Translate

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Ladrões de Bicicletas


É mesmo uma pergunta

Posted: 31 Oct 2018 02:00 AM PDT

Se defender um regime ditaturial, a subversão da separação de poderes, o recurso à tortura, execuções sumárias, a impunidade das forças policiais ou a perseguição das minorias, não contém nada de «eticamente reprovável», como sustenta Paulo Portas quando se refere aos «27 anos de vida pública do capitão Bolsonaro», o que é que poderá ser considerado «eticamente reprovável»?
A pergunta não é retórica, que dispense resposta. A pergunta é genuína. Porque só me ocorre (não me consigo lembrar de mais nada), a defesa - preto no branco - da reintrodução da pena de morte (coisa que Bolsonaro nunca terá formulado nesses termos, apesar da equivalente instigação à violência e à barbárie).

Acaba por disparar

Posted: 30 Oct 2018 03:15 AM PDT

“Bolsa brasileira dispara para máximo histórico após vitória e discurso de Bolsonaro”, informava o Negócios. O discurso e o programa económico têm todos os ingredientes de que este capital gosta: muitas referências a “empreendedores” e a “propriedade privada”. “Tem de vender tudo”, como já declarou o economista da Escola de Chicago Paulo Guedes, o futuro Ministro das Finanças.
Em artigo recente no El Pais Brasil, “Escola de Chicago floresce no autoritarismo”, Joaquím Estefanía fala do “estranho vínculo”, que se pode repetir no Brasil, entre autoritarismo político e neoliberalismo. Mas não há nada de estranho nos vinculados valores e interesses materiais. Aliás, a associação entre limitação, ou mesmo eliminação, da democracia e expansão radical do poder capitalista, perdoem-me, dos mercados, assim é que é suposto ser, tem sido teorizada pelos próprios neoliberais, quer nos meios, quer nos fins da política. E, para lá de devaneios distópicos, os neoliberais não são “anarcocapitalistas”, ao contrário do que diz Estefanía, mas antes gente que sabe que o poder do Estado é absolutamente fundamental para o triunfo do seu programa de sociedade.
A ameaça mais profunda está na economia política e na política económica. É isto que muita gente à esquerda tem descurado, aceitando muitos dos termos dos seus inimigos. Olhem sempre para a forma como um certo capital acaba por disparar...

Passos Coelho brasileiro

Posted: 30 Oct 2018 10:30 AM PDT

Leia-se esta notícia da Folha de S.Paulo de ontem e sinta-se o déjà vu.
O Brasil tem a especificidade da complexidade de um continente. Portugal é uma faixa à beira-mar com 10 milhões de habitantes. Mas os ideários - e os interesses - têm uma fonte. E é possível ver traços semelhantes porque são ideias importadas, impulsionadas por interesses estrangeiros.
Tal como Bolsonaro, Pedro Passos Coelho iniciou o seu triste mandato em 2011 com uma pretendida reestruturação do Governo, que seria - pretendia-se - o início de uma reforma do Estado, que libertasse recursos para a sociedade. Mas tudo acabou por borregar, de tal maneira que a estrutura do Governo ficou muito próxima do que estava antes. E a reforma do Estado - por ausência de ideias milagrosas e de coragem de fazer uma redefinição do papel do Estado como se prometera - morreu numa página A4 de Paulo Portas, que se destilou na sua vontade de fugir do Governo em Julho de 2013. Bolsonaro anunciou querer ir muito longe, mas ainda nem há governo e já cedeu aos industriais para que não mexa nas estruturas que eles dominam...
Passos Coelho também quis privatizar a Segurança Social no sentido anunciado por Bolsonaro - passagem dos dinheiros da Segurança Social para fundos nas mãos do sector financeiro. Primeiro, era o plafonamento das contribuições para a Segurança Social - o que daria cabo do equilíbrio das contas sociais, mas libertaria recursos para o sector financeiro. Depois, alvitrou-se o estudo das contas individualizadas que desse cabo do sistema de repartição actual, de solidariedade inter-geracional. Mas quando chegou ao poder recuou em toda a linha porque não tinha feito as contas e como a reforma iria prejudicar as metas orçamentais (apesar de ter dito que as tinha feito)...
Nem por coincidência, os assessores de Bolsonaro já afirmaram que a reforma é urgente, mas que as contas ainda não estão concluídas...  Apesar disso, as intenções têm o total apoio do sector financeiro, para quem a reforma está a ser efectivamente pensada.
Em Portugal, Passos Coelho ainda tentou uma transferência directa de dinheiros dos trabalhadores para as empresas em Setembro de 2012 (mediante uma mexida na TSU), mas o protesto nas ruas foi tal que recuou e nunca mais se levantou. Apesar disso, tudo foi repetido e aglomerado ainda em 2017, nem faz um ano. Mas Passos Coelho "morreu" entretanto para o PSD, ainda que tudo indique quer ressuscitar (já fora de prazo), mediante velhos apoios no aparelho.

Tal como Bolsonaro, também Passos Coelho defendeu os méritos de "contas certas" e os méritos de um aperto enorme nos apoios sociais (tidos como gastos). Mas para cumprir as estúpidas regras orçamentais (redução da dívida pública nominal - "temos de pagar o que devemos"), Passos Coelho vendeu o património público de sopetão e cedeu gratuitamente posições chave do Estado. Foi o caso da golden-share na Portugal Telecom, deixando ao desbarato de quem mandava na altura - o grupo Espírito Santo - com o desfecho que se viu. E o problema de fundo ficou por resolver, porque esse não era o objectivo propalado das privatizações, mas sim promover uma concentração da propriedade ao mesmo tempo que se retirava instrumentos políticos ao Estado.
Tal como Bolsonaro, Passos Coelho concentrou em si a privatização dos activos públicos. Cedeu empresas estratégicas a interesses internacionais. Quis privatizar a RTP, quis vender a Caixa Geral de Depósitos, depois recuou, depois voltou a querer abrir o seu capital tal como o queria o BCE e a Comissão Europeia, para depois, já em minoria no Parlamento, alvitrar que nunca o quis fazer...
É triste ver estas ideias frágeis, estes pequenos personagens ao sabor do vento que lhes dá por trás, quando em Portugal o seu papel foi mau, tudo correu mal, mesmo muito mal para o país. Uma enorme recessão, um recuo histórico no papel do Estado que se manifesta actualmente na degradação dos serviços públicos, e um aumento da pobreza e das desigualdades, com uma transferência financeira dos rendimentos do trabalho para as empresas, que se mantém no congelamento salarial durante anos e numa histórica emigração de pessoal qualificado.
Das poucas diferenças é que Paulo Portas não é o vice de Bolsonaro, mas sim um militar, com cumplicidades na hierarquia militar. Há já diversos generais na entourage de Bolsonaro. E quando e se Jair cair em desgraça com a aplicação do seu programa, quem sobe é o seu vice.
Havia em Portugal quem achava que talvez fosse melhor suspender a democracia para reformar o país. Pode dizer-se que era apenas para não se sentir aquela confusão da discussão pública e da comunicação social a criar ruído... Mas essa ideia foi aplicada no Chile de Pinochet, com a famosa escola de Chicago, da qual descende o futuro ministro da Economia Paulo Guedes. Veremos se a aplicação no Brasil da errada receita económica portuguesa - estando o país partido ao meio - não obrigará a implantar as condições chilenas de sucesso.
A polémica com a Folha de São Paulo não augura nada de bom...

Sem comentários:

Enviar um comentário