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segunda-feira, 28 de maio de 2018

13 explicações sobre a eutanásia: os conceitos, os projetos de lei, a legislação lá fora e os casos mais conhecidos

27 Maio 2018

Rita Porto
Qual a diferença entre eutanásia e suicídio assistido? O que dizem os 4 projetos de lei? Como será a votação? Como é a legislação noutros países? E os casos mais conhecidos.
Eutanásia, suicídio assistido e morte assistida: o que querem dizer estes três conceitos? O que propõem os projetos para a alteração da lei do PS, Bloco de Esquerda, PAN e Partido Ecologista Os Verdes que esta terça-feira vão a votos no Parlamento? Como é a legislação noutros países onde a morte assistida é permitida?
Com o debate a marcar (e a dividir) a sociedade (e a política) portuguesa, fazendo até regressar às notícias Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho, mas também dominando parte do Congresso socialista e as declarações de António Costa, eis 13 respostas para compreender o que implica a despenalização da morte assistida.

Qual a diferença entre eutanásia e suicídio assistido? E morte assistida?

“A eutanásia é a morte a pedido. Uma pessoa que pede a alguém que a ajude a morrer, na prática pede a alguém que mate”, explica Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, ao Observador. “O suicídio assistido é quando, um profissional de saúde ou não, ajuda outra pessoa a cometer suicídio, seja através da disponibilização ou da prescrição de um produto ou medicação.”
Já a morte assistida “abarca os conceitos de eutanásia e suicídio assistido”, acrescenta o bastonário.
E como chegámos aqui?


Todo este processo começou com a petição pública pela despenalização da morte assistida do movimento cívico “Direito a morrer com dignidade”, publicado na íntegra nos jornais Expresso e Público em fevereiro de 2016 e que contou com mais de 100 assinaturas de várias personalidades. A ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, o líder do PSD Rui Rio, Pilar del Rio, Sampaio da Nóvoa, José Pacheco Pereira e Mariana Mortágua são alguns dos nomes mais sonantes do documento.
Dois dias depois de ser apresentada, a petição já tinha atingido o número mínimo de assinaturas para que fosse discutida no Parlamento: quatro mil. No entanto, só em abril, quando contava com mais de oito mil assinaturas, é que deu entrada na Assembleia da República a petição nº103/XIII/1.º.
Em seguida, recorda o deputado bloquista José Manuel Pureza ao Observador, foi criado um grupo de trabalho onde estiveram representados todos os grupos parlamentares e o deputado do PAN. Após o relatório deste grupo de trabalho ter sido aprovado “por unanimidade”, surgiram as iniciativas legislativas do PAN — o primeiro a apresentar mudanças ao diploma, em fevereiro de 2017 –, BE, PS e Verdes.
“O Bloco de Esquerda publicou um anteprojeto da iniciativa há cerca de um ano que permitiu fazer um conjunto de bases”, recorda José Manuel Pureza, acrescentando que o projeto de lei dos bloquistas foi apresentado cerca de um ano depois.
Os quatro projetos vão agora ser votados. Recorde-se que os Verdes não queriam agendar para já o diploma, mas acabaram por acompanhar os restantes partidos e avançar com o novo projeto de lei.

O que dizem os diferentes projetos de lei?

PAN, Bloco de Esquerda, PS e Verdes apresentaram os seus projetos de lei entre fevereiro de 2017 e abril deste ano. Eis as semelhanças e as diferenças:
As denominações
Os quatro projetos de lei abordam a questão recorrendo a diferentes denominações. O projeto de lei do PS refere que “procede à 47.ª alteração ao Código Penal e regula as condições especiais para a prática de eutanásia não punível”, definindo a eutanásia não punível como “a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
O projeto de lei do Bloco de Esquerda, por sua vez, “define e regula as condições em que a antecipação da morte, por decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento duradouro e insuportável, não é punível”. “O pedido de antecipação da morte deverá corresponder a uma vontade livre, séria e esclarecida de uma pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável”, lê-se no artigo 2.º do diploma.
O projeto de lei do PAN fala na regulação do “acesso à morte medicamente assistida”, isto é, o “ato de, em resposta a um pedido do próprio, informado, consciente e reiterado, antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento sem esperança de cura. Pode concretizar-se de duas formas: eutanásia ou suicídio medicamente assistido”.
A proposta do deputado do PAN, André Silva, data de fevereiro de 2017
os Verdes escrevem que o projeto de lei “define o regime e as condições que a morte medicamente assistida não é punível”. “A morte medicamente assistida consiste na morte provocada, de forma tão indolor e tranquila quanto os conhecimentos médicos e científicos o permitam, a doente que, estando em situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, e encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva, manifeste pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante e expresso nesse sentido, sendo garantida a avaliação e o reconhecimento da consciência, liberdade, esclarecimento e capacidade do doente para realizar esse pedido”, lê-se no diploma.
Os motivos
Os vários partidos apresentam motivações diferentes para a apresentação destes projetos, em particular a forma como olham para os seus conceitos. Na sua exposição de motivos, o PS refere-se à eutanásia não punível como sendo uma “escolha individual” que está ligada à “autonomia das pessoas” e que o Estado não pode descurar. “(…) quando se propõe no presente projeto de lei regular as situações especiais em que a prática da eutanásia não é punível, o que se pretende fazer é apenas reconhecer o que se nos afigura essencial para salvaguardar a esfera de autonomia individual. Isto é, não está em causa um desrespeito da vida por parte do Estado, porque é o próprio sujeito autónomo que deseja a eutanásia, sujeito esse que, tendo liberdade para tomar decisões vitais ao longo da vida sem possibilidade de interferência por parte do Estado, também tem – deve ter – liberdade para ter um espaço legalmente reconhecido de decisão quanto à sua própria morte.”
Os bloquistas encaram o pedido de antecipação da morte como um direito que deve ser respeitado. “O debate intenso e profundo que tem ocorrido na sociedade portuguesa a este respeito (…) tornou claro que não é aceitável, à luz do princípio geral da tolerância e da articulação constitucional entre o direito à vida, direito à autodeterminação pessoal e direito ao livre desenvolvimento da personalidade, negar o direito de, dentro de um quadro legal rigorosamente delimitado, se ver atendido o pedido para antecipação da morte sem que tal gere penalização de quem (…) ajuda com compaixão e respeito à satisfação de um tal pedido.”
"(...) quando se propõe no presente projeto de lei regular as situações especiais em que a prática da eutanásia não é punível, o que se pretende fazer é apenas reconhecer o que se nos afigura essencial para salvaguardar a esfera de autonomia individual"
Projeto de lei do PS
O PAN, por sua vez, refere-se ao “princípio da dignidade da pessoa humana” e à “autonomia e liberdade individual“. “Um indivíduo competente e autónomo é livre e responsável pelas suas escolhas.”
Para os Verdes, a antecipação da morte como uma “vontade” de uma pessoa que se encontra “numa situação limite de dor e sofrimento intolerável, causados por doença terminal”, que toma a decisão de acabar com a vida “através dos procedimentos da morte medicamente assistida”. “É a vontade da pessoa, portanto, que deve ser respeitada e, para isso, o Estado não deve proibir a possibilidade de se fazer essa opção, em situações e processos bem definidos.”

Quem pode fazer o pedido?

Em todos os projetos de lei, apenas uma pessoa portadora de uma doença incurável e fatal, que esteja num sofrimento insustentável, maior de idade, de nacionalidade portuguesa ou que resida legalmente no país e que não padeça de doença do foro mental pode fazer o pedido.
O PS começa por esclarecer que eutanásia não punível corresponde à “antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”, correspondendo “a uma vontade atual, séria, livre e esclarecida”.
O BE sublinha o facto de ser pessoa maior “capaz de entender o sentido e o alcance do pedido e consciente no momento da sua formulação” enquanto o PAN destaca que tem de se tratar de alguém que não esteja “interdito ou inabilitado por anomalia psíquica” ou “padeça de qualquer doença do foro mental”.
“O pedido de antecipação da morte deverá corresponder a uma vontade livre, séria e esclarecida de pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável”, lê-se no documento do Bloco de Esquerda.
No projeto de lei do PAN, o pedido só é “admissível nos casos de doença ou lesão incurável, causadora de sofrimento físico ou psicológico intenso, persistente e não debelado ou atenuado para níveis suportáveis e aceites pelo doente ou nos casos de situação clínica de incapacidade ou dependência absoluta ou definitiva”. É o único que faz referência específica ao “sofrimento psicológico”.
“A presente lei define as condições e os procedimentos específicos a observar nos casos de morte medicamente assistida e altera o Código Penal para despenalizar a morte medicamente assistida, a pedido sério, livre, pessoal, reiterado, instante, expresso, consciente e informado de pessoa que esteja em situação de profundo sofrimento decorrente de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica, encontrando-se em estado terminal ou com lesão amplamente incapacitante e definitiva”, lê-se no diploma dos Verdes.
“O pedido de antecipação da morte deverá corresponder a uma vontade livre, séria e esclarecida de pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável”
Projeto de lei do Bloco de Esquerda
Todos os projetos referem que o pedido tem de ser feito de forma livre por escrito. Nos documentos do PS, BE e PAN sublinha-se que, caso o doente não o consiga fazer, tem de “indicar” alguém que o possa fazer por si. Já os Verdes precisam que, “no caso de o doente não saber ou poder assinar o pedido expresso, aplicam-se as regras do reconhecimento de assinatura a rogo na presença de profissional legalmente competente, bem como do médico titular”.
Ao longo de todo o processo, o doente tem de ser questionado diversas vezes se mantém a sua vontade. O PAN ressalva ainda que este pedido não pode nunca ser sugerido pelo médico.

Como funciona o procedimento?

No projeto de lei do PS, BE e do PAN, o processo tem de passar por três médicos: o médico que recebe o pedido — que “pode ou não” ser médico de família ou especialista na doença –, o médico especialista na patologia do doente e um psiquiatra.
Todos os especialistas analisam os passos do médico anterior e têm de elaborar relatórios escritos, cujos conteúdos são informados ao doente. Se algum deles escrever um parecer desfavorável, o procedimento é interrompido. O PAN prevê ainda que o doente possa pedir “uma reavaliação” do parecer desfavorável e nova avaliação é feita por outro médico.
O médico que recebe o pedido tem de informar o doente sobre o problema de saúde de que padece, bem como de tratamentos a que pode recorrer, nomeadamente cuidados paliativos. Caso o desejo do doente seja livre e se mantenha, o processo segue para um médico especialista na área da patologia que analisa o pedido, nomeadamente “o diagnóstico e prognóstico” do doente, a “natureza incurável da doença ou a condição definitiva da lesão”. O PAN detalha que este especialista “examina o doente, nos mesmos moldes que o exame feito pelo médico assistente”.
No que toca ao médico psiquiatra, o PS e o BE referem que “é obrigatório” um parecer deste especialista caso um ou ambos os médicos anteriores “tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte” ou “admitam ser a pessoa portadora de perturbação psíquica que afete a sua capacidade de tomar decisões”. Já o PAN escreve que o doente “deve ser observado por um médico psiquiatra” de forma a “verificar se o doente se encontra mentalmente são ou se sofre de alguma doença do foro mental, que impeça ou condicione a decisão consciente” do pedido.
José Manuel Pureza é um dos responsáveis pelo projeto do BE
Depois de todo este processo, cabe ao médico que foi inicialmente consultado voltar a verificar se o doente mantém a sua vontade — no caso do PS, tal deve ser feito “imediatamente antes da administração ou autoadministração dos fármacos”. É este médico que também deve discutir com o doente “o seu pedido de eutanásia ou suicídio medicamente assistido”, sendo que o PAN prevê que isto aconteça no início do processo e o BE e o PS só no fim. A escolha cabe ao doente.
Nos projetos de lei do PS, BE e PAN, se o doente ficar inconsciente, o procedimento é interrompido a não ser que volte a ganhar consciência e mantiver a sua vontade. Os bloquistas, porém, fazem outra ressalva: “Se estiver disposto diversamente em Declaração Antecipada de Vontade constante do respetivo Testamento Vital”.

Em que locais pode ser feito?

O local onde o procedimento é feito varia consoante as propostas do projeto de lei. O PS refere que “o ato de antecipação da morte pode ser praticado no seu domicílio ou noutro local por ele indicado”. O PAN prevê que possa ser feito “em instalações públicas ou privadas onde sejam prestados serviços de saúde”, sendo que a escolha é do doente. O BE também menciona “estabelecimentos de saúde” públicos ou privados, mas acrescenta a possibilidade deste ser feito em casa do doente “ou noutro local por ele indicado”. Já os Verdes descartam a possibilidade deste ser feito em estabelecimentos privados.
Os projetos de lei falam ainda na necessidade de elaborar um “relatório final” ou uma “declaração oficial” após o óbito, com os vários documentos do processo e que será enviado às comissões que os diferentes partidos prevêem criar.
O projeto de lei dos Verdes é o mais diferente de todos, uma vez que envolve a direção do estabelecimento hospitalar do Serviço Nacional de Saúde onde o doente está a ser acompanhado. Cabe à direção, após o médico responsável pelo paciente entregar o pedido de morte assistida, “perguntar ao doente que familiares, ou outras pessoas, devem ser informadas do pedido realizado e proceder a esses contactos” e “solicitar um relatório ao médico”, onde esteja “o estado clínico” do paciente, se se encontra “em profundo estado de sofrimento por padecer de doença grave, incurável e sem expectável esperança de melhoria clínica”, entre outros.
O pedido do doente segue depois para a Comissão de Verificação, sendo que existirá uma comissão “por cada área de Administração Regional de Saúde” que irá avaliar se o documento “cumpre as condições, os critérios e os procedimentos legalmente exigidos, bem como para garantir a transparência e o rigor do processo, os direitos do doente e dos profissionais de saúde”.
Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista "Os Verdes"
Será a Comissão, após reunião para verificar a legalidade do pedido e do processo, a pedir um relatório a um médico psiquiatrareconhecido” para “atestar” que o doente não sofre “de doença mental ou psíquica” ou que não seja capaz de “compreender a sua situação e de tomar sozinho decisões”.
Esse relatório é depois enviado ao médico que recebeu o pedido do doente, “reunindo de seguida com este último”, sendo que a Comissão “pode pedir outros relatórios de avaliação médica da situação do doente”. Só depois do doente voltar “a reiterar expressamente o seu pedido” e tendo os relatórios sido favoráveis é que a Comissão poderá “deliberar favoravelmente” — isto se acha que todos os requisitos legais foram cumpridos.
Se achar que não foram cumpridos todos os requisitos, “informa desse facto o doente, o médico titular e a Direção do estabelecimento de saúde”, sendo que o doente pode recorrer da decisão. Caso decida favoravelmente, isso é comunicado às três entidades e, após nova “reiteração do pedido”, é marcado o procedimento, mas tal só poderá ser realizado num estabelecimento de saúde público. “É ao doente que compete escolher quem administra a substância letal (…)”, lê-se no projeto de lei dos Verdes.
Todos os projetos de lei prevêem que o doente pode, a qualquer momento do processo, revogar o seu pedido e que os médicos e outros profissionais de saúde têm direito a objeção de consciência.

Como serrá feito o controlo parlamentar e que mudanças haverá no Código Penal?

Registos e Comissões
Os projetos de lei do PS e BE falam num registo — um Registo Clínico Especial (RCE) no caso do PS e no caso do BE um Boletim de Registos —  onde constam “todas as informações clínicas relativas ao procedimento”, “pareceres e relatórios” dos profissionais de saúde que participem no processo e as decisões do doente tanto sobre “continuação ou revogação do processo” como “sobre o método de antecipação da morte”, entre outros.
Todos os projetos prevêem a criação de uma comissão que reporta, pelo menos, à Assembleia da República. O PS fala na criação da Comissão da Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte (CVA) que avalia o RCE e os pareceres do médicos e elabora um relatório sobre o procedimento. Caso se trate de um parecer desfavorável, o processo fica sem efeito. Caberá, contudo, à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) fiscalizar os procedimentos.
Maria Antónia Almeida Santos, um dos rostos do projeto do PS
A Comissão da Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte do BE “avalia a conformidade do procedimento clínico de antecipação da morte”, uma vez que “nenhum pedido de antecipação da morte poderá ser realizado” sem o parecer da Comissão, e “examina e avalia” os relatórios dos médicos, nomeadamente o Boletim de Registos.
O projeto de lei do PAN prevê a criação de uma Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei, que, entre outras funções, acompanha “a aplicação da lei no domínio ético, médico e jurídico” e analisar “todos os processos de morte medicamente assistida”.
Os Verdes prevêem que o Governo crie uma “Comissão de Avaliação” para “recolher dados estatísticos”, “aferir as práticas resultantes da aplicação da lei ou sugerir alterações legislativas”.
Alterações ao Código Penal
Todos os projetos de lei prevêem alterações aos artigos 134º(“Homicídio a pedido da vítima”) e 135º (“Incitamento ou ajuda ao suicídio”) do Código Penal de forma a não punir os médicos que procedam a uma antecipação da morte.
Os Verdes, contudo, acrescentam o artigo 139.º (Propaganda do suicídio): “Não é punido o médico ou enfermeiro que, não incitando nem fazendo propaganda, apenas preste informação, a pedido expresso de outra pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido (…)”.

O que vai acontecer no dia da votação?

No dia 29 de maio vão ser votados os quatros projetos de lei referente à morte medicamente assistida. A votação será nominal, isto é cada deputado vota por si.
Os diplomas podem ser aprovados por votação e baixar depois à especialidade, ou chumbados. Mas há ainda um terceiro cenário: baixarem à especialidade sem votação.
Depois da especialidade, voltam ao plenário para uma votação final. Antes de entrar em vigor, ficam a faltar apenas dois passos: a promulgação do Presidente do República (que pode ser difícil, a julgar pelas últimas declarações de Marcelo) e a publicação em Diário da República.

Como se posicionam os partidos?

Apesar de se esperar uma posição favorável dos partidos que apresentaram os projetos de lei, nada garante os votos a favor de todos os deputados socialistas. O PS dá liberdade de voto em todas as matérias, exceto em questões ligadas com o Orçamento de Estado, portanto pode haver quem voto contra a proposta do seu próprio partido.
O CDS é contra. Nas jornadas parlamentares, a líder do partido argumentou que o Serviço Nacional de Saúde irá servir para “executar a morte”, algo que Assunção Cristas não acha “admissível”.
O PSD já anunciou que irá dar liberdade de voto nesta questão. O presidente do partido justificou esta posição por considerar que se trata de um assunto “que não é político”, mas é antes “um tema de convicção pessoal”. O próprio Rui Rio é favorável à morte medicamente assistida e assinou o documento que deu origem à petição inicial que gerou este processo.
Já o PCP adiantou que iria votar contra os quatro projetos de lei. “Inscrever na Lei o direito a matar ou a matar-se não é um sinal de progresso mas um passo no sentido do retrocesso civilizacional, com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas que questionam elementos centrais de uma sociedade que se guie por valores humanistas e solidários”, lê-se no comunicado do partido, divulgado esta quinta-feira.

Aprovação ou chumbo: está alguma coisa garantida?

Nada está garantido e todos os votos contam, em particular os dos deputados do PSD. Mas as contas são complexas.
Num total de 230 deputados no Parlamento, os votos de PS, Bloco de Esquerda, Verdes e PAN combinados dão 108 — isto assumindo que todos os deputados socialistas votem a favor do projeto de lei apresentado pelo própria bancada parlamentar. Até agora, apenas Ascenso Simões anunciou que ia votar contra, mas é provável que existam mais votos desalinhados.
No CDS (18 deputados) e no PCP (15) o chumbo é certo. Ou seja, num cenário absolutamente ideal PS, Bloco, Verdes e PAN têm já garantidos 107 deputados. Precisam pelo menos de mais 9 deputados para assegurarem a maioria. E é aí que entra a bancada social-democrata: em teoria, há pelo menos 7 deputados do PSD dispostos a votar a favor da legalização da eutanásia, como a ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz ou a líder da JSD Margarida Balseiro Lopes. As contas mais otimistas que se vão fazendo nos corredores do Parlamento admitem que este número pode chegar aos 1o ou 12 deputados, sendo que a maioria da bancada é frontalmente contra.
O desfecho desta votação depende, por isso, do equilíbrio difícil entre os desalinhados do PS e a minoria do PSD. Os últimos cenários, no entanto, apontam para o “não”, sabe o Observador: 116 deputadosdeverão chumbar a legalização da eutanásia, contra 114 deputadosque votam a favor.

Os barões do PSD estão contra, Rio está a favor. E Marcelo?

Com a bancada social-democrata a ser a chave para desbloquear a votação sobre a eutanásia, têm sido muitas as manifestações vindas daquele espectro político.
Cavaco Silva foi um dos mais veementes na defesa do “não”, chegando mesmo a admitir que votaria noutro partido nas legislativas de 2019 se o PSD votasse a favor da eutanásia.
Num artigo de opinião publicado no Observador, Pedro Passos Coelho juntou-se às vozes que pedem o “chumbo” dos projetos de lei, criticando a “precipitação” com que está a ser gerido todo o processo.
Ainda no sábado, também Paulo Rangel se manifestou contra aquilo que diz ser um “triste passo de regressão civilizacional”. Antes, já Pedro Santana Lopes tinha anunciado a sua posição de princípio: pela defesa da luta pela vida; contra a eutanásia.
No espectro oposto está Rui Rio. O líder do PSD deu liberdade de voto ao partido nesta matéria, mas foi claro na sua posição: “É um imperativo do Estado despenalizar a eutanásia”. Rio juntou mesmo o seu testemunho ao livro organizado por João Semedo, do Bloco de Esquerda, ‘Morrer com dignidade – a decisão de cada um’.
E Marcelo Rebelo de Sousa? A posição pessoal do Presidente da República é sobejamente conhecida e vai no sentido oposto ao da despenalização da eutanásia. De acordo com o Expresso, Marcelo está a “torcer” para que os projetos de lei não sejam aprovados no Parlamento e, sendo aprovados por uma maioria escassa, o Presidente da República deverá vetar o diploma.

O que existe agora em Portugal?

A eutanásia e o suicídio assistido são ilegais em Portugal e podem ser punidos pelos artigos 134º (“Homicídio a pedido da vítima”) e 135º (“Incitamento ou ajuda ao suicídio”) do Código Penal.
“São conceitos que não existem e se existirem, são à margem da lei”, explica o bastonário da Ordem dos Médicos.
O que se pratica em Portugal é eutanásia passiva, o que significa “não praticar a distanásia”. “Quando se fala em eutanásia, estamos de falar de eutanásia ativa. A eutanásia passiva é não praticar distanásia, isto é, prolongar determinado tipo de tratamento que já não está a ser eficaz. Há um momento em que sabemos que não faz sentido continuar um tipo de tratamento [naquele doente] e temos obrigação de oferecer o máximo de qualidade de vida e deixá-lo morrer.”
"A eutanásia passiva é não praticar distanásia, isto é, prolongar determinado tipo de tratamento que já não está a ser eficaz."
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos
O médico António Maia Gonçalves, no seu livro ‘Reanimar? Histórias de bioética em cuidados intensivos’, explica precisamente a diferença entre eutanásia passiva e eutanásia ativa — aquilo que será debatido no Parlamento.
“A eutanásia passiva, e voluntária, consiste em respeitar a vontade do doente quando este pede explicitamente que o deixem morrer. A eutanásia passiva, e involuntária, significa suspender a terapêutica, por esta configurar obstinação ou encarniçamento terapêutico. Estas duas formas de eutanásia passiva constituem boa prática médica e estão regulamentadas no código deontológico. (…) As eutanásias ativas, voluntárias ou involuntárias, ou seja, matar por compaixão ou ajudar a morrer a pedido do doente, configuram práticas criminosas, puníveis por lei.
“Não devemos, de facto, fazer tratamentos desnecessários que já não vão alterar o curso de uma determinada doença e fazer tratamentos que proporcionem qualidade à pessoa”, acrescenta Miguel Guimarães.

Como é a legislação noutros países?

A Holanda foi o primeiro país da Europa a despenalizar a morte medicamente assistida. A partir de abril de 2002 passou a ser legal tanto a eutanásia como o suicídio medicamente assistido para alguém que esteja num sofrimento insustentável e irremediável e cujo pedido seja feito de livre vontade e em “plena consciência” pelo próprio. O sofrimento do doente não tem de ser físico nem te de estar diretamente relacionado com uma doença terminal, lê-se na BBC. Ainda assim, é necessário apresentar as várias alternativas que os deoentes têm e consultar um outro especialista. Cada caso tem de ser reportado pelo médico a um médico patologista municipal e à Comissão de Controlo da Eutanásia.
A morte medicamente assistida na Holanda é permitida a partir dos 12 anos, mas requer o consentimento dos pais ou representantes legais. Já os pacientes entre os 16 e os 18 anos podem pedir a eutanásia ou o suicídio assistido sem precisar da autorização dos pais, ainda que estes sejam consultados.
A morte medicamente assistida foi autorizada na Holanda e na Bélgica em 2002, tanto a adultos como a menores
A Bélgica também despenalizou a eutanásia em 2002, ainda que pouco mais de um mês depois da Holanda. Ainda que a legislação belga apenas se refira à eutanásia, a verdade é que não é feita uma distinção entre os dois conceitos, morte assistida e eutanásia.
A lei belga refere que o pedido tem de ser feito por escrito e de forma “voluntária, refletida e repetida” por um doente que esteja num constante e insuportável sofrimento, seja ele físico ou psicológico, e que “não possa ser aliviado”. O médico tem de informar a pessoa das “alternativas”, tem de estar “certo do sofrimento constante do paciente” e tem de consultar um outro especialista. A eutanásia pode ser aplicada a pessoas que estejam em coma ou num estado vegetativo desde que, antes de estarem numa situação “em que não consigam expressar a sua vontade”, tenham deixado diretivas nesse sentido. A eutanásia passou a ser permitida a menores de idade a partir de 2014, mas os pais têm de concordar com a decisão da criança.
A Suíça não permite a eutanásia, tanto que o Código Penal prevê uma pena de três anos para o crime de “homicídio a pedido da vítima”. No entanto, autoriza o suicídio assistido se a pessoa que ajudar o fizer por razões altruístas, ou seja, o motivo não pode ser egoísta. “A pessoa que, por motivos egoístas, incitar alguém a cometer suicídio ou assistir essa pessoa em fazer tal coisa será, se o suicídio for levado a cabo ou se for uma tentativa, sentenciada a uma pena de prisão até cinco anos”, lê-se no artigo 115 do Código Penal. De ressalvar ainda que a lei não faz referência à pessoa que ajuda no ato, isto é, pode ou não ser um médico.
O Luxemburgo, por sua vez, permite a eutanásia e o suicídio assistido desde 2009. Segundo o site do Governo luxemburguês, uma pessoa maior de idade com uma situação médica sem possibilidade de melhorias estando num sofrimento físico ou psicológico constante e insuportável pode fazer um pedido, desde que este seja voluntário. O doente tem de estar consciente no momento do pedido.
Nos Estados Unidos, o suicídio assistido é permitido nos estados de Oregon (desde 1997), Washington, Vermont, Califórnia, Montana, Havai e Colorado e no Distrito de Columbia (desde março de 2018).
A eutanásia e o suicídio medicamente assistido são permitidos no Canadá desde 2016 — na província do Quebec eram permitidos desde 2014. À semelhança do Luxemburgo, estes tipos de morte medicamente assistida só estão acessíveis a pessoas maiores de idade, que estejam num sofrimento insustentável seja a nível físico ou psicológico e que não possa ser aliviado “sob condições consideráveis aceitáveis”, lê-se no sitedo Governo canadiano.
O pedido tem de ser feito por escrito perante duas testemunhas independentes e o doente tem de ser avaliado por dois médicos ou enfermeiros. É necessário esperar pelo menos dez dias entre o pedido e a morte medicamente assistida, um período que é reduzido caso o doente esteja para morrer brevemente, ou prestes a perder a capacidade de dar um consentimento informado.
O estado de Victoria, na Austrália, legalizou a eutanásia no final do ano passado.

Os casos mais polémicos

Ramón Sampedro
Faz este ano 20 anos que Ramón Sampedro decidiu morrer. Tornou-se um dos rostos mais conhecidos da legalização da eutanásia e do suicídio assistido, muito graças ao filme espanhol “Mar Adentro” (2004) protagonizado por Javier Bardem e que arrecadou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro.
O galego e antigo marinheiro estava preso a uma cama desde os 25 anos, depois de um mergulho no mar o ter deixado tetraplégico. Segundo o jornal La Vanguardia, foi o primeiro cidadão a pedir a eutanásia e o suicídio assistido em Espanha e durante toda a vida lutou pela despenalização da morte assistida, mas sem sucesso: o “direito de morrer”, como dizia, nunca lhe foi concedido.
“O direito de nascer parte de uma verdade: o direito de prazer. O direito de morrer parte de outra verdade: o desejo de não sofrer. A razão ética põe o bem ou o mal em cada um dos atos. Um filho concebido contra a vontade de uma mulher é crime. Uma morte contra a vontade de uma pessoa também. Mas um filho desejado e concebido por amor é, obviamente, um bem. Uma morte desejada de uma dor irremediável também”, escreveu Sampedro.
Sendo-lhe impossível cometer suicídio sem envolver terceiros, orquestrou de tal forma a sua morte que nenhum dos 11 envolvidos foi julgado, em particular Ramona Maneiro, que lhe colocou o cianeto num copo de água, no dia 12 de janeiro de 1998 e cujo líquido Sampedro ingeriu através de uma palhinha.
“Como podem ver, ao meu lado tenho um copo de água que contém uma dose de cianeto de potássio. Quando a beber, terei deixado de existir, renunciando ao meu bem mais precioso: o meu corpo. Considero que viver é um direito, não uma obrigação. Fui obrigado a suportar esta penosa situação durante 28 anos, quatro meses e alguns dias. Passado este tempo, faço um balanço do caminho percorrido e não vejo felicidade”, afirmou o galego, momentos antes de morrer, um momento que foi filmado e retratado no filme. Tinha 55 anos.
"Fui obrigado a suportar esta penosa situação durante 28 anos, quatro meses e alguns dias. Passado este tempo, faço um balanço do caminho percorrido e não vejo felicidade”
Ramón Sampedro
Quando o crime prescreveu, em 2005, Ramona Maneiro contou num programa de televisão como tudo se tinha passado. Nesse mesmo ano, publicou um livro onde conta em maior detalhe a sua relação com Ramón Sampedro e o que se passou a 12 de janeiro de 1998.
David Goodall
Aos 104 anos, David Goodall deslocou-se de propósito da Austrália, onde vivia, até à Suíça para poder usufruir do suicídio assistido numa clínica.
“A minha vida tem sido bastante má no último ano e estou muito feliz por terminá-la”, afirmou o ecologista e botânico, nascido em Londres, à BBC. “Toda a publicidade que isto tem recebido só pode, acho eu, ajudar à causa da eutanásia para os mais velhos, que é o que eu quero.”
David não tinha nenhuma doença terminal e por isso teve de viajar até à Suíça, uma vez que o estado de Victoria — o único local na Austrália que permite a eutanásia — só a concede a pessoa que tenham uma doença terminal. “Eu adorava ter capacidade de ainda ir para o mato outra vez e ver tudo que está à minha volta”, disse à CNN. Algo que já não conseguia fazer porque perdera a mobilidade e a visão.
“Já não quero continuar a viver”, disse numa conferência de imprensa, na véspera da sua morte.
O cientista morreu numa clínica em Basileia, a 10 de maio de 2018. Não quis que houvesse funeral e pediu que o seu corpo fosse doado à ciência, ou que as suas cinzas fossem espalhadas localmente.
“Na verdade, as suas últimas palavras foram ‘Isto está a demorar imenso tempo!”, afirmou Philip Nitschke, fundador de um grupo que ajudou David Goodall, referindo-se a todo o processo burocrático pelo qual teve de passar.
A primeira menor
Em setembro de 2016 foi eutanasiada uma criança na Bélgica. Foi o primeiro caso de eutanásia praticado numa menor desde que a lei foi estendida a menores, em 2014.
Não se chegou a saber a identidade nem a idade da criança, apenas que sofria de uma doença terminal. O presidente da comissão federal de controlo e de avaliação da eutanásia garantiu, contudo, que se tratou de um caso excecional.
“Felizmente há muito poucas crianças a considerar a possibilidade da eutanásia, mas isso não significa que lhes devamos recusar o direito a uma morte digna”, afirmou, na altura, Wim Distelmans.
Brittany Maynard
O anúncio de Brittany Maynard, em 2014, chocou o mundo: aos 29 anos, decidiu que queria morrer. E até já tinha a data marcada: 1 de novembro.
À norte-americana de 29 anos foi diagnosticado um glioblastoma multiforme de nível 4, um tumor cerebral terminal e os médicos deram-lhe seis meses de vida. O vídeo onde explicava o seu problema e a sua decisão correu mundo e tornou-se um dos rostos da defesa a morte assistida nos Estados Unidos.
“O meu glioblastoma vai matar-me e isso está fora do meu controlo. Falei com muitos especialistas sobre como ia morrer disso e é uma forma terrível, terrível de morrer. Escolher morrer com dignidade é menos assustador”, disse Brittany.
O seu desejo de morrer sem dores levou-a a mudar-se da Califórnia para o Oregon, um dos estados que permite o suicídio assistido — na altura, a morte assistida era ilegal na Califórnia. E apesar de ter optado por não fazer tratamento e com a sua saúde a deteriorar-se, a norte-americana aproveitou o tempo que lhe restava para viajar.
Acabou por morrer no dia que tinha marcado e da forma que tinha imaginado: em casa, junto do marido, da mãe, do padrasto e de amigos.
No Facebook, deixou uma última mensagem: “Adeus aos meus queridos amigos e família que eu amo. Este é o dia em que decidi morrer com dignidade, face à minha doença terminal, este cancro cerebral terrível, que já me tirou tanto… Mas que me tiraria ainda mais.”



























































































































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