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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Cegos, surdos e endividados

Pedro Ivo Carvalho

Hoje às 00:04

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A estridência das trombetas parece não estar a produzir os efeitos desejados. Os portugueses continuam a gastar à tripa-forra e os bancos continuam a emprestar-lhes dinheiro como se não houvesse amanhã. Melhor: como se não tivesse havido um ontem toldado por palavras que ainda se acotovelam nas gavetas negras da memória: austeridade, pobreza, desemprego, falência. Ao olharmos para a categorização dos créditos, percebe-se a lógica circular: o desafogo orçamental sentido por muitas famílias no pós-crise levou-as a orientar o poder aquisitivo para os alvos do costume: casa nova, carro novo. Só na concessão de créditos à habitação está mais de metade do bolo. Mas como infelizmente ninguém criou uma hashtag pomposa para tornar viral esta propensão lusitana para o abismo, não vemos os partidos a abordar o tema na sua narrativa mediática. O que se compreende: quem no seu perfeito juízo eleitoral está interessado em ser desmancha-prazeres, contrariando os bons ventos da retoma? Obviamente que abrir a torneira da Banca resultou da criação de um ambiente económico favorável, mas se a água começar a ficar contaminada (e os sinais estão à vista), a questão deixa de ser a intensidade do fluxo no abastecimento e passa rapidamente a ser a demora na instalação de um purificador.

Dez anos após a queda do Lehman Brothers e do soçobrante exército de vítimas, conseguimos ultrapassar a barreira psicológica dos dez mil milhões de euros emprestados, o que equivale a dizer que, por dia, os bancos estão a entregar 50 milhões aos consumidores. Não é possível ainda avaliar se os mecanismos de contenção anunciados pelo Banco de Portugal serão capazes de dissuadir o sistema financeiro, mas era capaz de jurar que a Banca só capta a mensagem se as recomendações passarem a obrigações. No fundo, se lhe for dado menos crédito e começarem a ser-lhes debitadas mais responsabilidades.

* SUBDIRETOR

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