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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

À boleia da bola de Ada

Opinião

Miguel Guedes

Hoje às 00:01

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  • Há um linha de marcação, admito que por vezes difusa, entre o que é normal, o que pisa o risco ou o que vai para além do limite. Infelizmente, ir para lá da linha significa, tantas vezes, ir para mares já muito dantes navegados. Quando nada é novo.

    O fenómeno da exclusão, segregação, racismo e sexismo, todos os dias diz presente. Alimenta-se da aparente normalidade dos grunhidos ou da distracção ocasional, como aquelas doenças-mosquito com várias estirpes: atacam, resistem, transformam-se, multiplicam-se, atacam. E tem, ao contrário do seu ideário, múltiplas peles e camadas, diversas zonas de torção sem quebrar ou vergar à vista. Já não é só corpo bruto. Por vezes, a discriminação veste-se de filigrana, assalta frontalmente ou pela calada. A mudança em sociedade passa pela identificação e pela luta.

    O politicamente correcto procura dominar o mundo, como se fosse o ponta de lança de um fenómeno de higienização controlado por betos. Porque nada é imune ao processo, tenta invadir a luta feminista. E será este um dos maiores desafios desta luta: não deixar que isso aconteça. O politicamente correcto não detém a razão ou a verdade. É, vulgarmente, o senso comum onde o bolor se encontra, a meia medida da paz-podre feita em tempo de guerra, o caldo knorr da sopa de pedra. É o corte com a urgência e com a necessidade de atalhar caminho, é o vale das lamentações. Não é bom senso, não é educação coisíssima nenhuma. É o mata-borrão da cor.

    Ada Hegerberg, norueguesa, foi a primeira mulher distinguida com uma Bola de Ouro. Gala em Paris, palco. Do momento da entrega do prémio, rezará a lápide da história que um DJ a interpelou sobre uma dança sexual em detrimento da sua inata capacidade para jogar futebol. Pouco habituado a que lhe mexam nos botões, Martin Solveig leva alguns para abotoar nos seus panos. Sobre o melhor "sample" cai a nódoa quando o "sample" é antigo: a estoica ideia de que as mulheres são boas para abanar os quadris. Se muita da luta feminista fosse contra o mau gosto, metade ficaria resolvido.

    Depois vem a outra metade, a que interessa tanto ou mais: a luta pelos direitos, pela erradicação da violência, pela não reprodução da desigualdade e da pobreza no trabalho assalariado, no trabalho doméstico ou na prestação de cuidados. Pela educação. A sessão pública de amanhã da "Rede 8 de Março" (na Faculdade de Belas Artes do Porto) apanha a boleia da crescente luta pelos Direitos das Mulheres que culminará na Greve Feminista de 8 de Março, marco-internacional-locomotiva da luta pela igualdade. Que a esquerda, toda a esquerda, não se furte ao combate. Que a CGTP não se acanhe por serem "só" mulheres em luta por todos.

    Músico e jurista

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