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terça-feira, 26 de junho de 2018

American Freak Show

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26/06/2018 by João Mendes

Cartoon: Taylor Jones

Do outro lado do Atlântico, na Land of the Free, a democracia continua a monte, com o cerco neofascista a apertar-se a cada dia que passa. Dos muitos atropelos que poderiam ser aqui destacados, que são cada vez mais e se sucedem a um ritmo preocupante, o que vos trago hoje prima pela bizarria e revela um país cada vez mais autoritário, paranoico e radical. Um país em processo de regressão civilizacional, onde grupos de fundamentalistas religiosos, políticos fanáticos e terroristas financeiros, que encontraram em Trump o bobo perfeito para animar o seu freak show sem escrúpulos, dão hoje cartas. Como nunca.

O que se passou a 21 de Maio, na fronteira com o Canadá, não está ao nível de violações de direitos humanos como as que se têm registado na fronteira texana, é certo. Tampouco se compara com a gravidade da forma negligente e infantil como Trump tem minado as relações diplomáticas com os seus aliados naturais. Mas é elucidativo do quão baixo desceu essa América construída por migrantes de inúmeras nações. Cedella Roman, de nacionalidade francesa, estava de férias no Canadá, na pequena cidade de White Rock, a poucos quilómetros da fronteira com os EUA. Certo dia, decidiu correr pela marginal da cidade e, sem se aperceber, alega, cruzou a fronteira e acabou por se encontrar com uma patrulha da polícia, que exigiu ver a documentação da jovem. E é aqui que o insólito começa.

Naturalmente, Cedella não tinha os documentos consigo, uma vez que estava a praticar desporto. Poder-me-ão dizer que tal não é justificação, que qualquer pessoa responsável deve sempre ter consigo pelo menos um documento identificativo, mas tal não parece um motivo suficientemente forte para prender a jovem durante duas semanas, num centro de detenção para imigrantes ilegais, a 200km do local onde foi detida. É desproporcionado, é embaraçoso para qualquer regime político que se considere democrático, é um absurdo. Chega a ser patético, motivo de chacota. Não acredito que a maioria dos americanos se reveja nesta completa estupidez.

O certo é que aconteceu mesmo. Os EUA prenderam uma miúda de 19 anos que, ao praticar algo tão ameaçador como uma corrida pela marginal, “invadiu” uns metros de solo americano e foi considerada uma ameaça, detida e enviada de imediato para uma prisão de imigrantes ilegais. Faz parte do novo normal da era Trump. O novo normal que justifica a separação de famílias na fronteira com recurso a argumentos bíblicos, ou que recentemente proibiu a entrada no país a Javier Solana, antigo secretário-geral da NATO e Alto Representante para a PESC, por este ter visitado o Irão nos últimos anos. Se isto não é bater no fundo, não sei o que será.

A existência arrogante e grotesca da era Donald Trump, que diz e se contradiz como não há memória na alta roda a política internacional e que lamenta não ser venerado publicamente como o mais violento ditador do planeta, o seu “talentoso” amigo Kim Jong-un, evidencia sinais de mudanças preocupantes no seio da sociedade ocidental. Mudanças devastadoras, com consequências imprevisíveis, que não se reverterão facilmente. Mudanças que inspiram os novos tiranetes europeus em Roma, Budapeste e Varsóvia, e que põem em causa décadas de paz e prosperidade no continente europeu, ainda que essa paz não encontre paralelo nas muitas guerras onde continuamos a manchar as nossas mãos com sangue inocente. Estaremos a pagar pelos nossos pecados?

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