Translate

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Entre as brumas da memória

Da série «Grandes Capas»

Posted: 19 Jul 2018 02:11 PM PDT

-

19.07.1975 – Mário Soares na Fonte Luminosa

Posted: 19 Jul 2018 09:06 AM PDT

No seguimento do chamado «caso República», depois de muitas peripécias, o jornal saiu para a rua em 10 de Julho de 1975, com o nome de um director nomeado pelo MFA (e não com o de Raul Rego). Os ministros socialistas que faziam parte do IV Governo Provisório (Mário Soares, Salgado Zenha e Almeida Santos) pediram a demissão, e foram seguidos pelos do PSD, o que provocou a queda do Governo e a sua substituição pelo seguinte – o quinto e último presidido por Vasco Gonçalves –, que tomou posse em 8 de Agosto.

Entretanto, no dia 19 de Julho, o PS organizou a famosa manifestação da Fonte Luminosa – marco importante na história daquele Verão quente de 1975.

Foi António Guterres que organizou o comício, no qual discursaram vários dirigentes socialistas, sendo Salgado Zenha o penúltimo e Mário Soares a encerrar, com um discurso violentíssio contra o PCP e o governo de Vasco Gonçalves. Alguns excertos desse discurso (tirados de O Portal da História).

«O dia de hoje foi um dia grave na história do nosso povo. Depois de uma campanha alarmista de boatos sem precedentes, de uma ‘intentona’ artificial, de uma falsa conjura com intenção de enganar o povo; depois disso, organizaram-se barreiras para impedir que o povo dos arredores de Lisboa, deputações do povo de Portugal viesse aqui manifestar-se livremente, em favor da liberdade, da democracia, do socialismo. (...)


É uma cúpula de paranóicos, a direcção do PCP. É uma cúpula de irresponsáveis a dos dirigentes da Intersindical, que não representam o povo português. E as Forças Armadas, dando cobertura a esses irresponsáveis, indo acreditar que havia uma marcha sobre Lisboa, que nunca existiu – que só existiu na cabeça desses paranóicos – constituíram também graves responsabilidades. (...)


Dizemos que a reacção não passará, mas digamos também que a social-reacção não passará. Temos dito, e prova-se na prática da nossa acção política quotidiana, que nós não somos anticomunistas. Quem está a provocar o anticomunismo, como nem Caetano nem Salazar foram capazes de provocar é a cúpula reaccionária do PCP. (...)


A situação portuguesa é de tal maneira grave, o ambiente requer um Governo de salvação nacional e de unidade das forças políticas, que nós dizemos daqui ao Presidente da República e ao Conselho da Revolução que o primeiro-ministro designado para constituir o 5.º Governo Provisório não nos parece ser neste momento um factor de coesão e de unidade nacional. Portanto dizemos-lhes, com a autoridade de sermos um partido maioritário na representação do povo português, que será melhor eles escolherem uma outra individualidade que dê mais garantias de apartidarismo real, para que possa formar um governo de coligação nacional. (...)


O MFA que faça pois atenção, porque a hora é de autocrítica, é de emendar os erros passados. E esse MFA que iniciou esta revolução que foi chamada justamente a mais bela da Europa, uma revolução das flores, esse MFA se escutar a voz do Povo, tem todas as condições para, aliado ao Povo, poder salvar ainda a nossa revolução que está em perigo, porque há aqui e ali manchas de contra-revolucionários que querem polarizar à sua volta o descontentamento provocado pelo sectarismo e pelo fanatismo intolerável dos sociais-reaccionários que são a direcção do PCP». (...)


Este foi um dia de vitória. Tenhamos confiança no futuro, tenhamos confiança no nosso Povo. A revolução está em marcha e não pára.


Venceremos!»

.

Nicarágua: desgraçado povo!

Posted: 19 Jul 2018 06:23 AM PDT

.

Trump despede-se de 1989

Posted: 19 Jul 2018 03:18 AM PDT

Daniel Oliveira no Expresso diário de 18.07.2018:

«Uma das coisas que me incomoda na forma como tratamos o fenómeno de Donald Trump é a incapacidade de pensarmos para além das nossas irritações. Trump é errático e parece irracional? Sim. Mas, talvez por contágio, acabamos por acompanhar a sua irracionalidade e falta de consistência. É por isso que muita gente ainda atribui a eleição de Trump à estupidez do eleitorado ou às redes sociais. Somos quase tão infantis como Trump quando falamos de Trump.

Quase todos olham para as relações de Trump com a Europa e com a Rússia como se estivéssemos apenas perante idiossincrasias tontas de um lunático a soldo de Putin. Espantam-se por Trump ser mais doce com um regime autoritário do que com as democracias europeias. Poderemos dizer, e eu tenderei a subscrever, que as escolhas de Trump são demasiado arriscadas para os interesses dos Estados Unidos e denunciam, em muitos casos, uma total incapacidade de medir a dose e o tom nas suas declarações públicas. Nisso, a explicação parece-me óbvia: ele só quer saber o que pensa a sua base eleitoral de apoio. Mas isso não quer dizer que não tenha uma estratégia. Resumir tudo a uma traição aos europeus perante um inimigo comum é ignorar que algumas coisas mudaram no mundo.

A primeira é a Europa. Com o fim da Guerra Fria, este continente deixou de ser um espaço de confronto entre dois polos ideológicos. Os EUA partilham alguns interesses com os europeus e outros são contraditórios. A Alemanha tem interesses específicos no Leste europeu que nada dizem aos norte-americanos. Na realidade, apenas são relevantes para a Alemanha e os restantes europeus são obrigados a apoiar quem manda. Ao contrário do que acontecia pelo menos desde a descolonização, em que o Ocidente tinha interesses geralmente comuns, o poder dispersou-se e as alianças passaram a ter geometrias variáveis. Isso é bem evidente na salganhada da Síria. Não podemos passar o tempo a recordar o fim da Guerra Fria e o nascimento de uma nova ordem mundial, passando pela perda de relevância da Europa no mundo, e depois analisar o comportamento de Donald Trump, por mais errático que seja, ignorando essa nova realidade. Mesmo na crítica ao discurso de Trump sobre as contribuições financeiras para a NATO temos um dever de honestidade. Na União Europeia, a Alemanha interessa-se por si e impõe àqueles que a ela querem estar aliados o preço a pagar por isso. Na NATO, os EUA interessam-se por si e impõem aos aliados o preço a pagar por isso. Dantes eram indispensáveis para os EUA e eles pagavam por isso. Hoje somos menos e não querem pagar tanto. Chocados? Só os que contam a história do mundo através de filmes de Hollywood.

A segunda é a Ásia. Apesar da geoestratégia e do poderio militar ainda contar muito no xadrez internacional, o lugar que cada um ocupa no tabuleiro de uma economia totalmente globalizada está hoje muito mais dependente do poder comercial e financeiro do que estava há trinta anos. E a maior preocupação dos EUA é, neste momento, a China e o seu poder económico (com ele virá o resto). Claro que a Rússia conta e a forma como vai interferindo na vida interna dos países diz-nos como pode contar bastante. Mas é neste mundo a três que Trump pensa quando fala com Putin. Estará provavelmente enganado ao pensar que num mundo a três poderá contar com a Rússia, mas não está enganado ao saber que as coisas não se dividem entre um “mundo livre” liderado pelos EUA com uma aliança de ferro com a Europa e um bloco liderado pela Rússia. Esse mundo já não existe. Interessa o comércio, não a velha Guerra Fria. Trump não desfez a ideia de Ocidente, apenas confirmou o enterro do Ocidente enquanto entidade política. Se olharmos para a União Europeia percebemos que a Europa fez o mesmo há algum tempo.

A terceira é a relação entre o capitalismo e a democracia. Havia, pelo menos na aparência, uma relação entre capitalismo e democracia. E não apenas na aparência. As burguesias nacionais eram isso mesmo: nacionais. Os seus interesses eram muitas vezes coincidentes com os interesses das nações. E acabaram por ser, em grande parte das vezes, elementos fundamentais na construção das democracias nacionais. Democracia liberal, Estado-nação e industrialização são parentes com relações muito próximas. Com a globalização e financeirização da economia, as elites económicas estão a perder o seu vínculo nacional e, com isso, o seu vínculo à democracia. Por isso tenho escrito que penso termos entrado na fase pós-democrática do capitalismo. Hoje, os melhores exemplos de eficácia competitiva no capitalismo global vêm de ditaduras como a China. O fascínio que Trump tem por homens de mão pesada não é uma tara sua, corresponde ao arquétipo do líder político atual. A eleição de Trump, impossível há trinta anos, prova isso mesmo. Da normalização do poder dos eurocratas sobre os eleitos à criação, nos acordos de comércio internacional, de instrumentos de mediação que estão acima das leis dos Estados e dos seus tribunais, tudo nos explica que há um divórcio crescente entre a democracia e o capitalismo que segue em linhas paralelas com a perda de poder dos Estados. Para analisar a política norte-americana temos, por isso, de esquecer as velhas divisões ideológicas. Sim, Putin pode ser aliado de Trump, assim como o poderia ser Xi Jinping. A democracia é irrelevante neste jogo porque ela é irrelevante para o futuro do capitalismo financeiro. Na realidade, até é um empecilho.

Podem fazer de Trump um pateta porque ele é um pateta. Mas quando um pateta chega ao poder é sempre mais do que isso. Não sei se Trump é o começo de uma era, tenho a certeza de que encerra definitivamente o mundo de 1989. Os que se chocam com a forma como trata os velhos aliados e os velhos inimigos é porque ainda estão nesse tempo que acabou. Outros que sucedam Trump farão, com outra elegância e mantendo a patine do passado, o mesmo.»

Sem comentários:

Enviar um comentário