Andreia Martins - RTP02 Jul, 2018, 11:57 / atualizado em 02 Jul, 2018, 12:23 | Mundo
Na visão de Horst Seehofer, Angela Merkel não conseguiu corresponder às expectativas do partido bávaro, parceiro na coligação de Governo, na última cimeira europeia | Hannibal Hanschke - Reuters
Três dias. Foi o tempo concedido por Horst Seehofer, ministro alemão do Interior, para que Angela Merkel resolva o conflito sobre as políticas migratórias com os parceiros de coligação da Baviera. O responsável ameaçou avançar com a demissão, mas aceitou voltar a reunir-se com a chanceler perante a pressão de vários membros da CSU. A crise interna e o fim de uma coligação com quase 70 anos poderá ser o prenúncio de eleições antecipadas na Alemanha.
Em rota de colisão com a chanceler alemã, o ministro do Interior ameaçou demitir-se do cargo, mas também da liderança da CSU (União Social Cristã), por divergências cada vez mais vigorosas na questão migratória.
Na visão de Horst Seehofer, Angela Merkel não conseguiu corresponder às exigências e expetativas do partido bávaro, parceiro na coligação de Governo, durante a cimeira europeia que decorreu em Bruxelas no final da última semana.
Várias figuras da CSU pretendem que a Alemanha recuse a entrada aos migrantes que já tenham sido registados noutros países da União Europeia. Por seu lado, a CDU (União Democrática Cristã) considera que essa ação violaria as leis da União Europeia, mas também a Convenção de Genebra sobre os direitos dos refugiados.
Durante as últimas semanas, a chanceler alemã tem-se desdobrado em reuniões e encontros bilaterais com vários parceiros europeus, na tentativa de garantir o retorno dos migrantes que estão em território alemão, mas que foram registados por outros países dentro do espaço comunitário.
A chanceler procura, dessa forma, agradar parceiro de coligação que vocifera de forma cada vez mais audível contra a imigração, quando faltam menos de quatro meses para as eleições na Baviera, com a alarmante subida da AfD (Alternativa para a Alemanha, partido de extrema-direita).
A questão migratória poderá ser mesmo o ponto final uma relação de quase 70 anos entre duas forças políticas irmãs que não concorrem uma contra a outra em eleições desde 1949, com exceção para uma breve separação registada em 1976.
Numa derradeira oportunidade, a chanceler alemã e o ainda ministro reúnem-se esta segunda-feira em Berlim, a fim de solucionar a crise emergente, agora agravada com a ameaça de demissão.
Horst Seehofer chegou mesmo a comunicar a decisão no domingo, durante uma reunião da CSU em Munique. "Vamos ter mais conversações com a CDU em Berlim, na esperança de que se consiga alcançar um acordo. Depois, vamos ver o que acontece", adiantou o ministro aos jornalistas.
Antes, um dos membros da CSU afirmava que Seehofer pretendia demitir-se por “não garantir o apoio necessário”. Ficam expostos alguns possíveis desentendimentos dentro do próprio partido bávaro, cuja reputação começa a ser questionável. Pela imprensa, pelas forças de esquerda, de direita, e pelo próprio Governo de Merkel.
A revista Der Spiegel refere mesmo que “se [Seehofer] se mantiver como ministro do Interior, vai perder a sua credibilidade. Se se demitir, a mesma coisa acontece”. No Süddeutsche Zeitung escreve-se que “os dias de Seehofer como chefe da CSU estão contados” e ainda que “o seu objetivo político final é: se vou cair, também Merkel cai comigo”.
Que cenários para Merkel?
A verdade é que a demissão iminente do ministro do Interior poderá fazer cair um Governo a que foi tão difícil chegar, alcançado ao fim de vários meses de negociações entre vários partidos. Recorde-se que, no ano passado, as eleições federais na Alemanha, realizadas em setembro, deram uma maioria simples à CDU e CSU. A “grande coligação” só surgiria em março, com a entrada do SPD (sociais-democratas) na aliança.
Agora, Angela Merkel, no poder há 12 anos, corre o risco de perder o seu governo maioritário na sequência do conflito interno entre os conservadores alemães.
Segundo a Deutsche Welle, que traça vários cenários possíveis na política germânica com a saída de Horst Seehofer do Governo, a chanceler alemã demonstrou no passado recente que prefere a hipótese de eleições antecipadas a uma eventual governação de um executivo em posição minoritária no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento alemão.
A Constituição alemã (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha) prevê que, em caso de demissão, esta tenha de ser aceite pela chanceler, mas também pelo Presidente, Frank Walter Steinmeier.
Consumada a demissão de Seehofer, a decisão estaria nas mãos da CSU, num primeiro momento. A aliada da Baviera poderia propor um novo ministro para ocupar a pasta do Interior, mas pode também decidir abandonar a coligação, retirando todos os seus ministros do executivo de Merkel.
Horst Seehofer, ministro do Interior, Andreas Scheuer, ministro dos Transportes e das Infraestruturas Digitais, e Gerd Müller, ministro da Cooperação Económica e Desenvolvimento, são os membros da CSU com pastas no Governo de Merkel.
Em caso de saída do partido bávaro da “grande coligação”, várias hipóteses se desenham no xadrez político alemão. Existe a possibilidade de o Governo prosseguir a legislatura com um governo minoritário, caso o SPD esteja de acordo.
Neste contexto, seria necessário assegurar continuamente o apoio de partidos externos à coligação na aprovação de legislação no Parlamento, uma opção que Merkel descartou durante o período de negociações com o SPD, após as eleições de setembro.
Existe também a hipótese de se formar uma nova coligação que permita à CDU e ao SPD preencher os lugares deixados vagos pela CSU, de forma a assegurar uma nova maioria absoluta. Os Verdes e os liberais do FDP seriam dois potenciais parceiros, mas o lugar de Angela Merkel poderia estar em jogo nestas novas negociações.
Do lado dos social-democratas, a posição sobre a migração está mais próxima da que é assumida pela chanceler. Pede-se uma “política humanitária para os refugiados com uma dose saudável de realismo”. Andrea Nahles, presidente do SPD, considera que a CSU está a seguir “uma viagem de ego perigosa” e alerta que esta situação instável “não pode continuar”.
No domingo, o SPD apresentou ainda um documento com cinco pontos essenciais, na tentativa de ajudar à resolução da contenda sobre questões migratórias. Os social-democratas tentam solucionar a crise instaurada entre CDU e CSU, os dois parceiros que com eles formam a “grande coligação”, mas estas propostas contrariam perentoriamente a exigência de retorno de refugiados, apresentada pelos bávaros.
Há também a possibilidade de destituir Angela Merkel por via de uma moção de censura no Bundestag, onde a chanceler estaria em minoria. No entanto, os partidos seriam obrigados a propor um novo candidato que dificilmente reuniria consenso entre as várias forças políticas.
Em caso de queda do Governo de Angela Merkel, o cenário mais provável será mesmo o de dissolução do Parlamento e a marcação de novas eleições, uma decisão que cabe, em última análise, ao Presidente alemão. A partir desse momento, Frank-Walter Steinmeier terá de marcar eleições num prazo de 60 dias. Ou seja, a Alemanha poderá voltar às urnas para novas eleições federais, menos de um ano depois do último escrutínio.
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