08/04/2018 by
O mundo do futebol fora das chamadas quatro linhas é ainda mais feio do que um jogo do campeonato português. Em Portugal, nos últimos anos (dez, vinte, trinta?), o discurso sobre futebol passou a ignorar o jogo e transformou-se em acusações de corrupção e em debates intermináveis sobre erros de arbitragens sempre propositados ou, na melhor das hipóteses, grosseiros. Mesmo os erros dos jogadores, até aqui poupados às quotidianas teorias de conspiração, passaram a ser vistos com desconfianças cada vez mais confiantes. Tudo isto nasceu nos gabinetes dos dirigentes, propagando-se, com a pestilência dos cadáveres em decomposição, para os adeptos, seguidores fiéis de directores de comunicação capazes de tudo. E o delírio passa de pais para filhos e já vai em netos, ampliado pelas redes sociais, essas megatabernas em que os ébrios do apito só versam o tema dos roubos.
O adepto típico, hoje em dia, sabe o nome de todos os árbitros, árbitros auxiliares, a que se junta agora o videoárbitro (amanhã, será o audioárbitro, ficando a faltar três sentidos – incluindo o paladar, porque pode haver árbitros de comer e chorar por mais), e lembra-se de todas as vezes em que roubou o seu clube ou a sua selecção, que também só é eliminada por artes de conspirações mundiais, com agentes secretos e tudo.
A minha crença, comodista como é meu timbre, reside no seguinte: a corrupção existe e, no fim, ganha quem joga melhor, o que faz com que a corrupção seja, no geral, inútil. Ontem, o meu amigo Ricardo Ferreira Pinto, grande portista e admirável fundador deste blogue, escreveu um texto que poderia ter sido produzido por Francisco J. Marques, Luís Bernardo ou Nuno Saraiva. Pelo meio, ainda irritado com um penaltymuito provavelmente mal assinalado a favor do Benfica, conseguiu criar um novo corolário: o Benfica é o clube mais corrupto do mundo, logo todos os que o apoiam são igualmente corruptos, porque “não se importam como ganham desde que ganhem”.
Curiosamente, há uns anos, não fiquei agradado com o golo de Vata que permitiu que o Benfica fosse a uma final da Taça dos Campeões que, num acto de justiça tardia, acabou por perder. Além disso, não perdi um minuto dos onze anos de seca de campeonatos do clube mais corrupto do mundo a pensar na corrupção dos que ganharam, preferindo culpar a qualidade dos jogadores. Na verdade, mesmo um corrupto empedernido como eu tem, por vezes, momentos de distracção em que liga ao futebol, tal como as pessoas honestas podem, conforme as circunstâncias, roubar. Peço, então, desculpa pela interrupção: se tiver de comemorar mais um campeonato imerecido, que assim seja, porque, infelizmente, já não vou a tempo de ser uma pessoa de bem. Se for outro clube a ganhar, será uma alegria para uma minoria de portugueses seriíssimos, o que também é bom.
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