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domingo, 24 de junho de 2018

O Vale dos Caídos e a Espanha franquista

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 24/06/2018)

fascismo

O anúncio da transladação dos restos mortais de Francisco Franco, do Vale dos Caídos, no cumprimento da decisão unânime, aprovada em sede parlamentar, não é apenas um ato de reparação histórica às vítimas, é um corte com a herança que envergonha o País perante a História e o compromete no seio dos países democráticos.

Pedro Sánchez apenas se limitou a confirmar o cumprimento do compromisso e da sua obrigação, e acordou demónios adormecidos do fascismo. Sobressaltou os herdeiros da Falange, inquietou filhos dos algozes, levou o alvoroço às sacristias, fez tremer báculos, agitar mitras e enraivecer velhos purpurados. A Fundação Franco, que nenhum político teve a coragem de extinguir, amaldiçoou a medida de higiene que a democracia exige.

Não há outro país europeu que, por masoquismo ou falta de pudor, perpetue a memória de um genocida e o venere, por respeito aos direitos humanos e ao pluralismo político, herdados do Iluminismo, e assimilados na sua matriz civilizacional.

Quem aceitaria hoje que Mussolini, Hitler, Pétain, Tiso ou Salazar tivessem uma guarda de honra permanente a homenageá-los? Ou, noutro quadrante, Estaline, Pol Pot, Enver Hoxha ou Ceauşescu? Só resiste o culto a Kim Il-sung, na Coreia do Norte, e a Mao, no regime ditatorial chinês, de capitalismo selvagem, sob o pseudónimo de comunismo e a cooperação do partido que mantém o nome.

Franco é uma referência sinistra entre os maiores genocidas do século XX, um precursor europeu de Pinochet, a réplica caucasiana de Idi Amin. No entanto, aquela Espanha sem remorso nem vergonha, acordou para a contestação à democracia na defesa do carrasco que repartia com a Custódia o direito a desfilar sob o pálio, nas procissões pias.

Com a experiência da cruel repressão da Revolução das Astúrias (1934) com tropas da Legião Espanhola, depois da vitória, apoiado pela Alemanha, Itália e Portugal, Franco estimulou durante cinco anos a alucinada chacina de centenas de milhares de pessoas, mortas em campos de concentração, execuções extrajudiciais ou em prisão.

A decisão do destino a dar aos restos mortais do genocida cabe à família, que não pediu perdão ao País, tal como o Vaticano, que esqueceu o apoio de Pio XI, designando como Cruzada a sedição, e a dos bispos espanhóis aos de todo o mundo a manifestarem o seu entusiasmo.

À Espanha democrática cabe dar um funeral digno às vítimas do franquismo e alterar o significado ao lúgubre monumento que perpetuou a memória e a vontade do ditador.

Enquanto não se alteram a constituição e o regime político, e se extinguem os títulos nobiliárquicos, cabe ao governo do PSOE solicitar ao rei a extinção do título de ‘duque de Franco’ que, no dia da moção de censura, que remeteu o PP à oposição, foi assinado pelo ministro da Justiça, Rafael Catalá, proclamando Carmen Martínez-Bordiú como nova duquesa de Franco, com o título que pertencera a Carmen Franco, filha do ditador, e solicitado algum tempo antes pela neta.

Urge fazer justiça para pacificar as feridas da guerra cuja violência foi exercida dos dois lados, e que os vencedores prosseguiram impiedosamente. Urge contar a verdade.

O nacionalismo e o populismo são chagas que dilaceram de novo a Europa, da Áustria à Itália, na própria Alemanha, da Polónia à Hungria. Neste último país, a ajuda altruísta a refugiados passou a crime, punível com prisão. Parece que o exemplo dos EUA, após a eleição de um presidente inculto e amoral, está a singrar na Europa das Luzes, esquecida a sua herança humanista, mas nenhum país reverencia ainda a memória de um déspota.

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