01 Maio 2018
Os investigadores do caso EDP querem fazer perguntas a Manuel Pinho. Os deputados querem fazer perguntas a Manuel Pinho. E os jornalistas querem fazer perguntas a Manuel Pinho. Há cinco essenciais.
Manuel Pinho já foi apanhado em contradições: disse que cortou toda e qualquer ligação com o BES enquanto exerceu funções de ministro de José Sócrates quando, afinal, durante todo esse tempo, continuou a receber nas suas contas sediadas em paraísos fiscais transferências mensais vindas do famoso ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo (GES). O Ministério Público tem uma estimativa de quanto recebeu o ex-ministro. Mas será que já se conhece o bolo todo? E os pagamentos teriam, de facto, uma contrapartida?
O Bloco de Esquerda já disse que quer ouvir o ex-ministro da Economia no Parlamento e mostrou que não está disponível para esperar pelos tempos da Justiça (que também lhe quer fazer perguntas) — vai, por isso, propor a criação de uma comissão de inquérito parlamentar. O PS valida esse modelo, tal como o CDS e o PCP parecem estar disponíveis para avançar nesse sentido; já o PSD não parece rever-se no modelo.
A ideia dos bloquistas era forçar a presença do ex-ministro sem ter de esperar por uma audição do Ministério Público. A presença de Pinho está garantida — o advogado, Ricardo Sá Fernandes, repete que “há disponibilidade” para ir ao Parlamento (o que, aliás, terá caráter obrigatório, se a comissão de inquérito for aprovada) — e até há abertura para falar. Mas apenas daquilo que não esteja relacionado com o chamado caso EDP, em que o ex-ministro foi constituído arguido. “A minha posição, enquanto advogado, é a de que [o ex-ministro] tem direito a permanecer em silêncio e, enquanto não for ouvido [pelo Ministério Público], a não prestar declarações”, diz ao Observador Sá Fernandes. Pinho ficará, por isso, em silêncio.
A proposta para a constituição da comissão de inquérito é formalizada pelos bloquistas esta próxima quarta-feira, mas o Observador antecipa alguns dos pontos sensíveis com que Manuel Pinho deverá ser confrontado.
14.963,94 euros todos os meses. Que dinheiro é este?
Os primeiros registos de transferências de dinheiro para contas detidas por Manuel Pinho que constam dos autos do caso EDP remontam a julho de 2002. Desde esse momento, e pelo menos até o ex-ministro sair do Governo, em 2009, caíam todos os meses nas sociedades offshore de Pinho quase 15 mil euros.
Manuel Pinho foi administrador executivo do Banco Espírito Santo (BES) entre 1994 e março de 2005. Próximo de Ricardo Salgado e membro da Comissão Executiva do BES, Pinho era igualmente administrador de outras sociedades do GES até tomar posse como ministro da Economia do Governo de José Sócrates. “Em 10 de Março de 2005, cessei a minha relação profissional com o BES/GES, uma vez que aceitei o convite para integrar o XVII Governo Constitucional”. Palavras do próprio ex-ministro em declarações ao Observador em janeiro deste ano. Então, de que dinheiro se tratava? Uma vez que Pinho cessou a relação profissional que mantinha com a instituição quando chegou ao Ministério da Economia, qual o motivo para continuar a receber pontualmente dinheiro de uma entidade do GES, então dirigido por Ricardo Salgado? Um acerto salarial? Uma compensação acordada com o banqueiro?
Daquilo que se conhece do chamado caso EDP — no âmbito do qual o ex-ministro foi constituído arguido, e que se cruza com a Operação Marquês e com o Universo Espírito Santo pelas informações que os procuradores que investigam o caso foram recolher aqueles dois processos —, Manuel Pinho recebeu cerca de 2,1 milhões de euros em contas bancárias na Suíça abertas em nome de duas sociedades offshore das quais será o beneficiário juntamente com a sua mulher.
Primeiro através da Masete II e, mais tarde, já como ministro, da Tartaruga Foundation, o ex-ministro recebeu aquelas verbas. Só no período em que exerceu funções públicas, Manuel Pinho recebeu 793 mil euros de entidades ligadas ao Grupo Espírito Santo.
Quanto é que recebeu? Mesmo?
Uma coisa é a informação que já foi tornada pública — ou seja, que o ex-ministro da Economia recebeu quase um milhão de euros enquanto estava no Governo. Outra, é a verdadeira dimensão deste caso.
Os deputados poderão confrontar o ex-ministro com pedidos de esclarecimento sobre o bolo total de pagamentos do GES de que Pinho beneficiou enquanto esteve no Governo. Num primeiro momento, o Observador deu conta de que Pinho tinha recebido um milhão de euros nas suas offshores, entre 2006 e 2012 e que metade desse valor lhe foi pago já enquanto governante.
Mais tarde, a revista Visão veio acrescentar novos dados. Os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal responsáveis pelo chamado caso EDP tinham alargado o universo temporal da investigação e chegaram ao valor atual de dois milhões de euros. Valores pagos “por ordem de Ricardo Salgado” ao “aqui arguido, ex-ministro da Economia, Manuel Pinho”, defende o Ministério Público.
Entre esses valores estão 315 mil euros que entraram na conta pessoal de Manuel Pinho no Banque Privée Espírito Santo, o banco suíço do GES, entre 2013 e 2014 — já depois do episódio do gesto taurino que fez na direção do deputado Bernardino Soares no Parlamento e que o levou a forçou as suas funções no Governo e quando já estava de regresso ao GES. Pinho era o vice-presidente da subholdingdo BES África.
Há registo de verbas recebidas em três das quatro offshoresconhecidas pelo Ministério Público até ao momento. E os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto já começaram a traçar ligações entre o dinheiro entrado e os investimentos feitos através das contas na Suíça. Por exemplo, os magistrados acreditam que parte do dinheiro terá servido para Manuel Pinho comprar um apartamento em Nova Iorque por 1.242.265 milhões de euros. Este valor, dizem no despacho de 11 de abril que o Observador noticiou uma semana mais tarde, “coincide, grosso modo, ao preço do apartamento comprado por Manuel Pinho, em Nova Iorque, através da sua sociedade Blackwade que controla a (à data, também sua) Tartaruga Foundation”.
Questões fundamentais: quanto dinheiro recebeu do GES? E quanto desse dinheiro foi pago enquanto esteve no Governo? E por que razão, já depois de assumir funções, foi alterada a conta onde eram feitos os pagamentos?
Qual foi a moeda de troca?
O Ministério Público tem uma tese: as verbas recebidas por Manuel Pinho foram o pagamento para o ex-ministro “beneficiar esses grupos empresariais [Banco Espírito Santo/Grupo Espírito Santo] e a EDP (do qual o BES era acionista) durante o tempo em que exerceu tais funções públicas” no Governo de José Sócrates.
Há duas fases distintas neste processo no que diz respeito às alegadas contrapartidas. Numa primeira, o ex-ministro terá tido como alegada contrapartida para conceder benefícios alegadamente ilícitos à EDP a contratação como professor pela Universidade de Columbia. Está em causa um patrocínio de cerca de 1 milhão de euros que a EDP deu a essa instituição de ensino superior norte-americana para a criação de conteúdos educativos na área da energia renovável. Pinho seria convidado para lecionar uma cadeira nessa área, tendo recebido um pouco mais de 130 mil euros de remuneração.
Num segundo momento, de acordo com o Ministério Público, Pinho recebeu pagamentos do chamado “saco azul do GES” para tomar decisões que o Observador desenvolveu aqui a pretexto dos benefícios alegadamente ilícitos de 1,2 mil milhões de euros que concedeu à EDP.
Mas em que momentos a empresa foi beneficiada? O MP acredita que a transformação de 32 contratos de aquisição de energia (CAE), celebrados em 1996 entre a Companhia Portuguesa de Produção de Eletricidade (posição herdada pela EDP) e a REN sobre 27 centrais hidroelétricas (barragens) e 5 centrais térmicas, em contratos com o regime de Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), por um lado, e o processo de extensão da concessão do Domínio Público Hídrico (DPH) pelas 27 barragens desde o fim da vigência dos CAE até ao fim da vida útil dessas barragens, são incontornáveis.
Os procuradores consideram que Manuel Pinho assinou pelo próprio punho — e ignorando pareceres dos próprios serviços que iam em sentido contrário — diplomas que valeram benefícios de 1,2 mil milhões de euros concedidos à elétrica. Benefícios que terão sido garantidos quando o BES chegou a ter 3% do capital social da EDP. Ou seja, enquanto foi acionista da empresa de energia, o GES (de que o BES fazia parte) também beneficiou com as decisões do ministro, seu ex (e futuro) quadro.
Quantas offshores tem em seu poder?
A questão está relacionada com a necessidade de saber quanto recebeu, afinal, Manuel Pinho do GES enquanto desempenhou funções públicas.
Primeiro, havia informação de duas sociedades situadas nas Ilhas Virgens e que eram tituladas por Manuel Pinho. Depois, surgiu uma terceira sociedade. Agora, já são quatro: Tartaruga Foundation, Blackwade Holding Limited, Mandalay Asset Corporation e a Masete II.
Haverá mais sociedades constituídas em paraísos fiscais? Quantas? E que verbas vindas do universo GES entraram nas contas do ex-ministro? E há outras questões que decorrem do facto de Manuel Pinho ter várias offshores em seu nome.
Há sociedades no nome de familiares seus, como era prática de outros altos quadros do GES? Ou recebeu fundos do GES através de familiares, como Miguel Frasquilho e outros quadro do GES fizeram, como Observador revelou aqui e aqui?
Três questões derradeiras sobre este ponto: considera normal ter, já como ministro, recebido pagamentos através de sociedades sediadas em paraísos fiscais? Não estranhou que esses pagamentos fossem feitos por uma sociedade que nem sequer fazia parte do organograma do Grupo Espírito Santo, como era o caso da Espírito Santo Enterprises (o chamado saco azul do GES, que serviu para fazer pagamentos fora do radar a membros da família e, mais tarde, a administradores do grupo)? E o facto de receber pagamentos de entidades ligadas ao universo BES, que por sua vez eram acionistas da EDP, limitava-o nas suas decisões sobre processos relacionados com esta empresa ou, até, com este setor?
Antes e depois do Governo. Manuel Pinho e o universo GES
Manuel Pinho foi administrador executivo de instituições integrantes do GES até ter sido convidado a integrar o Governo de José Sócrates. Os pagamentos, já vimos, não cessaram com o assumir de funções. E a ligação com o grupo também não terminou com a passagem pelo Governo.
O convite pós-passagem pelo Governo ficou a dever-se, segundo Ricardo Salgado, a divergências na interpretação das condições apresentadas por Manuel Pinho para aceitar o convite de José Sócrates para integrar o executivo liderado pelo ex-primeiro-ministro socialista.
Em 2016, o Correio da Manhã escreveu que Pinho tinha exigido ao antigo BES uma autorização para que pudesse receber uma reforma antecipada aos 55 anos. Se tivesse luz verde, aceitava o convite de Sócrates e saía do banco sem pedir licença sem vencimento.
“O acordo estabelecido em 2004, que foi aliás reafirmado ou renovado, quanto às condições de reforma antecipada, em 2005 (e a confiança por mim depositada no seu cumprimento), foi, naturalmente, condição sinequa non para poder aceitar o cargo de ministro e para não solicitar ao banco, nessa ocasião, uma licença sem vencimento”, referia Pinho numa carta enviada a Ricardo Salgado. Ou seja, Pinho acreditava que o acordo era claro. O banco via o caso de forma diferente.
“O BES nunca reconheceu” ao seu ex-quadro (e futuro) quadro “o direito à reforma antecipada nos termos por ele reclamados, não apenas porque o regulamento de pensões do BES não permitia o exercício do direito nesses termos, mas também porque o referido acordo, a ter sido celebrado sempre seria nulo por violar a competência exclusiva atribuída à Assembleia-Geral do BES em matéria de pensões”, refere a contestação ao documento enviado pelo ex-ministro.
Em suma, o GES considerou que devia compensar Manuel Pinho pelo diferendo e convidou-o para reintegrar a instituição. Por isso, depois da passagem pelo Governo, Pinho foi convidado para “participar num projecto de reorganização das participações sociais detidas pelo BES através da BES África”. Foram essas as funções assumidas entre 2010 e 2014.
A questão é só uma — e à qual Manuel Pinho nunca respondeu: por que razão voltou ao GES depois de deixar o Governo?
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