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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Como é que se discorda estruturalmente do PSD?

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, 17/09/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

(Grande texto, ó Daniel. Eu aconselhava o Rui Rio a não perder e a reflectir. Talvez assim ficasse a entender melhor o que lhe está a acontecer. Nada melhor para a direita se reencontrar e tornar mais eficaz do que atentar às reflexões alguém de esquerda como tu, ó Daniel...

Comentário da Estátua, 17/09/2018)


"Todos aqueles que discordam do ponto de vista estrutural obviamente que é mais coerentemente saírem" do PSD. Esta frase, dita por Rui Rio no programa da TSF de Pedro Marques Lopes e Pedro Adão e Silva (Bloco Central), tem um problema de base: temos de descobrir o que é discordar estruturalmente do PSD. Partindo do princípio que Rui Rio não acha que o partido é ele, temos de imaginar que a discordância estrutural não se resume às suas posições ou às posições circunstanciais do partido. Ninguém se demite de um partido por isso. Uma discordância estrutural é anterior a isso. Ora, o PSD tanto é o de Rui Rio como o de Cavaco Silva o de Passos Coelho ou o de Manuela Ferreira Leite. É impossível alguém não discordar estruturalmente de algum deles.

Na verdade, não é Rui Rio que está perdido quando não consegue dizer que Mário Centeno não caberia num governo seu e não consegue renegar de uma penada a proposta do Bloco de Esquerda para combater a especulação imobiliária. Rio é apenas demasiado sincero ou ingénuo.

Faltam-lhe filtros. Mas quem está perdido há muito tempo é o PSD. Sempre o esteve. Não fosse o partido que, no tempo do cavaquismo, aumentou o número de funcionários públicos ao mesmo tempo que privatizava funções do Estado.

O PSD é um partido híbrido, sem paralelo na Europa. Isso não foi um problema quando a escolha era entre o comunismo e o resto. Isso não foi um problema na adesão à CEE. Isso não foi um problema no processo de liberalização controlada. Isso não foi um problema no tempo das vacas gordas. Agora, que a Europa e a crise obrigam a grandes escolhas, isso é evidente.

Este é um momento de clarificação e até de alguma radicalização do debate. Daqueles momentos quentes que acontecem sempre na história e sem os quais o mundo e as nações não evoluem. Levantam-se questões ideológicas fundamentais e o PSD não está minimamente apetrechado para se posicionar. Não preciso de dizer mais: acha que é social-democrata e está no Partido Popular Europeu. Tem vários dirigentes que recusam ser de centro-direita e está alinhado com a direita conservadora europeia. O PSD é uma coisa em forma de tudo e de nada. Não foi um problema enquanto se tratava de gerir a prosperidade ou um consenso que ia do CDS ao PS. Agora é.

.Aquilo que considerámos um desvio ideológico para a direita, protagonizado por Pedro Passos Coelho, não foi um acidente. Pode ter sido acentuado pela intervenção externa, pelo grupo de jovens ortodoxos que influenciava Passos e pela pouca preparação ideológica do então líder do PSD. Mas foi muito mais do que isso. A adesão dos socialistas à “terceira via”, a que o Partido Socialista de Sócrates não foi imune, e o que aconteceu em toda a Europa empurrou o PSD para a direita. Assim como empurra, neste momento, todos os partidos socialistas que se queiram salvar para a esquerda.

Passos foi a clarificação do que o PSD podia ser perante um PS que aceitou o fundamental da contrarreforma liberal, pedindo apenas um período de transição mais suave. Rui Rio tenta ser o que o PSD já não pode ser.

Havia um tempo em que Portugal podia ter um partido que só havia por cá. Uma direita única, envergonhada e atípica. Esse tempo passou com as fronteiras abertas, o povo na internet e o poder orçamental centralizado em Bruxelas. A direita social moderada que Rio quer já não existe. Com grande pena minha.

É claro que a sabotagem que os derrotados do PSD fazem ao novo líder é o problema mais imediato. E que as provocações de Rui Rio ao próprio partido ainda tornam tudo mais difícil de resolver. Mas para aguentar a revolta interna e a campanha mediática contra si, Rio precisa de um discurso que se perceba e que tenha alguma coisa a ver com o tempo que vivemos. Não chega o estilo de homem sério e austero. Não quer dizer que o discurso de Rui Rio esteja errado. Está, tal como Rio, demasiado desfasado deste tempo.

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