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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Antifascismo militante

Ladrões de Bicicletas


Posted: 07 Nov 2018 01:55 PM PST

No seu primoroso blogue A Terceira Noite, Rui Bebiano apela à “organização de um antifascismo militante”, capaz de fazer face à “extrema-direita mundial” em ascensão. Sem esquecer a solidariedade internacional possível e a atenção aos fenómenos internacionais de contágio, a escala nacional é hoje a mais importante para acção política, partindo de análises concretas das variadas situações nacionais concretas, incluindo das forças sociais em presença e suas bases materiais. Neste sentido, partindo da situação portuguesa, reafirmo: não importemos problemas, embora, dado o caso Bolsonaro, talvez tenha sobrestimado o grau de compromisso democrático de certa direita portuguesa dita liberal. É realmente preciso estar sempre vigilante. Sobre o fascismo, termo que realmente não deve ser vulgarizado, repito algumas notas a pensar sobretudo neste lado do Atlântico:
1. É necessário adaptar para estes tempos sombrios a famosa fórmula de Max Horkheimer sobre a relação entre capitalismo e fascismo: aqueles que não querem falar criticamente de neoliberalismo, da forma dominante de economia política hoje em dia, e que até querem defender as instituições supranacionais que garantem a sua perpetuação em parte do continente europeu, devem ficar calados sobre tendências fascizantes de novo tipo que lhe são endógenas.
2. A lógica da frente popular, do antifascismo mais consequente, nunca deve ser esquecida. Assim, vale a pena ler ou reler o discurso de Georgi Dimitrov sobre a estratégia das frentes populares, definida, em 1935, pela Terceira Internacional. Para lá da crítica ao sectarismo e da defesa de uma unidade política consequente, uma das apostas passou por não deixar a inevitável imaginação nacional entregue às direitas: “O internacionalismo proletário deve aclimatar-se, por assim dizer, a cada passo e deitar profundas raízes no solo natal. Ao revoltar-se contra toda a vassalagem e contra toda a opressão é o único defensor da liberdade nacional e da independência do povo”.
3. No seu extraordinário livro A Democracia – História de uma Ideologia, Luciano Canfora assinala precisamente como o antifascismo passou de um programa negativo, de resistência, para um programa positivo, de reforma na estrutura, sobretudo a seguir a 1945. Destacando justamente Palmiro Togliatti, outro dos grandes estrategas do antifascismo, Canfora localiza nesses anos de esperança o maior avanço do ideal democrático, consubstanciado constitucionalmente na república democrática, baseada no trabalho e na remoção dos obstáculos socioeconómicos no caminho de uma igualdade substancial, ou seja, de uma democracia avançada. Por cá, teríamos ainda quase três décadas de luta antifascista, rumo à revolução democrática e nacional.
4. Hoje não há internacional e desapareceu um dos freios e contrapesos que tinha contribuído para a institucionalização de formas menos polarizadoras e agressivas de capitalismo. Mas, de novo, só podem defender consequentemente os valores universais da solidariedade, que ganham densidade em estados soberanos, as forças democráticas enraizadas no solo nacional e que não aderiram à lógica supostamente leve dos fluxos e de um cosmopolitismo que mascara tantas vezes o imperialismo.
5. As sociedades mais igualitárias, seguras na sua identidade, são internacionalmente mais cooperativas, sabemo-lo há muito. E nós também sabemos bem como são hoje poderosas as forças que apostaram em destruir Estados no bloco afro-asiático e em esvaziá-los na Europa do sul. A história é repetição e novidade. Uma das boas novidades é que vivemos num mundo muito mais multipolar. A outra é que dispomos, aqui e ali, de constituições nacionais onde ainda sobrevivem algumas das marcas do antifascismo; constituições que de resto o capital financeiro e as suas instituições de suporte europeias ainda consideram um empecilho, lembrem-se.

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