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sábado, 22 de setembro de 2018

Depois admirem-se!

22/09/2018 by Ana Moreno Leave a Comment

Foto: pictura alliance/dpa; Merkel, Seehofer e Nahles

O país está parvo. “Inacreditável”, “incompreensível”, “inaceitável”, “fantochada”, “uma farsa”, é o que se ouve sem cessar da maioria dos cidadãos e de grande parte dos seus representantes políticos.

Resumidamente, a inconcebível história (ainda por finalizar) é a seguinte:

26 de Agosto: Em Chemnitz, na Saxónia, (leste da Alemanha) um cidadão alemão de 35 anos é esfaqueado até à morte numa briga ocorrida durante um festival de rua. Os suspeitos, dois refugiados (um sírio e um iraquiano) são detidos.

Foi isto pretexto para a extrema-direita, que nesta região da ex-RDA tem a sua principal sede, desatar a atacar em manifestações violentas pessoas com aparência estrangeira. O número de manifestantes de extrema-direita e a rapidez com que se reuniram contrastou com a suspeita incapacidade da polícia (já pelo insuficiente número) de reagir à altura.

28 de Agosto: Merkel condena publicamente o acontecido: “O que se viu em Chemnitz não tem lugar num país onde prevalece o Estado de Direito. Temos imagens de pessoas a serem perseguidas, de gangues de manifestantes, demonstrações de ódio nas ruas. Não consigo salientar suficientemente que isto é incompatível num Estado de Direito. Referindo-se a um vídeo em que se viam dois homens estrangeiros a fugirem de perseguidores, Merkel classificou as perseguições como “caçadas coletivas”.

1 de Setembro: Quatro manifestações em Chemniz. 8.000 adeptos da extrema-direita/neonazis, saem à rua. Protestando contra ela, 3.000 pessoas. A polícia, desta vez, a postos. 18 feridos e 37 detidos. Ataque a jornalistas.

3 de Setembro: “Nós somos mais” – Concerto ao ar livre em Chemniz, contra a extrema-direita e a xenofobia – 65.000 pessoas.

7 de Setembro: Hans-Georg Maaßen, director do serviço de inteligência alemão (Gabinete Federal de Defesa da Constituição, BfV), contradiz Merkel, minimizando os protestos xenófobos e a violência de extrema-direita em Chemniz – afirmando que não tinha “informações fiáveis sobre quaisquer “caçadas” terem acontecido” em Chemnitz e questionando a veracidade dos vídeos que mostravam pessoas a correrem atrás de imigrantes nas ruas da cidade, afirmando que poderiam ser “fake news”. O ministro do Interior, Horst Seehofer (CSU), vem a público defender Maaßen.

Entre 12 e 17 de Setembro: A polémica aumenta. Maaßen volta atrás, afinal as imagens são verdadeiras. Vários partidos da oposição e o SPD, que integra a coligação no governo (CDU, CSU e SPD), exigem a demissão de Maaßen. A tensão na coligação aumenta. Uma reunião de urgência entre Merkel (CDU), Andrea Nahles (líder do SPD) e Seehofer (líder do CSU) acaba sem resultados e uma nova reunião é marcada para 18 de Setembro.

18 de Setembro: Ao fim de várias horas de reunião, um comunicado anuncia o compromisso alcançado: Maaßen é demitido do BfV; mas é destacado para outro posto no ministério do Interior, ficando sob a tutela de Seehofer. Uma vitória política para o ministro. Como secretário de Estado no ministério do Interior, Maaßen acaba assim por ser promovido e o seu salário mensal aumentado em 2.505,30 Euros. Para aquecer mais ainda a situação, Seehofer despede do seu ministério Gunther Adler, do SPD, para possibilitar a entrada de Maaßen.

A consternação e indignação são generalizadas. Comentário do Ex-líder do SPD, Sigmar Gabriel: “Se a deslealdade e a incompetência no cargo passam a ser recompensadas com saltos de carreira, Horst Seehofer tem a chance de se tornar secretário-geral da ONU. Isto é uma loucura.”

Nahles, sob o fogo cerrado do seu partido, vem explicar que Seehofer ameaçou romper a coligação se Maaßen fosse despedido e que não estava disposta a que uma questão ao nível do pessoal impossibilitasse a governação (o fracasso da coligação significaria muito provavelmente a realização de novas eleições).

Pois bem. Este resultado é tão absurdo, que demonstra à evidência o que de mais podre há na política, provocando a descrença até nos cidadãos mais sensatos e empurrando para as garras do AfD (o partido da extrema-direita) os que já tinham tendência para o populismo. Tudo isto porque Seehofer está decidido a atacar Merkel por todos os meios – ele que está em perigo de perder o cargo depois das eleições regionais da Baviera, em 14 de Outubro próximo. Por sua vez, Merkel não quer arriscar uma ruptura com o “partido irmão”, em especial em véspera das eleições regionais. Porém, a falta de uma resposta enérgica é interpretada por muitos como fraqueza da chanceler. Por seu lado, Nahles está sob enorme pressão dentro do partido, devido aos fracos resultados eleitorais e à rejeição, por cerca de 40% dos membros, de participação do SPD na actual coligação. Claro que depois desta fantochada, a última sondagem apresenta resultados ainda mais baixos. O AfD, pelo contrário, passou a segundo maior partido.

Encostada à parede, Nahles escreveu ontem a Merkel e Seehofer apelando a uma reconsideração da decisão: As reacções em larga medida negativas da população mostram que nós nos enganámos. Minámos a confiança, em vez de restabelecê-la. Isso deveria ser para todos nós motivo para fazermos uma pausa e repensarmos o que foi acordado” escreve a líder do SPD”. E declara: “Manifestamente, é incompatível com o sentido de justiça de muitas pessoas que o Sr. Maaßen, embora demitido como resultado de seu trabalho, seja simultaneamente promovido noutro cargo”.

Mas em que planeta vive esta gente que nos governa??? Não entra pelos olhos adentro de qualquer pessoa que isto é inadmissível??? Como é possível que nem sequer se apercebam de que uma promoção não é uma punição e que se alguém não é competente para um cargo, por declarações que o aproximam da extrema-direita, também não o é para outro cargo de alta responsabilidade?

Merkel anunciou ontem que o caso vai ser reconsiderado este fim de semana pelos três líderes, procurando-se uma “solução viável”.

Seja qual for o resultado, a credibilidade da política está de rastos e não admira. E o governo está por um fio. É assim que se reforça a extrema-direita.

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