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domingo, 23 de dezembro de 2018

Coletes amarelos: Fracasso apesar do "apoio" da PSP

Ladrões de Bicicletas


Posted: 22 Dec 2018 09:59 AM PST

A iniciativa que tentava reproduzir os acontecimentos em França com os coletes amarelos redundou em fracasso. E isso aconteceu apesar da promoção feita, consciente ou inconscientemente, pela própria Polícia de Segurança Pública (PSP).
Com vários dias de antecedência, o comando da PSP informou a agência Lusa em que previa "manifestações de grande dimensão em todo o país".

"Vamos ter manifestações de grande dimensão em todo o país e mandam as regras do bom senso ter pessoal operacional", disse à Lusa o porta-voz da Direcção Nacional da PSP, intendente Alexandre Coimbra, adiantando que a preocupação neste momento se prende com a dimensão do evento e não com qualquer informação de possíveis confrontos.


Como se já não bastasse, a PSP informou a comunicação social de que iria chamar os seus agentes que estivessem em folgas e créditos de tempo, dando uma imagem de emergência. Era preciso mobilizar 20 mil polícias, algo semelhante à proporção da mobilização da polícia francesa.   Como foi dito, era um "dispositivo adequado", mas pedia-se que tudo fosse pacífico.
Dois dias antes do dia de protesto, a PSP - de novo - divulgou o mapa das manifestações programadas, com locais e horas previstas. Previa-se que as tais manifestações de grandes dimensões ocorressem em 17 pontos do país: Lisboa, Porto, Aveiro, Braga, Viseu, Viana do Castelo, Setúbal, Coimbra, Santarém, Castelo Branco, Bragança, Évora, Faro, Guarda e Leiria. Também foram formalmente comunicadas manifestações nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Com base nessa informação, o JN até fez uma infografia:

Publicado no JN

Houve mesmo sites que usaram uma expressão equívoca, mas que até correspondia à realidade: "PSP divulga locais de manifestações".
E não fez só isso: previu que a maior manifestação seria no Marquês de Pombal em Lisboa, onde estão previstas “centenas de pessoas” e - pasme-se! - que é de lá que deverá partir um desfile em direcção à Assembleia da República durante a manhã. O que nunca veio a acontecer, talvez por desorganização.

Estas informações foram prestadas - parece - depois de contactos entre a PSP e os organizadores das manifestações (este link foi desactivado). Mas fê-lo no Porto e Braga e estava programado reunir-se com os promotores em Lisboa, o que deve ter acontecido.
Ao contrário do que se disse depois - que se tratava de um movimento convocado nas redes sociais, inorgânico - afinal havia organizadores e até um auto-proclamado Movimento dos Coletes Amarelos de Portugal (MCAP). Sabia que as movimentações programadas estavam a ser aproveitadas para o lançamento de iniciativas da extrema-direita. Como escreveu o Expresso, citado pela radioalfa:

O movimento tem várias faces e perfis no Facebook, mas tanto quanto é possível perceber terá começado em novembro através de um grupo de camionistas, que lançou a ideia de um protesto nacional nas redes sociais. A ideia terá ganho força própria e, paralelamente ao Mcap, surgiu também o “Vamos parar Portugal”. Os dois movimentos começariam a ‘agir’ em conjunto nas redes sociais até que, na semana passada e depois de terem sido noticiadas as ligações do “Vamos Parar Portugal” a grupos da extrema direita, “cortaram relações”, diz a fonte contactada pelo Expresso.


A PSP estava no meio deles, para melhor os seguir através de agentes infiltrados, foi a informação prestada oficialmente. Mas havia uma mensagem: o MCAP nada tem a ver com a extrema-direita:

A PSP tem debaixo de olho, há mais de duas semanas, todos os grupos organizadores do protesto "Vamos parar Portugal", que começou a ser preparado nas redes sociais há mais de quatro semanas e pretende replicar, sexta-feira, por cá, os efeitos dos "coletes amarelos" de França. A monitorização está a ser feita através de grupos no WhatsApp, em redes sociais e pequenas reuniões que têm sido realizadas nos últimos dias, apurou o JN junto de elementos da força de segurança - que tem este protesto sob sinal vermelho sem o "tentar desmobilizar". O país pode parar amanhã. Ou não. Para já, uma das principais conclusões da PSP é que não se confirma a alegada ligação à extrema-direita dos mentores do Movimento Coletes Amarelos Portugal (MCAP) - que organiza o protesto. "Aquilo que tem sido identificada é uma militância organizada, sem ideologia e muito populismo", apurou o JN.


Todas estas informações oficiais da PSP - como era de esperar - espalharam-se como fogo pelo feno.
Os meios de comunicação social reproduziram estas informações oficiais e - consciente ou inconscientemente, sob a pressão da concorrência e da informação - acabaram por participar maciçamnte na convocação das manifestações. Foi mesmo como que um programa lançado com a sustentação da totalidade comunicação social. Foi na rádio, nas televisões (RTP ou  TVI), até nos bombeiros e aos confins da lusofonia. Depois da PSP, divulgar o mapa das manifestações, cada órgão nas referidas localidades e cidades e estradas amplificavam o que se passava na zona. As autarquias criavam novas notícias ao reagir ao anunciado. Difundiam-se conselhos para evitar os protestos. Até as que ficavam de fora do protesto, difundiam a novidade. Até se difundia o escudo da PSP na promoção das manifestações.
O plano era já dado como adquirido. Veja-se o Expresso, citado pela radioalfa, com a descrição de algo que parece uma operação militar:


Uma marcha lenta e buzinão na ponte 25 de Abril e no IC 19, que permite o acesso dos automóveis vindos da linha de Sintra para Lisboa. No Marquês de Pombal, nas portagens de Alverca da Autoestrada do Norte e nas da A8 que recolhe o trânsito da zona do Oeste que vem para a capital ou na entrada da Ponte Vasco da Gama no sentido Sul/Norte. A partir das sete da manhã da próxima sexta feira, todas estas vias de acesso a Lisboa vão ser alvo de ações do “Movimento Coletes Amarelos de Portugal”.


Esta propagação era mais do que expectável. Era previsível. Se o objectivo era evitar que se desse um evento de elevadas proporções, então a estratégia adoptada foi a contrária. Porque a PSP é uma fonte oficial, policial e com contactos com outras formas de segurança, por isso tida como credível. Era com se houvesse um apoio informal de elementos da PSP à manifestação, algo que transparece de mensagens na internet que eram lhe eram dirigidas (ver Movimento da PSP apoioa manifestações dos coletes amarelos?).
Dada a dimensão e velocidade da propagação, a situação começou inquietar politicamente. Membros do governo estavam a ficar "muito preocupados". Como se afirmava no Público:

Um membro do Governo admitiu ao PÚBLICO a sua preocupação com a possibilidade de os protestos virem a ter uma adesão significativa, nomeadamente na sequência da revolta dos "coletes amarelos" em França e com a reacção de Macron. Ou seja, o facto de o Presidente francês ter cedido a algumas das revindicações feitas pelos manifestantes, nomeadamente o aumento de 100 euros no salário mínimo, pode eventualmente levar os portugueses a acharem que vale a pena protestarem porque há exemplos de governos a cederem sob a pressão da rua.


A revista Sábado fazia eco dos receios do Governo de que as "manifestações possam ser infiltradas por movimentos extremistas e por criminosos comuns, que provoquem violência, destruição e roubos". O presidente da república foi apaziguar os camionistas antes da manifestação. o poder político alertou para populismos. As duas centrais sindicais desmarcaram-se da convocação.

Depois de tudo, o resultado final foi um autêntico fiasco. Para uma manifestação altamente promovida pela comunicação social, o desfecho foi risível. Em muitos locais, como em Lisboa e Coimbra, havia mais polícias do que manifestantes. De onde tinha vindo a informação inicial de que se realizariam "manifestações de grand dimensão em todo o país"? Marcelo Rebelo de Sousa elogiou "a maturidade, sensatez  bom senso" dos portugueses".
Dito isto, há uma questão que não se deve afastar:
Há razões para o surgimento de um movimento popular de coletes amarelos em Portugal. E mais tarde ou mais cedo isso pode acontecer.
A desvalorização continuada do trabalho, a desarticulação do aparelho de Estado (na Saúde, na Justiça, etc.), a desarticulação e progressiva desvalorização pela lei das formas regulares de representação sindical, a atomização da relação cívica, a corrupção larvar que se pressente nas relações financeiras com o Estado, a cobertura oficial do que se passa no sistema financeiro, a injustiça que representa o actual sistema judicial, a ampliação das desigualdades sociais, etc., etc., tudo isso está a cavar um fosso enorme entre a classe política e o povo. A social-democracia está a suicidar-se. Veja-se o que foi recolhido pela JN:

Ao JN, Hirondino Isaías, membro do PS de Lisboa, que faz parte da organização, garantiu que o MCAP começou na Região Oeste, com "gente simples, trabalhadora, sem ligações à extrema-direita". "Há uma insatisfação geral e queremos mostrar à classe política que o sistema tem de mudar e responder a uma necessidade de credibilidade", disse. Num encontro em Setúbal, terça-feira, entre as 20 pessoas, estavam casais com filhos, trabalhadores portuários e jovens. Não há só uma razão: "É tudo: salários baixos, reformas pequenas, a corrupção...". O sucesso do protesto pode depender da adesão de camionistas. Para já, nenhuma associação do setor participa.

Recorde-se que, quando se deram os movimentos em França, a reacção oficial do governo Macron foi - como forma de desmobilização - alertar de que se tratava de um movimento da extrema-direita. E que "profissionais do distúrbio" viriam dos bairros periféricos "partir tudo". E que iria haver mortos.
Se desta vez parecia haver em Portugal uma tentativa de aproveitamento por parte da extrema-direita, possivelmente a esquerda deveria começar a pensar se não quer estar nesse movimento. Porque todas as razões que levaram franceses à rua, existem em Portugal. Resta saber se a esquerda quer a direita e a extrema-direita a capitalizar esse movimento de descontentamente geral contra uma certa forma de governar - à direita, sulinhe-se - que se tem vindo a verificar durante décadas, independentemente de quem está no poder. Mas isso fica para outro post.

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