Ladrões de Bicicletas
Posted: 24 Nov 2018 01:00 AM PST
Um editorial recente no Público terminava assim: “Valha-nos Merkel”. Sugiro que este seja o epitáfio do europeísmo realmente existente neste jornal, o epitáfio da imaginação do centro dominante entre as elites intelectuais e políticas desta e de outras periferias europeias.
Realmente, é requerida muita imaginação pós-nacional para fazer da melhor encarnação política do capital industrial exportador e da banca do centro alemão uma garantia do que quer que seja de decente nas causticadas periferias e para lá delas. Com a sua intransigência na defesa dos superávites externos alemães e da moeda disfuncional que os garante, Merkel foi o rosto da austeridade europeia que lhes é inerente; um dos principais factores de instabilidade económica internacional, em suma.
Entretanto, é trágico ver o que resta da social-democracia europeia a aplaudir o ordoliberalismo alemão que a destruiu, julgando, contra a evidência mobilizada pela história da economia política, que esta forma de anti-socialismo e de anti-keynesianismo é outra coisa que não uma variação do globalismo neoliberal.
Neste contexto, é também trágico ver o que resta da social-democracia europeia a tentar agarrar-se ao perigoso plástico político que ainda flutua por aí – Macron 2017 = Le Pen 2022. Estou de resto cada vez mais convencido que o laboratório italiano mostra aos dependentes objectivos e subjectivos de Merkron o seu futuro. Afinal de contas, as classes subalternas reconstroem sempre um espaço nacional, graças à esquerda ou apesar dela ou mesmo contra ela.
Mas valha-nos ao menos Merkel por causa de Trump. Repito-me, uma vez mais, contra este liberalismo do medo que só serve para tolher amplos sectores intelectuais ditos progressistas:
Na verdade, a UE nunca será um contraponto a Trump, porque sempre cresceu à sombra do poder imperial norte-americano e assim espera continuar. No quadro da acomodação, de resto já em curso, com a nova administração, quanto muito haverá um perigoso reforço do militarismo europeu, com maior investimento nas forças armadas em países como a Alemanha. Trump espera assim aligeirar o fardo financeiro dos EUA com a NATO.
E acrescento: não se esqueçam finalmente dos efeitos políticos internacionais contraproducentes dos superávites alemães, alimentado a economia política (inter)nacional de Trump.
Sim, o valha-nos Merkel é mesmo um bom epitáfio.
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