Ladrões de Bicicletas
Posted: 13 Apr 2018 11:39 AM PDT
O défice não é uma variável determinada pelo governo. Este apenas gere a despesa pública, enquanto as receitas dependem da evolução do produto, ou seja, da despesa interna - onde se destacam o consumo e o investimento privados - e do saldo externo. De facto, o governo não controla o comportamento das famílias e das empresas, nem as compras do resto do mundo aos nossos exportadores. Nem controla, pelo menos directamente, as importações que absorvem uma parte do rendimento por nós criado.
Portanto, se tem havido uma redução do défice (em % do produto), isso deve-se em alguma medida à boa táctica do PS quanto à reposição dos rendimentos que haviam sido cortados pela política desastrosa da troika. O que se gastou com a reposição foi mais do que recuperado em impostos e na redução de subsídios de desemprego. E também se deve ao crescimento do turismo e a uma bolha do imobiliário, sobretudo produzida pelo afluxo de capitais especulativos e pela retoma do crédito bancário à habitação, bolha que um dia destes vai rebentar e deixar um rasto de crédito mal-parado nos bancos. E obrigará o estado a sanear bancos, fazendo aumentar novamente a dívida pública. Pois, a livre circulação de capitais especulativos e o capitalismo financeirizado é isto. Mas não foi sempre assim, nem tem de ser para sempre assim.
Em resumo, uma contenção do numerador (Défice/PIB) através do adiamento sine die do investimento público e o congelamento das carreiras dos funcionários, algo que acontece desde há muito tempo para favorecer as contas, acompanhada de uma convergência de factores favoráveis ao crescimento do denominador (incluindo a reposição de rendimentos), ofereceu ao governo um défice muito mais baixo do que tinha inicialmente previsto. Sim, o défice pode surpreender um governo, tanto pela negativa (2012) como pela positiva (2017) porque, convém insistir, o governo não controla uma parte do numerador (receita dos impostos) e não controla mesmo a evolução do denominador (produto).
Então, porque é que esta orientação favorável ao défice não prossegue, tanto mais que em Bruxelas tem havido satisfação com Centeno? A resposta é simples. Há outra variável que Bruxelas também quer baixar e, tal como para o défice, também tem ideias erradas quanto à melhor forma de o conseguir. A dívida pública deverá reduzir-se para o nível de 60% do produto rapidamente, como manda o tratado Orçamental. Hoje, Centeno não está em condições institucionais (nem tem convicção) para executar uma táctica de arrastamento quanto a este objectivo, como tem sido feito por outros países. Por esta razão, o governo deseja que o défice do orçamento para 2019 (o défice anual acresce ao montante global da dívida pública) se aproxime de um saldo nulo e, nos anos seguintes, apresente um excedente. Portanto, para cumprir as metas da dívida, o governo não pretende usar as folgas obtidas com o crescimento do produto acima do previsto em 2017, e previsivelmente em 2018, para fazer investimento socialmente útil. O principal objectivo é construir uma imagem de credibilidade junto dos especuladores financeiros através de uma redução acelerada do peso da dívida pública no produto. E isto é possível desde que o produto continue a crescer e o povo mais penalizado com a erosão dos serviços públicos continue a sofrer com resignação, até porque não vê uma alternativa credível.
O governo podia ir mais devagar neste caminho e, se o fizesse, não criaria dificuldades políticas às esquerdas. Mas, aqui, saímos do horizonte da táctica e entramos no da estratégia. Para o socialismo que está no governo, a respeitabilidade financeira é um elemento central do seu programa e a moeda única é o que temos de sofrer para manter o sonho desse socialismo europeu. Até que um dia, quando a esquerda governar todos os países da zona euro, se possa mudar (por unanimidade) a arquitectura dos Tratados num sentido progressista. Sim, é preciso sofrer, caso contrário, como diz Carlos César, irá tudo por água abaixo.
Não será tempo de as esquerdas deixarem de falar a linguagem politicamente correcta, mas teoricamente errada, quando assumem implicitamente que a redução dos défices e, por essa via a redução da dívida, é um caminho respeitável se for percorrido mais devagar do que Centeno deseja? O apoio político ao governo, até ao fim desta legislatura, não deve estar em causa. Mas isso não obriga a fazer um discurso respeitador do quadro conceptual da direita e do ordoliberalismo dos Tratados. É possível fazer uma pedagogia mais clara e insistente do que são os défices e de como são financiados num país com soberania monetária. Com um discurso politicamente incorrecto mas cientificamente correcto, ficaria evidente para muita gente o quão absurdo e socialmente danoso é estarmos no euro e, pelo menos para o BE, tal permitiria tornar mais clara a estratégia política, o que não seria necessariamente mau do ponto de vista eleitoral. Este é um ponto que defendo no vídeo acima.
Posted: 13 Apr 2018 09:15 AM PDT
Fonte: Associação Portuguesa de Seguradores
O peso dos seguros de saúde têm vindo a subir no total dos prémios de seguros. Segundo os números da Associação Portuguesa de Seguradores, eram 10,6% do total dos prémios emitidos em 2009 e passaram para 13,5% em 2017.
Mas nesse total e a partir de 2016, os prémios dos seguros pagos pelas empresas aos seus trabalhadores ultrapassaram já os prémios pagos individualmente. O número de pessoas cobertas reflecte essa realidade. Em Dezembro de 2014, eram 1,1 milhões de trabalhadores cobertos por seguros e três anos depois, abrangiam já 1,439 milhões de trabalhadores, acima dos seguros individuais que passaram de 851,6 mil pessoas em 2014 para apenas 900 mil em 2017. Qual a razão para esta inversão? Muito provavelmente, o Orçamento de Estado OE).
Até 2014, os prémios de seguros para os seus trabalhadores eram considerados rendimentos de trabalho e sujeitos a IRS. De qualquer forma, o Código do IRS previa também - e ainda prevê - que parte da despesa dos contribuintes individuais em seguros de saúde contava - e conta ainda - para as deduções fiscais à colecta com despesas de saúde, desde que tivessem "sido comprovadamente tributados como rendimento do sujeito passivo".
Mas a partir do primeiro dia de 2015, a lei do OE para 2015 introduziu um aditamento ao Código do IRS.
No seu artigo 2-A, passou a ficar explícito o que "não se consideram rendimentos do trabalho dependente". Várias despesas patronais, a maior parte delas que contam como remunerações indirectas: "As prestações efetuadas pelas entidades patronais para regimes obrigatórios de segurança social, ainda que de natureza privada", "as prestações relacionadas exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores, quer estas sejam ministradas pela entidade patronal, quer por organismos de direito público ou entidade reconhecida", "as importâncias suportadas pelas entidades patronais com a aquisição de passes sociais a favor dos seus trabalhadores", "as importâncias suportadas pelas entidades patronais com encargos, indemnizações ou compensações, pagos no ano da deslocação, em dinheiro ou em espécie, devidos pela mudança do local de trabalho", os rendimentos recebidos pelos trabalhadores "após a extinção do contrato de trabalho, sempre que o titular seja colocado numa situação equivalente à de reforma".
E - além dessas e claro está - "as importâncias suportadas pelas entidades patronais com seguros de saúde ou doença em benefício dos seus trabalhadores ou respetivos familiares desde que a atribuição dos mesmos tenha carácter geral". Estranhamente, já que, a partir de 2014, graças ao OE 2014, esses prémios de seguros tinham ficado incluídos precisamente nos rendimentos de trabalho a tributar (ver pag 7056 III).
Qual é, pois, a importância desta regra que ainda está em vigor?
Antes, os prémios eram correctamente considerados como uma forma indirecta de retribuição e eram penalizados em IRS como rendimento dos trabalhadores. Era uma forma indirecta de remuneração, mas que beneficiava já as entidades patronais porque servia para compensar ausência de aumentos salariais mais acentuados. Tinha outra vantagem: era uma remuneração que podia ser reduzida ou mesmo cortada uniletaralmente pela empresa, e sobre a qual não pagavam contribuições para a Segurança Social (apesar de ser considerado rendimento do trabalho).
Depois, as entidades patronais não só gozam dessas mesmas vantagens de ser uma remuneração indirecta cujos valores podem ser reduzidos a qualquer momento, como ainda por cima podem alegar aos seus trabalhadores que desde 2015 nem sequer vão pagar IRS por isso. Trata-se de um subsídio público às empresas privadas, à forma de retribuição indirecta e, em última instância - e neste caso concreto - às companhias seguradoras. E em muito última instância aos trabalhadores.
Mais e mais inviamente:
1) fiscalmente, os prémios de seguros pagos aos seus trabalhadores abatem totalmente aos proveitos das empresas, pelo que quanto maior for a remuneração indirecta de trabalho, menor será o IRC sobre lucros a pagar. E em 2012 foram 546 milhões de euros pagos pelas empresas em prémios de seguros de grupo, mas em 2017 já eram 742 milhões. E quanto maiores as empresas, maior o bolo a descontar aos lucros.
2) A expansão dos seguros de saúde, conectados ao funcionamento do sector privado de saúde, aliciou num primeiro momento os profissionais da saúde que viam os seus rendimentos complementados com uma perninha no sector privado. Estabeleceu-se um negócio entre as companhias de seguros e os médicos em torno do valor do K, ou seja, a unidade de referência para o cálculo de cada acto médico. No princípio, o K era elevado e todos ficaram contentes. Mas o valor do K tem vindo a baixar por decisão das companhias seguradoras e os médicos tornaram-se em autênticos caixeiros viajantes, que andam de terra em terra, de instituição em instituição, de acto em acto, para conseguir a sua remuneração adicional. Ficaram na mão das companhias seguradoras. Pior ainda: antes quando trabalhavam nos consultórios (em complemento com o sector público) recebiam na hora. Agora, as companhias diferem os pagamentos...
Por tudo, os responsáveis pelo Estado têm de ter em atenção aos efeitos perversos das suas decisões. Por que deverá o Estado promover a expansão de seguros de saúde, já que se encontram em clara expansão? Quem e o quê se está a beneficiar com esta protecção pública?
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