qual é caminho que Centeno propõe ao país.

Em 10 anos a Bélgica fez decrescer a sua dívida pública em 35,8 pontos percentuais.
No período referido, em termos de média anual, para uma diminuição da dívida pública de 3,6 pontos percentuais, foram necessários saldos primários de 5,2% do PIB e operações de stock (operações que afetam a dívida, mas não o défice, tais como privatizações, diminuição dos depósitos públicos e alteração do perímetro orçamental) de 1,2% do PIB. Ou seja, entre saldos primários e operações de stock a economia Belga utilizou 6,4% PIB para fazer decrescer a dívida em 3,6 pontos percentuais.
Para quem gosta de metáforas familiares (sempre mau caminho, é certo, como tentei explicar aqui) para ilustrar situações macroeconómicas, é assim como estar a pagar a casa ao banco e ver a conta de depósitos à ordem ser mensalmente debitada por 640 euros e o valor da dívida a ser abatido apenas em 360.
E isto aconteceu porquê? Porque, como se sabe, a dinâmica fundamental na evolução da dívida pública resulta da relação (r-g) entre taxa de juro nominal (r) e crescimento nominal (g) e a política orçamental que sustentou esta opção de gestão da dívida pública colocou a economia a crescer em todos os anos do período em consideração, exceto em 2004, abaixo da taxa de juro e isto (efeito bola de neve) acrescentou, anualmente e em média, 2,8 pontos percentuais ao stock de dívida.
Não é isto que Centeno tem em mente ou será?
Aqui chegados, surge a questão da alternativa: uma política orçamental menos restritiva, que tivesse possibilitado mais crescimento, não teria obtido melhores resultados? Para responder a esta pergunta, evitando o terreno sempre controverso da análise contrafactual, não conheço melhor ferramenta do que a História.
Tomemos, os Estados Unidos da América (EUA) como exemplo e vejamos:
De 1954 a 1973, o período de menor instabilidade e maior prosperidade do capitalismo, o orçamento público dos EUA foi, em média, deficitário em cerca de 2%; durante este período a dívida pública em valor cresceu sempre exceto durante um breve período de 6 meses em 1956. No entanto, no período em causa, a dívida pública medida em percentagem do PIB caiu de 70% para 40%. Porquê? Porque a taxa de crescimento da economia (4%, descontada a inflação) foi superior à taxa de crescimento da dívida (1,72%).
De modo mais geral, recordemos agora como, para além das políticas de austeridade, têm os países economicamente mais avançados reduzido o quociente dívida/PIB. O que observamos? – crescimento da economia, default explícito ou restruturação do endividamento público e/ou privado, inflação não antecipada e repressão financeira.
Dir-me-ão que tudo isto é muito bonito mas que o desempenho dos EUA e as políticas alternativas à austeridade foram o resultado de um contexto político e institucional muito particular que acabou algures na primeira metade dos anos 70 do século passado; que vivíamos num regime regulatório internacional onde as taxas de câmbio eram ajustáveis (Bretton Woods), o comércio internacional era conduzido com a preocupação de assegurar balanças de pagamentos equilibradas, o espectro do comunismo sustentava robustas políticas de emprego e de redistribuição de riqueza, os bancos centrais não pretendiam ser independentes e mantinham fortes ligações aos tesouros nacionais, a inflação não estava diabolizada, existiam restrições à circulação de capitais etc., etc.. É verdade. O menu das opções económicas dos governos está hoje fortemente restringido pela integração monetária europeia e pela globalização.
O que concluo, então, relativamente à questão das vantagens para a Bélgica de uma opção por maior crescimento? Reafirmo que não sabemos porque a História não é um laboratório onde a experiência possa ser repetida depois de um parâmetro ser alterado.
O que a meu ver sabemos porque a História ilustra é que, numa economia capitalista, se o problema é a insustentabilidade do endividamento, a viabilidade económica das alternativas à destrutiva austeridade depende em grande medida do quadro político-institucional em que a questão se coloca.
O que a meu ver a História também ilustra é que, numa economia capitalista, se o problema é a insustentabilidade do endividamento, a questão fundamental resultante é a da repartição de perdas entre devedores e credores. E que a viabilidade política das alternativas depende também da avaliação que cada um destes grupos faz dos ganhos e perdas em que potencialmente incorre e do poder de que dispõe para impor as suas preferências na sociedade.
No Reino Unido de 2012, por exemplo, um governo conservador ordenou ao Banco de Inglaterra que apagasse do seu balanço uma parte dos juros que teoricamente lhe tinha pago. Assim, sem mais, a dívida pública ficou mais compostinha em 35 mil milhões de libras sem que isso tivesse significado mais impostos e/ou menos serviços ou investimento públicos. Contextos políticos-institucionais e opções políticas.

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