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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

"Coletes amarelos": para lá da emissão da televisão

Ladrões de Bicicletas


Posted: 06 Dec 2018 11:49 AM PST

Aconselha-se a procura no youtube das imagens do último sábado em Paris, para que se possa ter uma ideia mais real do que foi.
Que se tente ver as imagens apenas pelo som da violência. A violência de quem tomou a iniciativa de protestar contra a degradação social, a violência da repressão, a violência da reacção à repressão, tudo indiciando uma sociedade doente. Tudo tão longe das imagens, tomadas à distância, dos correspondentes nacionais na capital francesa, como foi o caso da RTP.
Ao início, a jornalista Rosário Salgueiro mostrou uma sincera simpatia pelo movimento dos "Coletes Amarelos" em França. Era na altura em que protestavam contra a subida dos impostos. Nas emissões televisivas, parecia partilhar os seus pontos de vista sobre a carga da carga fiscal nas suas vidas. "Às vezes falamos menos nestes directos deste caldo social que explica estes fenómenos", "há pessoas completamente desconectadas da realidade". Preocupações sociais que raramente se viram nas suas reportagens de França, sempre muito centradas - talvez por pedidos de Lisboa - sobre uma agenda mais política, vista de quem governa e não de quem é governado.
Mas depois, quando o movimento começou a ganhar visibilidade, complexidade e corpo na capital, a sua reacção passou a ser outra. E de que maneira.
A jornalista passou, no sábado passado, um dia inteiro no Arco do Triunfo, falou dos "profissionais dos distúrbios" e criticou a falta de eficácia da polícia. Para ela, tudo se assemelhava a "um jogo do gato e do rato", em que os manifestantes fugiam da polícia para aparecer noutro lado, sem se aperceber - "vamos agora para trás da polícia, para nos protegermos" - do nível dos confrontos havidos (ver aqui) ou da tensão latente entre manifestantes e polícia (ver aqui).
Para a jornalista, a polícia era demasiado pacífica, demasiado branda, a lidar com os manifestantes: apenas os empurrava... Dizia ela em directo, ao final da tarde de sábado: "Em Portugal, há o uso do cassetete que - permitam-me dizer - é muito mais rápido a solucionar". Para lá de ser sempre estranho ouvir uma jornalista defender o uso violento da repressão de manifestações, a jornalista deu mostras de não se ter apercebido de que a polícia usou forte e feio o uso dos seus instrumentos (como se pode ver aqui). Quando questionada de Lisboa sobre se Macron estava em causa, hesitou e, por fim, respondeu: "Não... Macron tem a legitimidade política para governar..."
Na 3ªfeira, a correspondente da RTP já assinalava com mais veemência a inversão de tudo: "Macron está em risco, uma sondagem saída hoje de manhã..." Nessa altura, Macron teria apenas o apoio de 23% dos franceses: "Faz lembrar François Hollande em 2013/2014", então contestado pelo movimento dos gorros vermelhos.
Mas a jornalista assinalava também uma mudança no movimento dos "Coletes Amarelos: passou de uma iniciativa "cidadã", para ser outra coisa - bem horrível, parece - uma contestação sindical. E pior ainda: com a malta das periferias que apenas podia ser posta na ordem com o exército. Quase parecia um apelo à reedição do desfecho do que se passou em Paris... em 1871. Dizia a jornalista:

"Os gorros vermelhos eram organizados, sindicalizados e (...) voltou tudo ao normal ao fim de um ano com um recuo também. (...) Agora, a contestação dos "Coletes Amarelos" é bastante mais grave, porque é desorganizada e está a crescer: Vimos liceus a arder...(...) A partir de domingo, foi convocada uma greve dos transportes de mercadorias, sem fim à vista. Os agricultores para a semana ameaçam vir para a rua. E esta contestação que começou por ser cidadã (...) vai juntar-se aos sindicalistas e os sindicalistas vão juntar-se a ela. E depois no sábado há esse perigo iminente..." A jornalista faz então ecos dos conselhos do Governo para que os franceses não venham à capital. "Ora, uma cidade que ainda não recuperou das marcas do passado sábado. Comerciantes, moradores não estão a limpar nada. As paragens de autocarro continuam partidas, as vitrines..." E também dos conselhos da polícia, porque tudo será "pior do que no último": "Os jovens que vão vir sobretudo das periferias, vêm armados com aquilo que puderem para partir". Museus, galerias vão retirar tudo "por causa das pilhagens". "É um país, uma cidade, uma capital em estado de alerta máximo, com os republicanos [designação para os macronianos] a pedir o estado de urgência que permitirá que os militares venham para a rua". E, finalmente, a crítica a Macron que "não fala, não diz nada..."

A mesma crítica a Macron nas suas crónicas de 5ªF. Enquanto o Governo recua (por duas vezes) mas apenas no imposto sobre os combustíveis - será para dividir os "coletes amarelos"? - a correspondente em França lembra que todos pedem a intervenção pública de Macron, mas que o presidente francês apenas comunica através do gabinete de comunicação social. "Uma cacafonia com o Governo que não apazigua a rua". Os "Coletes Amarelos" querem uma resposta até 6ªF.
Veremos o que dirá amanhã, final do prazo dado ao Governo.
De qualquer forma, aconselha-se aos que os jornalistas tomem precauções. É que, de repente, podem ficar do lado errado da História, como aqueles que, durante os confrontos de Maio de 1968, se preocupavam com o vandalismo ou com o facto de, após a noite das barricadas, o Quartier Latin parecer ter sido fustigado por uma tempestade, sobre a qual, aliás, mais ninguém falou nas décadas seguintes...

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