02/11/2018 by António Fernando Nabais
Durante milhares de anos, poucos homens exploraram muitos sem que os explorados tivessem verdadeiramente à sua disposição instrumentos mentais, morais ou intelectuais que lhes permitissem perceber que estavam a ser escravizados, que a exploração era uma realidade. Pelo meio, claro, houve revoltas, houve Espártaco, houve jacqueries, houve Galileu e muitos outros que chegaram a mártires, mas foi preciso esperar por tempos mais recentes para que alguns filósofos, independentemente da sua condição burguesa, dessem aos explorados meios para, finalmente, pensar sobre a sua condição. Foi então que os oprimidos começaram a estrebuchar, a incomodar, a exigir, para espanto das classes altas, que, invariavelmente, reagiram com brutalidade, até que, em muitos casos, foram obrigadas, para sobreviver, a aceitar a democracia, sendo que, ainda assim, nunca deixaram nem deixarão de a minar.
O poder, ao longo de milhares de anos, encontrou sempre maneiras de se legitimar, legitimando a opressão que exercia, com a ajuda, entre outras, da religião. No caso da nossa Europa, basta lembrar que o rei era ungido (o mesmo que se disse, por exemplo, do Bolsonaro e já fora dito acerca de Salazar), o que lhe dava direito, na prática, a algo semelhante à impunidade. O equilíbrio de poderes era um equilíbrio entre poderosos (reis, papas, duques e outros) e não entre patrões e servos.
É, evidentemente, um anacronismo simplista considerar que o mundo foi de direita, mas a direita pura e dura descende de todos esses grandes senhores que nunca se conformaram com a perda de privilégios, que vêem com muitos maus olhos a gentinha que até foi estudar e que argumenta e que exige. A direita esteve, portanto, no poder desde o princípio da humanidade: o poder era do mais forte, do mais rico, do poderoso. O poder dividia-se por poucos. No fundo, não havia direita e esquerda, porque só havia um lado e esse lado sempre foi parecido com Hitler, Salazar, Franco, Pinochet, Noriega e muitos outros que, mesmo tendo nascido ideologicamente à esquerda, esqueceram-se ou nunca se quiseram lembrar dos fracos e dos oprimidos. Ser de direita é mais tentador do que ser de esquerda: basta ver as migrações entre os dois lados e descobrir-se-ão muitas zitas seabras e imensos durões barrosos.
O mundo é de direita desde que existe humanidade e, na defesa da manutenção dos privilegiados, continua a ser de direita, com uma União Europeia a impor favores às multinacionais e aos bancos. A raiva de PSD e CDS contra António Costa nasce apenas do facto de não serem eles a ocupar o poder, porque, de resto, apesar do apoio parlamentar de esquerda, Costa e Centeno são da direita que impõe austeridade a quem tem menos e dá largueza a quem tem mais. O mundo é da direita.
Trump e Bolsonaro, entretanto, foram eleitos e eis que a direita democrática desata a pôr as culpas na esquerda, no politicamente correcto, na defesa de causas tão fracturantes como escusadas, no folclore das barbas e da música de intervenção, na corrupção do Lula e da Dilma.
Os deméritos e os pecados da esquerda serão muitos, mas o Bolsonaro e todos os que trabalharam para que fosse eleito são de direita, numa tradição milenar de gente que domina o mundo desde sempre e que ainda é preciso combater ou aprender a combater. É uma máquina tão poderosa como a das grandes religiões, que, aliás, também participaram nesta e noutras tarefas. Amigos de direita, o Bolsonaro é dos vossos. Não queiram atirar todo o mérito da eleição para o demérito da trincheira contrária, até porque seria desvalorizar todos os que contribuíram para este resultado. Amigos de direita, o herói de Bolsonato chama-se Carlos Alberto Brilhante Ustra. Caso não conheçam, é primo do Mengele.
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