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terça-feira, 17 de julho de 2018

Ladrões de Bicicletas


Escrever na praia

Posted: 16 Jul 2018 07:27 AM PDT

À medida que a legislatura se aproxima do fim, começam a surgir textos de balanço sobre o que representou a experiência da actual maioria para o país e para a esquerda. Um desses balanços foi proposto pela Catarina Príncipe, num texto na Jacobin.
Porque este debate é importante e porque as questões levantadas são pertinentes, gostaria de participar nele. Usarei como referência o texto da Catarina, com tradução minha dos excertos citados.
Resumindo a minha leitura do texto, diria que o texto da Catarina avança com alguns diagnósticos correctos, outros forçados e outros ainda contraditórios para chegar a uma conclusão… a que depois não chega.

Diagnóstico 1: “O papel atribuído a Portugal era o de servir como exemplo para o resto da Europa. Servia para provar que austeridade funciona.”
A primeira ideia é a de que as instituições europeias teriam escolhido Portugal para ser o bom exemplo da austeridade e que teriam dedicado a Portugal um tratamento mais favorável do que o dado à Grécia. Claro que uma hipótese alternativa seria a de que as instituições europeias simplesmente apoiaram um governo como o de Passos Coelho que implementava fervorosamente as suas orientações e perseguiram um Governo como o grego que dava sinais de uma potencial insubordinação, sinais infelizmente nunca confirmados.
Na verdade, a actual maioria parlamentar foi recebida com inequívoca hostilidade. A Catarina conta muito mal a história quando diz:
“Mais tarde em 2016, embora o nível do défice estivesse acima do limite imposto pelo Tratado Orçamental, a Comissão Europeia decidiu não aplicar sanções a Portugal ou Espanha.”
Falta dizer que o défice de Portugal estava muito abaixo do de outros países como a França e incluía uma redução muito considerável no OE2016 para valores inferiores aos do PEC, ao contrário da França, mesmo antes de ser rejeitado pela Comissão, obrigando a uma revisão. É verdade que beneficiámos da companhia do governo de direita da Espanha, como refere a Catarina. Também beneficiámos da percepção de que as sanções penalizariam politicamente o governo anterior e não o actual. Mas não é menos verdade que o arrastamento da polémica durante meses foi mais uma punição política e financeira à nova maioria e a um governo acabado de empossar ou, no mínimo, um aviso à navegação. Ao longo da legislatura, a opção da Comissão foi a de tolerar a actual solução, escolha possível, claro está, porque o Governo sempre fez questão de afirmar que as regras do Euro seriam escrupulosamente respeitadas. E foram.
Diagnóstico 2: “Retrospectivasmente, esta foi uma boa opção tática: num clima de recuperação económica lenta, mas estável ao nível Europeu e nacional, permitia ao PS usar a margem de manobra a seu favor, com a introdução de políticas de austeridade-leve.”
O termo austeridade não é um termo técnico e, portanto, presta-se às mais variadas definições, incluindo as de geometria variável. Por isso, se quisermos definir a política actual com recurso a essa terminologia, temos primeiro de nos entender sobre o que queremos dizer quando falamos de austeridade. Para que a definição escolhida tenha alguma coisa a ver com a percepção pública que existe sobre o assunto, proponho definir como austeridade, a política defendida por Bruxelas de desvalorização real, ou seja, de compressão dos salários, incluindo naturalmente os serviços públicos.
“No entanto, longe de ser uma solução, a austeridade agrava o problema, criando um ciclo vicioso de redução salarial, redução do consumo, aumentos de impostos e aumento da dívida pública. Mas Portugal, de facto, ganhou alguma margem de manobra, libertando-se desse processo.”
Um bom resumo de ambos os processos. Mas o que a Catarina faz é descrever o processo que é desencadeado pela política de austeridade para depois dizer que Portugal se "libertou" desse processo e logo a seguir voltar a falar de austeridade:
“O facto de a austeridade já não ser tão dura permitiu uma pequena retoma do rendimento (essencialmente entre os funcionários públicos e pensionistas), que começou lentamente a reconstruir uma classe média desmantelada.”
Vale a pena referir que os pensionistas que beneficiaram de medidas de reposição de rendimento andarão perto dos 3 milhões. Mas a esses ainda convém somar dois universos com sobreposição, os 669 mil funcionários públicos e os 670 mil trabalhadores com salário mínimo, bem como os beneficiários de prestações sociais que viram repostos os cortes nessas prestações. Se somarmos a estes os contribuintes afectados pela reversão (muito) parcial da reforma do IRS executada por Vítor Gaspar, temos que uma enorme maioria da população beneficiou de medidas de reposição de rendimento, e certamente a parte mais desfavorecida.
É evidente que esta política está bem longe de repor sequer os níveis de rendimento pré-troika, quanto mais de traçar um futuro decente para a esmagadora maioria das pessoas. No entanto, chamar a isto austeridade-leve é promover um equívoco altamente prejudicial para a compreensão da situação política. Um equívoco que, aliás, a direita tem encorajado por duas razões: a) iliba o seu próprio governo através do discurso “eles estão a fazer o mesmo” e b) consolida a percepção de que as alternativas à austeridade são ilusórias. Mais rigoroso seria definir a actual política como anti-austeridade-lite.
Diagnóstico 3: “Uma retórica de limitação da pobreza veio a substituir qualquer apelo à resistência às políticas de austeridade impostos a nível Europeu.”
O diagnóstico mais grave do texto da Catarina é o que basicamente coloca os partidos à esquerda no bolso do PS. Retrospectivamente, a Catarina critica a estratégia negocial dos parceiros à esquerda do PS por não terem ido mais longe na negociação do acordo. Começando pelo desafio lançado por Catarina Martins a António Costa, que a Catarina descreve da seguinte forma:
“Esta foi uma táctica inteligente: forçou o PS a definer-se politicamente e a clarificar as suas lealdades. Mas baseava-se em 3 premissas que depois se revelaram incorrectas: 1) que o PS ganharia as eleições, 2) que o Bloco de Esquerda teria um resultado baixo e 3) que o PS se recusaria a negociar com a esquerda.”
As premissas são da Catarina (Príncipe) e não nos permitem perceber então porque é que o apelo foi reiterado na noite eleitoral, já depois de conhecidos os resultados eleitorais (ou seja, sem as premissas 1 e 2) e, já agora, porque é que o PCP manifestou, também na noite eleitoral, igual disponibilidade. Se era tudo um bluff, porque é que acabou por acontecer?
Daqui a Catarina parte para a crítica do acordo obtido, por considerar, aparentemente, que teria sido possível obter condições mais favoráveis da parte do Partido Socialista. É um posição optimista sobre um debate especulativo, mas muito interessante: teria sido possível introduzir elementos mais precisos no que diz respeito a matérias como legislação laboral, serviços públicos ou investimento? Teria o PS assinado um acordo com essas características? Podia a esquerda não assinar o acordo a que efectivamente se chegou? A Catarina parece achar que sim, mas não se pode dizer que se perca em detalhes sobre o assunto:
“Esta estratégia deveria ter acentuado as contradições do governo do Partido Socialista, através de uma estratégia dentro-fora virada para exigências conducentes a uma verdadeira superação da austeridade e aproveitando a acumulação de descontentamento. Neste quadro, era necessário deixar em aberto a possibilidade de, no limite, quebrar o acordo, mesmo que com o custo de derrotas eleitorais temporários.”
Na realidade, é difícil perceber em que é que a primeira parte desta recomendação é diferente do que foi feito, seja no plano institucional seja no plano dos movimentos, quer pelo Bloco, quer pelo PCP, salvaguardando diferenças de estratégia e cultura política. No plano institucional, a esquerda manteve uma linha de proposta autónoma, combinada ou não com negociações com PS e governo. Esse facto, de resto, foi frequentemente comprovado pelos diversos momentos de tensão ou divergência aberta que marcaram e continuam a marcar a vigência do acordo.
No plano dos movimentos, aos quais a Catarina dedica uma boa parte do final do texto, a realidade é bem mais eloquente. Quando o acordo foi assinado, o movimento social vivia numa letargia absoluta que data da crise política que ocorreu a meio do mandato do governo das direitas. Essa crise decorreu das enormes mobilizações dos primeiros anos da troika e a sua resolução foi um golpe profundamente desmoralizador para os vários movimentos. Até ao final do mandato das direitas, esse foi o estado do movimento social em Portugal.
O acordo mudou isso? Nos primeiros anos com a nova maioria, a resposta parecia ser claramente que não. A contestação parecia ter passado para as mesas de negociação e o atentismo era a postura dominante na maior parte dos movimentos.
Hoje, no entanto, isso não é, pura e simplesmente, verdade. Há, nomeadamente na frente dos serviços públicos e em lutas laborais concretas, um cenário bem mais animador. E indiscutivelmente melhor do que aquele que existia quando o acordo foi assinado. E a explicação é, na realidade, bem simples: os movimentos não se movem apenas por indignação ou injustiça. Também precisam de ter gente que acredita que pode ganhar. E nos últimos 3 anos, houve vitórias. Por mais modestas, por mais parcelares, por mais invisíveis para a Catarina que sejam, essas vitórias constroem mais mobilização do que todos os “apelos à resistência” que, de resto, nunca deixaram de ser feitos.
Conclusões: “Se o Partido Socialista propuser um novo acordo de governo, com que base política pode a esquerda não aceitar? Se em 2015, o “medo da direita” serviu para justificar toda a espécie de acordos, o que poderá fornecer um pretexto similar em 2019?”
Para ser franco, esperava que um texto tão demolidor no plano do diagnóstico tivesse dado origem a uma proposta estratégica clara, por mais polémica ou ousada que fosse. É de certa forma um “anti-climax” que um texto que propõe um diagnóstico tão sombrio sobre uma esquerda radical refém da social-democracia acabe com referências consensuais à importância da luta não-institucional e interrogações quanto ao resto.
Se o acordo está a sufocar a resistência, deve esse acordo ser repudiado? Deve um novo acordo ser rejeitado à partida? Se a resposta da Catarina for, como a minha, não a ambas, é justo dizer que essa posição se deve ao tal “medo de derrotas eleitorais”? E nesse cenário, quais seriam as condições concretas da Catarina? Tudo isto fica por responder e é uma pena. Pela minha parte, respondo:
1. Fizemos bem em assinar o acordo, mesmo que não tenhamos feito tudo bem nas negociações e depois delas, e apesar da lamentável falta de diálogo entre as forças à esquerda do PS. Se a esquerda radical tratar a vida das pessoas como um detalhe nos seus debates estratégicos, bem pode preparar-se para o justo desprezo a que foi votada em muitas paragens dessa Europa pelo povo que diz defender. Se a esquerda rompesse o acordo por outra razão que não fosse uma flagrante violação do acordo por parte do PS, seria simultaneamente responsável e vítima, não de uma derrota eleitoral, mas sim de uma profunda derrota política e social. Não é por acaso que a Catarina fala dessa hipótese a título meramente teórico, com o extremo cuidado de não se comprometer;
2. É, para mim, impensável que a esquerda não formule uma proposta concreta de convergência para o próximo ciclo político, que avance com propostas nas principais áreas em que este governo falhou: saúde, educação, ciência, cultura, investimento público, legislação laboral e dívida. Uma proposta certamente mais exigente porque as pessoas o exigem, mas uma proposta séria porque as pessoas também o exigem;
3. Continuo a não vislumbrar qualquer contradição (muito pelo contrário) entre um programa abertamente eurocéptico e anticapitalista como são os do PCP e BE e uma acção concreta quotidiana, dentro e fora das instituições nacionais e europeias, na procura de todas as vitórias possíveis para a vida das pessoas hoje. A alternativa é uma esquerda tão inofensiva quanto os seus apelos, refugiada na sua inutilidade. Felizmente, Bloco e PCP, fizeram a única escolha radical: fazer o combate do seu tempo em vez de se meterem no cantinho da razão.

Bifurcação

Posted: 16 Jul 2018 05:04 AM PDT

Fonte: Marktest

Olhando para este gráfico, o PS sentir-se-á muito confortável. Mas pode ser enganador.
A diferença para o PSD é enorme, mas já foi maior. Em Julho/Agosto de 2017, essa diferença atingiu o ponto máximo: 16,8 pontos percentuais. A política à esquerda vingava. Mas desde aí, tem vindo a decair: em Junho passado já era de apenas 9,5 pontos percentuais. E isto a um ano das eleições legislativas. Ou seja, caiu 7,3 pontos percentuais num ano.
Este desgaste foi fruto de duas frentes.
À direita,  primeiro, os fogos e o assalto a Tancos foram os temas que martelaram o Governo. Só depois, é que cavalgaram as queixas nos serviços públicos de Saúde e Educação, quando foram os seus principais responsáveis desde 2011/2015. Para isso, contribuiu - e de que maneira! - a intervenção por vagas do presidente da República, arrastando a comunicação social a retomar o tema em cada aniversário mensal. Para exemplificar este caso, tente responder à questão onde é que Marcelo Rebelo de Sousa vai passar férias? Segundo o jornal Expresso, vai para Oliveira de Hospital e Pedrógão. Porquê? Porque "o Presidente quer chamar a atenção dos portugueses a fazerem férias nos locais afectados pelos fogos de 2017"... O próprio jornal Expresso voltou a retomar o tema de Tancos em manchete. Marcelo exigiu esclarecimentos, (claro!), a tal ponto que o Governo se colou à reivindicação de esclarecimentos pelo Ministério Público, "concordando com o presidente da República". Não é óbvio?

Expresso, 14/7/2018

Tão descarado é o papel de Marcelo que até - segundo o mesmo jornal (pag.2 e 3) - interveio junto de Pedro Santana Lopes para que não avance com o seu novo partido, o qual virá sapar o eleitorado de direita. Até para o jornal e seus jornalistas tudo isto é natural, a ponto de abordar o tema abertamente, sem qualquer menção de enviesamento do PR. António Costa fez o mais que pôde para parecer que se dava bem com Marcelo, que estavam sintonizados, mas Marcelo tudo faz para o minar.
À esquerda, os partidos apoiantes do Governo PS, sublinharam-se os efeitos da aplicação de uma política de prudência orçamental, mais papista do que o Papa, que - apesar das melhorias feitas na política de rendimentos - pouco atenuou as machadadas feitas pelo Governo PSD/CDS nos serviços públicos - Saúde, Educação, investimento público. E mantém uma política estranha de sedução à direita, por exemplo, na Saúde - ao nomear para o grupo de trabalho sobre a Lei de Bases quem está intrínsecamente ligada ao sector privado - e no mundo do Trabalho, ao assinar um acordo de concertação social que adere às teses patronais, nomeadamente na contratação colectiva.
A crítica de esquerda e da direita ao Governo beneficia - como se vê no mapa - sobretudo a subida da direita. Desde o ponto mais alto em Julho de 2017, o PS perdeu 4,7 pontos percentuais, o PSD ganhou 2,6 pontos, o BE 1,2 pontos, o CDS 0,7 pontos e a CDU perdeu 0,5 pontos. Em conjunto, os partidos à esquerda (BE e CDU) registaram uma subida de 17,3% para 18% em Junho de 2018.
Mas essas duas subidas - à esquerda e à direita - revelam o quanto o PS - se quer manter uma política de esquerda - precisa dos partidos à esquerda (cada vez mais) e quanto uma política à esquerda, sem tergiversações à direita, pode continuar a ter - como teve nos anos de 2016 e 2017 - um apoio maioritário.

Veja-se este mapa. Caso se compare os "votos" nas sondagens no PS com os dos partidos de direita, o PS está quase a ser submerso. Está a uns míseros 3 pontos percentuais a um ano das eleições. Claro que se pode dizer que o PSD nunca se coligará com o CDS, porque a crítica ao Governo - venha de onde vier - beneficia o PSD. Mas essa diferença é reveladora da correlação de forças que o PS poderá encontrar no próximo Parlamento. Costa arrisca-se a ser novamente humilhado nas eleições. E no PS.
Já uma aliança à esquerda pode revelar que essa força está a uma distância de 21 pontos percentuais dos partidos da direita coligados e de 27,5 pontos percentuais do PSD. Algo que se tornaria humilhante, sim, mas para Rio e Cristas.
António Costa tem, pois, de fazer opções claras. A sua política de navegar ora à esquerda ora à direita não está - nem mesmo eleitoralmente - a ser eficaz. Pelo menos em Portugal.

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