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quinta-feira, 5 de abril de 2018

Uma antiga vila de fronteira: Juromenha

A história pode ser madrasta, mesmo no vale do Guadiana. O rio e seus afluentes convidam o Homem a instalar-se nas suas margens, ou próximo delas. Com bons resultados, quase sempre. Mas… acontecimentos diversos podem influir no desenvolvimento normal e no progresso dos aglomerados humanos.

Nos tempos muçulmanos, foi uma cidade importante, cujo nome seria, segundo alguns, “Chel-Mena”. Mas o topónimo árabe mais provável terá sido o de “Yulumaniya” ou “Julumaniya”, uma, repete-se, cidade moura importante, e nele se deverá ver a origem mais provável do termo JUROMENHA, que conheceu algumas variantes, como Jeremenha, Gerumenha, ou Jorumenha. Não se pode pôr de lado a hipótese de a forma árabe Yulumaniya derivar de “Julli Moenia” (Muralhas de Júlio)… se acaso tal lenda (a da origem romana) já existia no século VIII !

D. Afonso Henriques terá conquistado a povoação em 1167. D. Gonçalo Viegas, filho ou sobrinho de D. Egas Moniz, talvez já no tempo de D. Sancho I, tê-la-á recebido em doação, atravessando então o Guadiana e ocupando o lugar de Vila Real, embora pouco se saiba sobre a veracidade destes factos. Os muçulmanos reocuparam a região, decerto entre 1169 e 1189, já que a data de 1242 referida em algumas enciclopédias como de “conquista moura”, estará decerto errada, pois sabe-se com razoável certeza ter o fidalgo D. Paio Peres Correia ocupado definitivamente a região por volta de 1220, 1230 o mais tardar. Em 1242, já os mouros estavam muito, muito longe. Após a pacificação da fronteira em 1297 (Tratado de Alcañices), D. Dinis mandou reedificar as muralhas e o castelo de Juromenha, dando-lhe foral em 1312. As suas terra ficaram dentro da área atribuída à Ordem de Avis. Sem dúvida que no século XIV teve assinalável importância, nela se efectuando três casamentos reais: o de D. Afonso IV com D. Beatriz de Castela, ainda no século XIII e a rematar o já citado Tratado de Alcañices; o de D. Maria de Portugal com Afonso XI de Castela em, 1328; e o de D. Pedro I com D. Constança de Castela em 1340.

Durante a crise de 1383-1385, Juromenha não parece ter desempenhado nenhum papel de realce, pois raramente é referida, o mesmo ocorrendo no século XV. Podemos, todavia, estar a ser enganados por eventual destruição de documentos. De qualquer forma, não deverá ter perdido importância, pois D. Manuel I concedeu-lhe, em Lisboa, novo Foral, em 15 de Setembro de 1512. As muralhas, por essa época, eram grandiosas, com 17 torres, sendo uma delas uma Torre de Menagem com 140 palmos (cerca de 30,8 metros) de altura. No Numeramento de 1527-1573, o mais antigo de Portugal, Juromenha surge como tendo 150 fogos (pouco mais de 600 habitantes, ao que se julga), portanto bastante menos que as vizinhas Elvas (1916 fogos, cerca de 7000 habitantes), Alandroal (284 fogos, cerca de 1100 habitantes), Olivença (1053 fogos, cerca de 4000 habitantes), Vila Viçosa (talvez 800 fogos e cerca de 3000 habitantes), Estremoz (969 fogos, aproximadamente 3200 habitantes) e Borba (600 fogos, cerca de 2300 habitantes). Igualava, todavia, Terena (170 fogos, talvez 650 habitantes).

A importância de Juromenha era essencialmente militar e estratégica, protegendo, à retaguarda, Olivença, uma urbe alentejana que, cercada por Castela/Espanha por três lados, constituía sempre um quebra-cabeças para as chefias militares portuguesas. As terras do Concelho ultrapassavam aliás o Guadiana, pois pertencia-lhe o lugar de Vila real, exactamente a sua melhor área agrícola.

Juromenha (1640-1801)

O período das Guerras de Restauração aumentou o papel de Juromenha, e D. João IV ampliou-lhe e modernizou-lhe as fortificações, que passaram a ser em estilo “Vauban”. Em 1657, recebe milhares de oliventinos fugidos da sua vila, então ocupada pelo inimigo, à qual só regressaram em 1668, quando a administração portuguesa foi reinstaurada.

Juromenha resistiu sempre durante a Guerra de 1640-1668, registando-se nela um triste evento em 19 de Janeiro de 1659, quando explodiu por descuido um armazém de pólvora, perecendo então toda a guarda ali aquartelada, composta por estudantes de Évora capitaneados pelo Padre Francisco Soares (conhecido por “o Lusitano”).

Em 1709 (Guerra de Sucessão de Espanha) travaram-se combates nas proximidades, e ainda ao longo de todo o século XVIII a Praça de Juromenha foi alvo de constantes cuidados.

É evidente que, em todas estas guerras, toda a zona fronteiriça (raiana), tanto do lado português como espanhol, sofreu consideráveis destruições. O desenvolvimento é, necessariamente, inimigo da guerra. O conflito seguinte, no início do século XIX, irá, uma vez mais, demonstrá-lo.

1801, Data Incontornável

A Guerra das Laranjas levou à conquista da Vila de Juromenha em 20 de Maio de 1801. Alguns meses depois, foi devolvida pelos espanhóis, mas sem a parte do Concelho a leste do Guadiana, com a aldeia de Vila Real, aliás a mais rica em termos agrícolas desde sempre.

Ainda em 1837 Juromelha era considerada uma fortaleza de Primeira Classe, com uma forte guarnição militar, mas o declínio acelerou-se a partir de então. A meio do século XIX, deixava mesmo de ser sede de Concelhos, passando a depender do Alandroal.

Os delicados problemas ligados à inexistência oficial de fronteira na região, resultantes da questão em aberto de Olivença, fizeram-se sentir duramente. Durante algum tempo, alguns oliventinos procuravam escolarizar-se em Juromenha, mas em breve a vigilância espanhola, em especial na época franquista, tornou tal quase impossível.

Os limites do concelho de Juromenha e a Ponte da Ajuda

Mas, afinal, quais eram os limites do extinto Concelho de Juromenha a leste do Guadiana ?

Um trabalho recente, de autoria de Mário Rui Simões Rodrigues, de Leiria, baseado em vários documentos, nomeadamente um mapa de 29 – Janeiro – 1802, existente no “Servicio Historico Militar” em Madrid, procura demonstrar que, muito provável e inesperadamente, a Ponte da Ajuda, que ligava Elvas a Olivença, deveria, para lá do Guadiana, assentar em terras do termo de Juromenha. As investigações do oliventino Miguel Ángel Vallecillo Teodoro, ao demonstrar, no seu livro “Olivença en su Historia”, que as herdades de Malpica de Portugal e Joana Castanha, cujo limite norte era a fronteira da Ribeira de Olivença, pertenciam a Vila Real, freguesia do concelho de Juromenha, reforçam esta conclusão.

Sabe-se que a Ponte da Ajuda, construída no reinado de D. Manuel por volta de 1520, se destinava a pôr em contacto as 6ª (Elvas) e 13ª (Olivença) maiores povoações portuguesas. Com os seus 450 metros, 18 arcos, e quase 6 metros de largura, esta ponte, parcialmente destruída em 1709, durante a Guerra da Sucessão de Espanha, é, ainda hoje, uma obra impressionante. Inevitavelmente, a polémica Luso-espanhola sobre as terras de Olivença tem-se reflectido no adiamento constante da sua recuperação. As dificuldades e as contradições diplomáticas não cessam. Note-se que, desde 1967, a Ponte foi declarada Monumento de interesse Nacional pelo Estado Português. No que respeita ainda a limites, Portugal não cessou de reclamar contra a ocupação de parte do concelho de Juromenha, em 1801, pela Espanha, contrária ao Tratado de Badajoz, independentemente de Portugal considerar este anulado desde 1807.

Com efeito, no Tratado de 1801 fala-se em colocar os limites fronteiriços no Guadiana, mas “… naquela parte que UNICAMENTE toca ao sobredito território de Olivença.” (Artigo III) Vila Real, a aldeia que, segundo a lenda, foi fundada por Gonçalo Viegas, que quis recordar Vila real de Trás-os-Montes (sendo mais provável que o nome se deva a existirem ali terras da Coroa Portuguesa), bem como toda a área que lhe pertencia a oriente do Guadiana, foi pois anexada em violação do Tratado de Badajoz.

Juromenha: declínio, um triste destino

Juromenha não se limitava a sofrer pela amputação de parte do seu território. As desgraças sucediam-se. Epidemias de febres (“sezões”) afugentavam a população. No princípio do século XX, um surto de peste bubónica afugentou as poucas gentes que tinham ficado. Mais tarde, surgiu um povoado novo, fora das muralhas, e as ruínas de Juromenha passaram a ser utilizadas como palheiros e currais. Distinguem-se, ainda, a antiga Câmara e a Casa do Senado, bem como as capelas da Misericórdia e de São Francisco de Assis. Da antiga cadeia, quase só resta um colorido brasão. Por vezes, e cada vez mais, distinguir estes antigos edifícios exige um grande esforço de imaginação.

Durante a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), por ali passaram alguns refugiados, que as autoridades portuguesas procuravam deter para, conscientemente, os entregarem à desumana repressão franquista. A população da nova Juromenha extra-muros tem vindo a diminuir desde o meio do século XX, com alguns movimentos ocasionais insuficientes para contrariar a tendência: 1399 habitantes em 1950, 1453 em 1960, 929 habitantes em 1970. e, em 1991… 181 habitantes apenas!

A situação de fronteira administrativa, mas não legal, no Guadiana, não lhe permitiu ter uma verdadeira alfândega, embora funcionasse às vezes um muito pequeno posto de estatuto indefinido. A sua Feira Anual, em 10 de Agosto, sob o seu antigo Orago de Nossa Senhora do Loreto, é muito modesta. Juromenha é, fundamentalmente, uma ruína grandiosa. Um certo medo do local e das suas antigas epidemias subsistiu até 1940, já que num guia com essa data se aconselhava a eventuais visitantes o cuidado de se preveniram com quinino.

A falta de água é um dos dramas do povoado, e é um problema muito antigo. E, todavia, era relativamente rica de trigo em volta, em especial além-Guadiana, e de madeira de queima, pelo que há memória de um ditado popular significativo (“Juromenha, Juromenha, // boa de trigo, e melhor de lenha”).

Para visitar a fortaleza de Juromenha, segundo informações de 1996, tem de se pedir a chave no novo povoado de Juromenha fora das muralhas. E o visitante logo concluirá que a actual situação de abandono não pode continuar. A fortaleza está ainda razoavelmente bem conservada, fazendo jus ao antigo brasão da Vila (uma torre de muralha, dentro de água, encimada por correntes), mas as ruínas do interior em breve não passarão de uma camada de pó. Urge, pois, salvar os maltratados monumentos, reconstruí-los, restaurar tanto quanto possível o traçado urbano, e fazer da fortaleza fantasma um lugar de vida, talvez um ponto turístico, quiçá uma pousada, e outras atracções. Há notícias de que se começa a pensar em qualquer coisa. Qualquer solução será benvinda, mas o abandono actual não pode ter perdão. O que poderá fazer para acudir a esta região, progressivamente abandonada, onde as pedras carregadas de história têm cada vez menos homens por companhia? Fica a interrogação para quem de direito responder.

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