por estatuadesal
Ricardo Paes Mamede, in Diário de Notícias, 03/07/2018)
Alguns problemas e riscos da zona euro eram bem conhecidos desde o seu início. Os países participantes deixaram de poder influenciar as taxas de câmbio e as taxas de juro, perdendo assim instrumentos importantes para combater eventuais crises. Nenhuma forma de compensar essa perda foi criada à partida, restando a emigração em massa e a descida acentuada dos salários como únicos instrumentos de "ajustamento".
Sabia-se que isto poderia levar a recessões prolongadas e à redução do potencial de crescimento das economias menos desenvolvidas. Também se sabia que, ao obrigar economias mais fracas a viver sob uma moeda forte, a unificação monetária poderia acentuar - em vez de diluir - a divergência de níveis de desenvolvimento entre os países participantes.
Para evitar os riscos de recessões prolongadas e de divergência persistente das economias mais fracas teria sido necessário um orçamento europeu de grandes dimensões, financiado necessariamente pelos países mais ricos. Porém, não havia como convencer o eleitorado destes países a pagar uma fatura tão elevada, de forma permanente, em nome da solidariedade europeia.
Assim, a moeda única nasceu coxa. Apenas pôde contar com um orçamento europeu mínimo e sem funções de estabilização, acompanhado de regras orçamentais restritivas para forçar os governos nacionais a flexibilizar as suas economias. Restava uma grande dose de fé por parte de alguns dirigentes políticos de que alguma solução seria encontrada para enfrentar problemas futuros.
Os problemas não demoraram a chegar. Primeiro, a globalização comercial e o alargamento da UE a Leste teve impactos negativos nos países do sul, que foram agravados pela forte valorização do euro face ao dólar entre 2002 e 2008. Depois, a grande crise financeira de 2007/2008 e suas sequelas tiveram os efeitos devastadores que se conhecem.
Aqui a zona euro descobriu que as suas fragilidades institucionais eram ainda maiores do que se pensava: não só escasseavam instrumentos para evitar recessões prolongadas e a divergência permanente entre economias, como não havia modo de evitar o colapso dos países mais vulneráveis em situações de pânico financeiro. O resultado foi uma crise profunda e duradoura em vários países.
Confrontados com o descontentamento popular crescente face ao processo de integração europeia, alguns líderes da UE têm procurado remendar a arquitetura defeituosa do euro, mas sem grande sucesso. Não é hoje mais fácil do que era há 30 anos convencer o eleitorado dos países mais ricos a pagar uma fatura elevada e permanente pela existência do euro. Os avanços parciais conseguidos (União Bancária, Mecanismo Europeu de Estabilidade, etc.) tentam reduzir a ocorrência de pânicos financeiros, sem porém resolver os problemas de fundo - e criando outros pelo caminho.
Os riscos de recessões prolongadas e de divergência das economias mais fracas persistem, sendo hoje maiores, dado enorme aumento do endividamento público e privado na periferia da zona euro desde 2008.
Tal como no passado, resta uma grande dose de fé por parte de alguns dirigentes de que alguma solução será encontrada para enfrentar crises futuras. Outros, incluindo centenas de milhares de portugueses, já viram esse futuro - e sabem que não funciona. A zona euro continua à procura de saída para o labirinto em que se meteu. Não vai ser fácil.
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