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quarta-feira, 27 de junho de 2018

Sampaio Nunes diz que Bruxelas foi conivente com as rendas da eletricidade em Portugal

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Sampaio Nunes, autor da queixa contra ajudas de Estado à EDP, diz que Comissão Europeia tem sido conivente com rendas que considera ilegais, como os contratos CMEC que Bruxelas validou.

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Há rendas ilegais e rendas que são excessivas no setor elétrico português, defendeu esta quarta-feira o especialista e ex-diretor da Comissão Europeia na área da energia no Parlamento. Pedro Sampaio Nunes foi o primeiro a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da eletricidade, na condição de ter sido o autor da queixa apresentada em Bruxelas por algumas personalidades contra Portugal por ajudas de Estado ilegais à EDP. Para este responsável, a Comissão Europeia tem sido conivente com estas rendas ilegais em Portugal, ao validar os contratos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) das centrais da EDP, e deixou um apelo aos deputados para levarem o tema ao Tribunal Europeu de Justiça a quem compete fiscalizar a atuação da Comissão.

Sampaio Nunes, que foi secretário de Estado do Governo de Santana Lopes, mas não com a pasta da energia, começou por recordar a sua intervenção no quadro legal comunitário que criou as regras do mercado europeu de energia para manifestar a sua “tristeza e choque” pelo facto de os consumidores portugueses não estarem a ser beneficiados por esta iniciativa. Portugal, lembra, tem os preços mais elevados da eletricidade na União Europeia (em paridade poder de compra) e deixa a pergunta.

Como é que é possível num contexto de descida do preço das matérias primas e do custo de tecnologia que os preços tenham aumentando muito mais em Portugal que na UE”?

E dá a resposta:

É o resultado da mistura explosiva de rendas, dadas ilegalmente pelos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual que beneficiam as centrais da EDP), a titulo duvidoso pelos CAE (contratos de aquisição de energia que beneficiam centrais de investidores internacionais do Pego e da Tapada do Outeiro) e de um apoio muito prematuro e massificado às energias renováveis quando elas ainda não estavam maduras”.

Apesar da convicção manifestada por Sampaio Nunes de que os CMEC constituem uma ajuda ilegal no quadro comunitário, esse não foi o entendimento da Comissão Europeia que começou por aprovar este mecanismo em 2005 e que recusou investigá-lo, na sequência da queixa que apresentou em 2012.

“Fazer queixas à Comissão Europeia que é complacente e conivente com esta situação e ineficaz”, concluiu. Sampaio Nunes, que já teve responsabilidades na direção-geral da energia em Bruxelas, considera que os serviços da Comissão Europeia foram complacentes com esta situação. Conta que o comissário espanhol forçou a ajuda às centrais espanholas, os CTC (custos de transição para a concorrência) que inspiraram os CMEC portugueses. O regime legal destes contratos foi aprovados em 2005 pelo Governo do qual fez parte, mas sem responsabilidades na pasta de energia, já depois do mecanismo português ter recebido luz verde da Comissão Europeia, então liderada por Durão Barroso.

E considera que a comissão de inquérito pode contribuir para resolver o problema, recorrendo da decisão de Bruxelas que validou estas rendas para o Tribunal Europeu de Justiça que tem a missão de fiscalizar a atuação da Comissão Europeia.

Contratos “ilegais” da EDP começaram numa decisão de 1995

Para Sampaio Nunes, a ilegalidade face às regras europeias começou logo em 1995 na decisão de estender o regime dos CAE, criado para financiar a construção de novas centrais elétricas por investidores privados, às unidades da EDP. Isto porque as centrais da elétrica, então totalmente pública, já estariam amortizadas e não precisariam de compensações, para além de representarem a quase totalidade da produção elétrica portuguesa.

Esta decisão política, que foi tomada quando Mira Amaral era ministro da Indústria, antecedeu a privatização da EDP, já lançada pelo Governo socialista que se seguiu. Sampaio Nunes admite que isso terá ajudado a “engordar o porco”, ou seja, a valorizar a empresa que ia para o mercado, assinalando contudo que quando este regime foi aplicado à EDP não existia a legislação europeia que impedia este tipo de ajudas. A mesma motivação, acrescentou em resposta ao deputado Hélder Amaral do CDS, levou futuros governos a dar mais importância ao valor da empresa do que aos cortes nos custos da energia elétrica.

O antigo diretor de energias convencionais da Comissão Europeia reafirmou os argumentos quando foi questionado sobre a segunda parte da queixa que apresentou em Bruxelas contra a extensão da concessão do domínio hídrico das barragens da EDP por 25 anos, por ajuste direto e sem concurso público. O deputado Jorge Costa quis saber porque é que Bruxelas começou por questionar este processo quando abriu uma investigação ao tema fundamentado em várias dúvidas sobre a legalidade do procedimento, mas depois acabou por arquivar o caso, numa decisão já tomada no ano passado.

O deputado lembrou ainda que os assinados em 2005 com a EDP, e que permitiram passar dos CAE aos CMEC, só entravam em vigor quando fosse estendido o prazo dos contratos de domínio hídrico. Essa cláusula suspensiva limitou a margem de manobra do Governo para lançar um concurso público para atribuir a exploração das barragens da EDP. Sampaio Nunes recorda que o ministro que tomou esta decisão, Manuel Pinho, estava sob pressão para encontrar uma solução para impedir um aumento dos preços da eletricidade de 14%, pelo que terá aceite o valor proposto pela EDP pelo prolongamento do prazo de concessão, e que rondou os 700 milhões de euros.

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