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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Inquérito. Deve ou não haver mudança da hora?

DreamstimeBEATRIZ MARTINHO16/08/2018 12:39

A Comissão Europeia abriu um inquérito online para saber se os europeus concordam com a hora de verão. O astrónomo Rui Agostinho afirma ao i que Portugal deve manter o bi-horário. Saiba o que dizem os estudos sobre o assunto

Desde 2001 que os países da União Europeia (UE) ficaram obrigados a mudar a hora legal duas vezes por ano: a primeira no último domingo de março e a segunda no último domingo de outubro. O ano dos europeus fica assim dividido entre um horário de verão e um horário de inverno, o dito “normal”.

As razões para a criação do horário de verão, que foi implementado gradualmente pelos diferentes países da União no século passado, incluem a poupança de energia, a redução de probabilidade de acidentes automóveis e o melhor aproveitamento do tempo livre, decorrentes do maior número de horas de luz natural diárias.

Mas nem todos concordam. Alguns Estados-membros, eurodeputados e cidadãos europeus pedem mesmo o abandono definitivo da mudança da hora. Os defensores desta proposta argumentam que os benefícios apontados para o regime atual são sobrevalorizados e que a mudança de hora gera efeitos prejudiciais aos hábitos de sono.

Recentemente, alguns Estados-Membros abordaram a questão da hora de verão em ofícios dirigidos à Comissão. Mais especificamente, a Finlândia solicitou o fim da mudança semestral de hora e a Lituânia apelou a uma revisão do sistema atual, a fim de ter em conta diferenças regionais e geográficas.

Por tudo isso, a Comissão Europeia abriu uma consulta pública, até 16 de agosto, para saber se os europeus realmente concordam ou não com a existência de um horário de verão. As respostas são dadas online e, depois de apurados os resultados, há duas alternativas: ou se mantém o horário de verão ou se dá aos países a hipótese de escolher o horário que querem seguir.

Contudo, no caso de ganhar o “não”, o Parlamento Europeu defende que se mantenha um “regime [horário] unificado europeu”, para promover o comércio e proteger o mercado único.

Prós e contras No período das guerras mundiais, a alteração da hora era uma forma de poupar energia, uma vez que permitia o aproveitando da luz solar e do aquecimento do sol durante mais horas. Mais tarde, o objetivo era dar às pessoas mais horas de sol para fazerem atividades ao ar livre e diminuir os acidentes rodoviários que acontecem mais durante a noite quando já não há luz natural. Mas a verdade é que os estudos levados a cabo atualmente não permitem concluir que haja benefícios claros e mostram que a poupança de energia é apenas “marginal”.

Para ajudar as pessoas a refletir sobre o assunto, no site da consulta pública sobre o tema, a Comissão Europeia elencou os resultados dos vários estudos sobre o impacto da mudança horária nos diferentes setores, desde a saúde até à agropecuária.

No que diz respeito ao mercado interno, os estudos indicam que se cada país tivesse um horário diferente a produtividade descia. Além disso, o comércio transnacional seria mais dispendioso e haveria problemas nos transportes e comunicações. Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, concorda e afirma que “a mudança da hora tem de ser feita exatamente no mesmo instante nos vários Estados-membros da União Europeia”. “Não pode ser o que havia antigamente quando cada um mudava quando queria. Isso era muito mais difícil para todas as atividades à volta de transações, seja de pessoas ou bens, e das comunicações. Mudarem a hora ao mesmo tempo tem como objetivo agilizar os processos. Isto é muito importante, por exemplo, para definir os horários dos transportes”, salienta ao i.

Apesar da poupança energética ter sido um dos principais fatores da adoção da mudança da hora, segundo a Comissão Europeia, a investigação efetuada indica que o efeito é “marginal”. “O impacto sobre a poupança energética é praticamente zero”, explica Rui Agostinho. O astrónomo refere que nos vários estudos feitos em diferentes pontos do mundo a conclusão é de que a poupança de energia com o horário de verão é cerca de 0,05%, ou seja, não chega sequer a 1%. “Os números andam sempre abaixo do 1%”, esclarece.

Sobre o impacto na saúde humana, a Comissão Europeia afirma que os estudos são “inconclusivos”. Estima-se que a hora de verão tem efeitos positivos ligados a um aumento das atividade de lazer e exercício físico ao ar livre. Contudo, há estudos que admitem que pode haver um efeito nefasto no biorritmo humano “mais grave do que se pensava anteriormente”.

Há ainda especialistas que defendem que a mudança da hora tem efeitos negativos no ciclo do sono, no estado de ânimo e nas capacidades cognitivas – como a memória – e psicomotoras.

Um estudo publicado em 2017 pelo neurologista brasileiro Fontenelle Araujo, que analisou 5631 pessoas, concluiu que cerca de metade das pessoas sente de alguma forma o impacto da mudança da hora. Destas, a investigação refere que metade é afetada durante a primeira semana, cerca de um quarto (27%) durante todo o mês e 23% não recupera durante o horário de verão, sendo as mulheres aquelas que apresentam mais queixas.

Rui Agostinho reconhece que “há de facto uma série de pessoas que se sentem desconfortáveis” com a mudança da hora, mas diz tratar-se de “um desconforto de poucos dias”. “Não é mais do que isso. As pessoas não perdem a capacidade de trabalho, de tomar decisões ou de fazer qualquer outra coisa. Claro que há depois casos particulares, como em tudo”, acrescenta.

Segundo a Comissão Europeia, também no que diz respeito à segurança rodoviária “os elementos de prova não são conclusivos”. Em princípio, a falta de horas de sono resultante do avanço da hora na primavera poderá aumentar o risco de acidentes. Por outro lado, uma hora de luz suplementar ao fim do dia nos meses de verão parece ter um efeito positivo na segurança rodoviária.

No caso da agropecuária, a Comissão Europeia admite que a mudança de hora obriga a alterações na rotina dos animais, mas que atualmente os novos equipamentos, a tecnologia automatizada e a iluminação artificial já permitem contornar isso. Já nos trabalhos do campo e nas colheitas, uma hora de sol suplementar é benéfica.

Como funciona em Portugal? O horário de Verão foi adotado pela primeira vez na Alemanha há mais de 100 anos, a 30 de abril de 1916, durante a Primeira Guerra Mundial. Portugal adotou esta medida pouco depois disso, mas não a cumpriu nos anos 1922, 1923, 1925, 1930 e 1933, altura em que se manteve o horário de Inverno.

Para Rui Agostinho, devido à longitude e latitude de Portugal, “nós ganhamos em ter a hora de verão”. “Ao avançarmos uma hora no verão, temos vantagens no final do dia, uma vez que ficamos com mais horas de sol para fazer atividades depois do emprego ou da escola”, explica.

O astrónomo refere que também funciona mantermos sempre a hora de inverno, contudo “iríamos perder as tardes longas de verão, com aquelas horas todas de sol”. Por isso, afirma que Portugal “deve manter o bi-horário, entre a hora normal e a de verão.”

Quanto ao resto da Europa, Rui Agostinho defende que “depende das latitudes”.

Mas há um problema: o diretor do Observatório Astronómico de Lisboa alerta que a transição para a hora de inverno, que chama “hora normal”, não deveria ser feita apenas em outubro, mas sim em setembro, como aconteceu até 1995. “Ao mantermos a hora de verão até outubro, estamos a ter durante a manhã, naquela hora em que nos deslocamos de casa para o trabalho ou para a escola, as condições que normalmente acontecem em dezembro. É mau quando às 07h00 da manhã o sol ainda não nasceu, porque só nasce perto das 08h00. Assim, a migração das pessoas para os empregos está a ser feita no crepúsculo, ou seja, numa situação intermédia entre o dia e a noite, com pouca luminosidade.

O que pensa a Comissão Europeia

Mercado interno

A Comissão Europeia defende que uma mudança da hora de forma não coordenada entre os Estados-Membros seria prejudicial para o mercado interno, uma vez que acarretaria um aumento dos custos do comércio transnacional, problemas nos transportes, comunicações e viagens, bem como uma redução da produtividade no mercado interno de bens e serviços.

Energia

Segundo a instituição, a investigação efetuada indica que o efeito geral da poupança de energia decorrente da hora de verão é “marginal”. Os resultados também tendem a variar em função de fatores como a localização geográfica.

Saúde

A hora de verão gera efeitos positivos ligados a um aumento das atividades de lazer ao ar livre. Contudo, o efeito das mudanças horários no biorritmo humano pode ser mais grave do que se pensava anteriormente. Os estudos acerca do impacto na saúde são “inconclusivos”.

Segurança rodoviária

Em princípio, a falta de horas de sono resultante do avanço da hora na primavera poderá aumentar o risco de acidentes. Por outro lado, uma hora de luz suplementar ao fim do dia nos meses de verão parece ter um efeito positivo na segurança rodoviária. A Comissão Europeia afirma que “é difícil determinar o efeito direto das disposições relativas à hora de verão nas taxas de acidentes”.

Agricultura

Um hora de claridade suplementar durante o verão pode ser uma vantagem, uma vez que permite um horário de trabalho alargado para as atividades no exterior, como os trabalhos no campo e de colheita.

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