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quarta-feira, 23 de maio de 2018

Las Casas de Papel

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por Sérgio Barreto Costa

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A política ibérica foi dominada esta semana pela “questão da habitação”, um tema tão importante que até Friedrich Engels lhe dedicou um livro*. Com a originalidade do costume, a revolução e a expropriação dos proprietários são apresentadas, nesse texto oitocentista, como as respostas acertadas à “questão”. Felizmente, 150 anos depois, as transacções imobiliárias burguesas já se generalizaram na fase da hipocrisia, o que representa – e não estou a ser irónico – um notável avanço civilizacional. E é por isso que pudemos tomar conhecimento de duas notícias engraçadas: que Pablo Iglesias, crítico feroz e violento da “casta” dos privilegiados, comprou uma casa com piscina de 600 mil euros; e que António Costa, crítico da “especulação imobiliária” que provoca “dramas sociais”, anda entretido a ganhar dinheiro com a compra e venda de imóveis em Lisboa. John Doe, o pregador assassino do filme Seven que afirmava orgulhosamente ser seu desejo conseguir virar cada pecado contra o respectivo pecador, ficaria deliciado com estes ricochetes da demagogia. Talvez uma acção de formação com aborígenes australianos tivesse sido útil para lhes explicar os perigos do efeito boomerang na gestão política do quotidiano. Fica a dica para os responsáveis dos Programas 2020.

Claro que, na análise dos próprios, não há aqui qualquer incongruência. Como dizia Sartre, o inferno são os outros, e a mais-valia imobiliária é o oposto da pimenta: é desagradável em terceiros, mas quando é connosco é refresco.

Ainda no âmbito das comparações cinematográficas, há uma outra possibilidade que podemos considerar. Charlie Chaplin, num daqueles momentos de génio, contou-nos, através de imagens que fazem rir e chorar ao mesmo tempo, a história da comovente “parceria comercial” entre um pobre vagabundo e uma criança que tinha sido abandonada. O petiz, dando mostras da sua pontaria, ia atirando pedras às vidraças, sendo estas de seguida oportunamente substituídas pelo seu pai adoptivo. Tal como ensinam os gurus do marketing, o importante é criar a necessidade. Talvez Iglesias e Costa estejam apenas a imitar a arte de Chaplin, alimentando a “casta” e a “especulação” que depois irão combater. Mas, sendo assim, exige-se no mínimo que coloquem o chapéu de coco e o bigodinho. É que, sem os elementos cómicos, nada resta nos filmes do mestre britânico a não ser tragédia.

* para quem não o conhece, deixo aqui uma dica importante: Engels, nascido em 1820, é o Buzz Aldrin do Comunismo. Hum… também não sabe quem é o Buzz Aldrin? Pois… é mesmo aí que eu queria chegar.

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