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domingo, 6 de maio de 2018

Ladrões de Bicicletas


Descobrimentos e Encobrimentos

Posted: 05 May 2018 05:46 PM PDT

«Existe uma diferença radical entre descobrir uma coisa e descobrir um ser humano: descobrir um ser humano implica reciprocidade. Quem descobre é descoberto. Se por qualquer razão esta reciprocidade é negada ou ocultada, o acto de descobrir, sem deixar de o ser, torna-se simultaneamente um acto de encobrir. A negação ou ocultação da reciprocidade assenta sempre no poder de negar ou ocultar a humanidade de quem é descoberto. Só assim é possível descobrir sem se descobrir, pôr a nu sem se pôr a nu, identificar sem se identificar, encontrar sem se encontrar, ver sem se ver. A modernidade é uma vasta teia de reciprocidades negadas: entre o sujeito e o objecto, entre a natureza e o homem, entre o civilizado e o selvagem, entre o sagrado e o profano, entre o indivíduo e o Estado, entre o patrão e o operário, entre o homem e a mulher, entre jovens e velhos. Os descobrimentos de Quinhentos são como que a metáfora fundadora da negação moderna de reciprocidade. São, pois, tão decisivos como descobrimentos quanto como encobrimentos.»
Boaventura de Sousa Santos, Descobrimentos e Encobrimentos
«Além de ser incompleta, a palavra Descobertas pode ainda fazer recair sobre nós, portugueses, a suspeita de querermos apagar da memória e do registo público aspetos menos positivos da nossa história, insistindo numa palavra que serviu esse propósito quando uma forma nacionalista de enaltecimento coletivo era considerada legítima. Não é esse, felizmente, o programa da Câmara Municipal de Lisboa, o que torna ainda mais importante procurar outro nome. (...) Com a palavra Descobertas estaríamos a ignorar que, além da CPLP, vivem em Portugal muitos portugueses (e pessoas que, não sendo legalmente portuguesas, nasceram em Portugal, falam o português e nunca conheceram outro país) que dificilmente se identificariam com ela. Quando se afirma a necessidade de considerar o “ponto de vista de todos os envolvidos” fala-se não só dos não-europeus (...), mas também de muitos portugueses do presente. De afrodescendentes, de descendentes de asiáticos e de americanos, dos que vieram de outros continentes para Portugal, fazendo do país o que ele hoje é.»
Cristina Nogueira da Silva, O museu da expansão portuguesa deve chamar-se dos descobrimentos?
«A carta em causa é um documento sensato e fundamentado, subscrito por um leque abrangente de académicos de universidades e quadrantes diversos, nacionais e internacionais, que faz eco das reticências que o termo “Descobrimentos” suscita – há muito – entre historiadores e cientistas sociais. É uma espécie de ground zero, de mínimo denominador comum, de ponto de partida sobre o qual estamos todos razoavelmente de acordo. (...) A exclusão do nome “das Descobertas” no futuro museu de Lisboa é um passo, ainda muito inicial e precoce. E a ver pelas reações alucinadas na fase do “como não se deve chamar”, não se anuncia pacífica a etapa do “como se vai chamar” e, muito menos, a do “o que terá lá dentro”. Para recomendar e atestar escolhas e opções, bastaria uma pequena equipa de biólogos, químicos, astrónomos, se fosse outro o campo. Como é o da História, a tal dos “descobrimentos” “ultramarinos”, “coloniais” ou do “império”, valerá a pena sequer obter uma validação científica?»
Paulo Jorge de Sousa Pinto, Voando sobre um ninho de corvos
«Um museu sobre a Expansão é ou não um museu a mais? Não só creio que não é, como acho que viria num momento certo. Precisamos de um sítio onde, em duas a três horas, o visitante fique com uma ideia global, rica e rigorosa, do que era esse mundo que os portugueses tocaram, de que modo o tocaram e com que consequências. Para mais, muitos dos que passam por Lisboa têm também a ver com essa expansão e gostarão de saber de que modo as viagens dos portugueses afetaram a vida e o destino das suas comunidades. Também os lisboetas e os portugueses sabem muito pouco da Expansão portuguesa e do seu impacto na história do mundo. (...) Para um museu destes, do que se precisa mais é de um bom guião, de uma narrativa inventiva e atual, não de muitas peças. (...) Quanto ao nome, o importante é que não se comece logo a enviesar o projeto, com palavras que o ‘fecham”, em vez de o manter bem aberto a todos. De resto, só faltava que se optasse pelo crioulo francês “descobertas”...»
António Hespanha (facebook)

Um jornal com garantias

Posted: 05 May 2018 02:18 PM PDT


Os incentivos fiscais oferecidos a uns poucos têm sempre o reverso da medalha: lesam todos os outros no volume de impostos total que poderia ser recolhido e distribuído. Se os neoliberais tanto insistem nos «incentivos» é porque eles são formas extremamente eficazes de substituir políticas universais e igualitárias por benefícios de classe (sempre apresentados como beneficiando todos), de corroer serviços públicos (subfinanciados, elitizados) e de não impor a efectivação de direitos fundamentais, campo que fica então entregue à exploração, à mercadorização e à financeirização. O problema é que, depois de décadas de colonização neoliberal das mentes, mesmo os que afirmam opor-se a este projecto caem nesta armadilha. Como se não houvesse outra caixa de ferramentas onde ir buscar instrumentos melhores para resolver problemas (…) O quadro mental dos incentivos que tem sido disseminado pelo neoliberalismo não tem instrumentos apropriados à efectivação de direitos fundamentais. É tempo de o substituir por instrumentos que defendam a provisão pública, pensem a socialização e visem a igualdade. É assim que se garantem direitos.

Sandra Monteiro, Direitos, não incentivos, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Maio de 2017.

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