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terça-feira, 27 de novembro de 2018

O FMI e a redescoberta da Economia Política

Ladrões de Bicicletas


Posted: 27 Nov 2018 02:17 AM PST

No início deste verão, a propósito de um relatório anual publicado pela OCDE, discutimos a estagnação dos salários nos países desenvolvidos. Como explicação para o facto de a recuperação do emprego nestes países para níveis semelhantes aos registados antes da crise financeira de 2007-08 não estar a ser acompanhada pelo crescimento dos salários, o relatório apontava a baixa inflação e a desaceleração da produtividade. Contudo, ignorava os efeitos da financeirização e da liberalização do mercado de trabalho nos países da OCDE.
Um estudo recente de investigadores do FMI aponta neste sentido: contrariando a visão dominante entre os economistas, segundo a qual a distribuição funcional do rendimento (que, traduzido do economês, significa a divisão do rendimento total entre quem contribuiu para a produção, ou seja, trabalho e capital) é explicada pelo progresso tecnológico e pela produtividade dos fatores, o estudo reconhece o impacto negativo das reformas laborais levadas a cabo nas últimas décadas sobre os salários reais.
A novidade presente no estudo prende-se com o facto de passar a ter em conta o poder negocial de ambas as partes como fator explicativo do crescimento dos salários. Os investigadores concluem que “além de outros fatores (não mutuamente exclusivos), as alterações institucionais que enfraqueceram o poder negocial dos trabalhadores desempenharam um papel importante” na estagnação dos salários. Por outras palavras, os investigadores do FMI limitam-se a recuperar elementos com longa tradição na Economia Política, de Smith e Marx a Veblen e Keynes, como a relevância do contexto institucional e das relações de forças sociais na evolução das economias. Ronald Jansen, consultor de política económica para a OCDE, resume as conclusões do estudo de forma certeira: “O FMI parece descobrir que a proteção laboral não é de forma nenhuma neutra na determinação da distribuição dos rendimentos. O que está em causa na desregulação do mercado de trabalho é que o trabalho sai perdedor, ao passo que o capital vence.”
O enfraquecimento do poder de negociação dos trabalhadores tem como consequência a diminuição dos salários e da parte da riqueza produzida que reverte para o trabalho. Esta conclusão é facilmente verificável quando olhamos para a evolução da parte dos salários no PIB destes países nas últimas décadas (a percentagem do produto total que é paga aos trabalhadores).

As reformas laborais, concretizadas através da facilitação dos despedimentos e da contratação a tempo parcial ou sob novas formas de contratação precária, foram defendidas pela doutrina económica dominante, por vários governos à direita e ao “centro” e pelas instituições europeias e internacionais (como o próprio FMI) como necessárias para diminuir o desemprego, aumentar a produtividade e promover o dinamismo da economia. No entanto, o estudo agora publicado contraria o consenso dos últimos anos e conclui o oposto, identificando os efeitos negativos destas reformas sobre os salários, a recuperação económica e a desigualdade. Embora pareça pouco provável, seria bom que instituições com influência política como o FMI ou a OCDE as tivessem em conta no futuro.
Ao reconhecer o papel fundamental da regulação laboral e da organização coletiva dos trabalhadores, o estudo recupera elementos da Economia Política que têm sido ignorados nos últimos tempos pelas instituições internacionais. Convém não esquecer que a evolução das economias depende sempre do contexto histórico e político em que se inserem, e não apenas da suposta “mão invisível” do mercado sem restrições. Por esse motivo, a recuperação de rendimentos e o combate à desigualdade salarial têm de passar por medidas de reforço da proteção dos trabalhadores. Sem surpresa, a relação de forças social continua a ser determinante.

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