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sábado, 11 de agosto de 2018

Ladrões de Bicicletas


Leituras para férias: Dois economistas comprometidos, como só se pode ser

Posted: 11 Aug 2018 12:23 AM PDT

Aproveitando o tema de sugestões de leitura para as férias, deixo duas sobre a história das ideias na Economia.
O primeiro, O Capital de Marx, escrito por dois destacados economistas marxistas dos nossos tempos, Ben Fine e Alfredo Saad-Filho, pretende “facilitar a leitura dos escritos económicos de Marx, ao fornecer uma visão geral estruturada dos seus principais temas e conclusões”. Este pequeno livro, editado pela primeira vez em Portugal no início do ano, já foi eleito “a melhor introdução à economia política de O Capital” por David Harvey, outro nome incontornável na divulgação da obra de Marx (o seu conjunto de aulas que acompanham a leitura do livro completo são de livre acesso aqui).
Uma leitura acessível que expõe os conceitos-chave da obra – valor de uso e de troca, trabalho remunerado e excedente, capital e as várias formas em que este aparece, mais-valia e lucro – e a sua importância para o que Marx escreveu sobre a natureza do sistema capitalista, a organização e exploração do trabalho, a circulação, acumulação e reprodução do capital, bem como sobre as suas contradições internas – a produção de enorme riqueza e enormes desigualdades, a tendência complexa para a queda da taxa de lucro, a sucessão de ciclos de expansão e crises violentas, contradições tão atuais nos nossos dias como quando Marx as identificou há 150 anos (o primeiro volume d’O Capital foi publicado em Outubro de 1867).
Os autores introduzem todas estas ideias numa sequência coerente, e terminam o livro com alguns apontamentos sobre a importância da obra para compreender os tempos que vivemos: a ascensão do neoliberalismo, o domínio do sistema financeiro, a diminuição do espaço para a decisão democrática e a urgência de alternativas, essa urgência que já motivava Marx no seu tempo.
Tem-se dito que Marx é um autor redescoberto periodicamente a cada crise do capitalismo. Lá fora, os principais jornais anunciam o “regresso” das suas ideias depois do último colapso financeiro. Este é um livro adequado para evitar as leituras superficiais e ter um primeiro contacto com uma das obras mais completas e fascinantes sobre a forma como se estrutura a economia capitalista.

O segundo é o livro Keynes, O Regresso do Mestre, de Robert Skidelsky, que saiu no fim-de-semana passado com o jornal Expresso (como parte de um conjunto de edições próprias). O livro, escrito pelo mais destacado biógrafo de Keynes, situa os principais debates em que o economista britânico se envolveu na primeira metade do século passado, sublinhando a relevância das suas ideias face à atual crise da teoria económica. O prefácio à recente edição do livro, de Francisco Louçã, é suficiente para esclarecer os leitores e as leitoras:

“O livro percorre três avenidas: começa com o estado atual da economia, discute depois o auge e declínio da revolução keynesiana, em que inclui uma curta biografia, e conclui com o regresso do keynesianismo. Escrito em 2009, logo no início da recessão global que se seguiu ao crash financeiro desencadeado pela crise do subprime no mercado hipotecário norte-americano, o livro parte de um auto de acusação contra o neoliberalismo (…) O fracasso da globalização e da financeirização, ou a crueldade das políticas que estas exigiram quando a crise se generalizou, era suficientemente ostensiva para que Skidelsky as tomasse como ponto de partida para recuperar “o mestre”.“

Dois livros sobre as ideias de dois nomes fundamentais na história do pensamento económico. Dois estudiosos comprometidos, como só se pode ser – o agitador que “queria decifrar a suprema intriga”, empenhado no estudo profundo da organização económica e na mobilização dos trabalhadores contra a exploração do sistema, e o liberal que “queria uma economia humana”, participando nos debates do seu tempo sobre a política económica do Estado e tentando exercer a sua influência.
Várias décadas depois, continua a valer a pena conhecer ambos.

Quem cozinhava o jantar a Adam Smith?

Posted: 10 Aug 2018 02:51 AM PDT

Proponho-vos uma leitura de férias sobre a Economia e as mulheres, best-seller com tradução em 10 línguas, mas ainda não em português, de autoria da jornalista sueca Katrine Marçal.
Sendo a escrita ligeira, a argumentação é acutilante e o tema bem sério. Trata-se de um livro de divulgação de economia feminista, que mostra como a economia é uma ciência misógina, dominada pela ficção do homo economicus, onde quase só há lugar para o interesse próprio egoísta e para as transações concorrenciais de mercado. O interesse colectivo, as relações sociais não-mercantis e a cooperação são menorizadas.
A reprodução e o cuidado das criança, idosos, e outros dependentes, predominantemente a cargo das mulheres, são invisibilizadas. Não obstante, são elas, as mães, e têm sido elas, as educadoras e as cuidadoras, tanto dos capitalistas como dos trabalhadores, que mantêm, generosamente, o sistema a funcionar. Mesmo depois de também elas terem passado a participar no mercado.
Se Adam Smith tivesse reconhecido a importância das refeições que a sua mãe lhe preparou literalmente durante toda a vida, talvez a ciência económica tivesse tido outra evolução, e o sistema funcionasse um pouco melhor para todos e todas. Por ter bem presente as interdependências que se geram em sociedades cada vez mais complexas, Katrine Marçal mostra que a economia feminista está bem colocada para uma abordagem mais holista ao modo como organizamos a provisão dos bens necessários à vida humana, de um modo social e ambientalmente mais equilibrado.
Em pleno século XXI, a dicotomia emprego-família é ainda uma questão que só se coloca às mulheres. Enquanto não for colocada à comunidade no seu conjunto, a desigualdade de género no trabalho e em casa perdurará. O facto de 17% das mulheres britânicas desempregadas terem de deixar o último emprego para cuidar de algum familiar, sendo este número de 1% para os homens, não é uma questão de escolha individual, livre e autónoma; é o resultado de uma economia política e moral que não oferece as mesmas oportunidades a homens e mulheres, sobretudo às mulheres das classes trabalhadoras, que não podem recorrer aos serviços, frequentemente informais e mal pagos, de outras mulheres para as tarefas da reprodução social de que só elas continuam a ser responsáveis.

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