por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso, 14/04/2018)
Daniel Oliveira
Quando foi o Brexit a explicação veio rápida: era a xenofobia e a imigração. Bastava ouvir os argumentos do “leave” para o concluir. As mentiras que enganaram os eleitores. E eram os velhos, temerosos da mudança e do exterior, contra os jovens, generosos e abertos ao risco. Claro que para acreditar nisto era preciso ignorar que foi onde não há estrangeiros que o “leave” conseguiu os melhores resultados e que foi em Londres que teve os piores. E ignorar que se há coisa que não é nova no Reino Unido é a imigração. Não tão antiga como as mentiras em campanha e como a existência de velhos que temem o futuro e o exterior. Mas, ainda assim, bastante antiga.
Quando Trump venceu eram também os imigrantes. E o terrorismo, claro. Mais o politicamente correto, a que os norte-americanos, cansados, reagiam. E a Fox News, que os intoxicava. Os imigrantes também não são uma novidade nos EUA. São tão pouco que até parece que o país é quase exclusivamente composto pelos seus descendentes. Quanto ao politicamente correto, além de ter dúvidas que afete grandemente os operários e rurais que deram a vitória a Trump, dominava o discurso da esquerda quando Obama ganhou e reganhou. Assim como a Fox News dominava a comunicação social.
Quando Marine Le Pen chegou à segunda volta o discurso já começou a ganhar alguma forma política. Havia ainda o terrorismo e a imigração. Os velhos não, que foram os mais jovens que votaram em Le Pen. A comunicação social também não, que estava toda contra ela. E as mentiras, convenhamos, estão no ADN da Front Nacional e só uma vez a tinham levado tão longe.
Chega-se ao resultado da Liga e do 5 Estrelas, em Itália, e as razões passam a ser outras: a Europa, a relação entre o Norte e o Sul, os refugiados (que já tinham sido o grande argumento na Alemanha) e... o Facebook. Na realidade, este último culpado já tinha aparecido em todas as eleições anteriores. As pessoas votam em partidos de extrema-direita e antissistémicos porque estão zangadas e têm medo. Não é o Facebook que as convence, quanto muito potencia e direciona um sentimento que já existe.
Não é a globalização que lhes dá medo. A globalização da economia já começou há muito tempo. Desde a II Guerra que assistimos a um processo crescente de integração das economias numa rede global. Só que isso aconteceu com comando político. E essa integração foi acompanhada, no ocidente e até aos anos 70, por uma igualdade crescente nos países do primeiro mundo, pela criação de poderosas almofadas sociais, pelo reforço de serviços nacionais de saúde e da escola pública, por sistemas robustos de apoio social, à segurança na velhice e pelo horizonte do pleno emprego. Mas, acima de tudo, havia a certeza, na Europa e nos Estados Unidos, que o futuro seria melhor do que o passado.
Esperança, emprego e segurança. Foram estes os três pilares que permitiram a vitória das democracias ocidentais num contexto de crescente globalização económica. Não são os elementos constitutivos das democracias, são os elementos que garantem uma adesão maioritária à democracia. A partir do momento em que eles foram abalados – com o desespero coletivo de saber que o futuro nos reserva pior do que o presente, com taxas de desemprego impossíveis de acomodar e com uma sensação de precariedade absoluta –, a democracia tremeu.
Nunca estas crises sistémicas são simples, e para ela concorrem sempre muitos fatores. Mas não é preciso fazer um grande esforço de memória histórica para perceber a ascensão da extrema-direita e de partidos antissistémicos.
Podem continuar a procurar em todo o lado, do Facebook ao politicamente correto, da Fox News aos refugiados. Estarão a fugir do essencial. E compreende-se a fuga. Ignorar as causas sociais e económicas é a única forma de não pôr em causa o pensamento dominante. Quando movimentos antissistémicos crescem não é porque as pessoas estão a ser enganadas. É porque há um problema no sistema.
Esta coluna regressa a 30 de abril
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