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terça-feira, 17 de julho de 2018

A pergunta simples que desmascarou Trump: "Em quem acredita?"

Filipe Santos Costa

FILIPE SANTOS COSTA

JORNALISTA DA SECÇÃO POLÍTICA

17 de Julho de 2018

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Bom dia.

A "traição" de Trump
“Traição”, escreve o Guardian, com as letras todas, citando as reações que chegam de Washington. "Nada menos do que traição", escreveu John O. Brennan, antigo direto da CIA. "Uma oportunidade perdida" e "um sinal de fraqueza", nas palavras de Lindsey Graham, senador republicano pela Carolina do Sul. "Vergonhoso"; "bizarro e simplesmente errado", escreveram outros congressistas do partido de Donald Trump. "Um dos desempenhos mais vergonhosos de que há memória por um presidente americano", considerou o senador John McCain, ex-candidato presidencial republicano.
Em causa está a conferência de imprensa de Trump, esta segunda-feira, ao lado de Vladimir Putin, depois da cimeira conjunta em Helsínquia. Um encontro histórico do qual pode resultar uma tempestade política de dimensão e consequências igualmente históricas. Colocado entre as informações recolhidas pelos serviços secretos norte-americanos e as juras feitas pelo homem do Kremlin, Trump escolheu um lado. Deu força ao histórico inimigo dos EUA e deixou cair as secretas norte-americanas, um dos bastiões do poderio de Washington. Se Philip Roth pudesse escrever outra vez "A Conspiração contra a América", não precisava de colocar a sua distopia no passado: bastava-lhe coligir factos do presente. O Trump real é mais perturbador do que o Lindbergh ficcional de Roth.
A questão continua a ser a interferência (ou não) de Moscovo na campanha presidencial de 2016, favorecendo a eleição de Trump. Para os serviços de intelligence dos EUA, já não há dúvidas sobre isso. Houve mesmo interferência russa para tramar Hilary Clinton. O procurador especial que investiga o caso, Robert Muller, também já está para além dessa dúvida. Na sexta-feira passada, doze russos foram acusados de piratear os servidores de altos responsáveis do Partido Democrata; esta segunda-feira, o Departamento de Justiça acusou mais uma russa de ter trabalhado com apoiantes de Trump (incluindo a National Rifle Association) em favor das posições de Moscovo - Mariia Butina funcionaria como um 'canal secreto' de ligação e chegou a propor antes das eleições um encontro entre Trump e Putin.
No ponto a que já chegaram as investigações, a questão não é se houve interferência. Até Paul Ryan, o republicano que ocupa o lugar de speaker da Câmara dos Representantes, já disse que, sobre isso, "não há dúvida". A questão é se, mais do que uma ação unilateral, houve conluio entre russos e a equipa de Trump. Mas não para Trump, que não perde a oportunidade de chamar fake news a qualquer facto comprovado e demonstrado que não lhe convenha. Ontem, com Putin ao seu lado na conferência de imprensa de Helsínquia, foi o momento da verdade.
"Em quem acredita?", perguntou o jornalista da Associated Press Jonathan Lemire. Perante a conversa redonda de Trump sobre as garantias dadas por Putin, nada como uma pergunta simples e direta. "Em quem acredita?" - e nem precisou de acrescentar: em Putin ou nas autoridades do seu país? A resposta de Trump foi, "inesquecível", como adjetiva o Washington Post. "A minha gente falou comigo, o Dan Coats [diretor dos serviços secretos] e outros, dizem que acham que foi a Rússia. Eu tenho o Presidente Putin a dizer que não foi a Rússia. Eu digo isto: não vejo por que razão seria... Eu confio nos dois lados." Foi o momento em que um presidente dos EUA deu tanto crédito à palavra de um ex-espião do KGB como à de todos os serviços secretos norte-americanos.
Como sempre, depois de dizer uma coisa, Trump veio fazer controlo de danos dizendo o seu exato contrário. E escolheu, claro, o Twitter, para jurar que tem "GRANDE confiança" (com letras maiúsculas, para que não fiquem dúvidas) nos seus serviços secretos. De acordo com o Washington Post, até os conselheiros de Trump ficaram siderados com as palavras do seu presidente em Helsínquia. "Completamente contra o planeado", disse um deles ao jornal da capital norte-americana. Pelo que conta o Vox, até já há na Casa Branca quem tente passar a ideia de que Trump tem uma qualquer limitação cognitiva ou psicológica que o impede de perceber a questão russa. Ao que isto chegou.
O conselho editorial do Washington Post publicou poucas horas depois da conferência de imprensa um texto de opinião em que considera que ficou ali provado o conluio de Trump com os russos. Um colaborador do jornal escreveu que "o momento pedia que Trump defendesse a América. Em vez disso, ele curvou-se". No New York Times lê-se que "talvez o presidente esteja exatamente tão comprometido [com os russos] como parece". Se tivermos em conta que tudo isto acontece depois de Trump ter desancado os seus parceiros do G7, depois de ter ameaçado por em causa o futuro da NATO, e depois de ter considerado que a União Europeia é "um inimigo" dos EUA, fica claro que o único elemento de política externa em que esta Casa Branca é estável e previsível é o alinhamento com o Kremlin. Nos Estados Unidos há quem fale num "suicídio geopolítico". No Público, a Teresa de Sousa aponta no mesmo sentido: "Putin só tem a ganhar. Trump tem bastante a perder".

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