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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Ladrões de Bicicletas


Dá mesmo vontade de colocar um colete

Posted: 05 Dec 2018 02:38 PM PST


O que é mais impressionante quando se participa dessas reuniões espontâneas em todas as rotundas do país, é talvez, para lá da raiva, a alegria que anima o povo. Como se sair de casa, ocupar o espaço público e engajar-se em conversas políticas com estranhos já fosse um fim em si mesmo, o começo de um renascimento. Porque essa experiência é de um tipo incomum: humana e viva, como eventos desportivos, mas muito mais profunda pela sua dimensão cívica. Todos os coletes amarelos sentem confusamente que são mais uma vez povo pela primeira vez desde há décadas; que um sistema odiado por eles, que pensava tê-los conquistado, é subitamente deslegitimado pelo seu aparecimento; que os cidadãos virtuais, chamados a expressar sua escolha sob restrição em eleições específicas, tornam-se cidadãos reais, capazes de desempenhar um papel importante na vida da cidade. Nestas centenas de ágoras improvisadas, cada um sente renascer em si um autêntico vínculo cívico, a fraternidade que surge espontaneamente das discussões políticas. É uma fonte de alegria profunda que essa palavra seja divulgada e trocada entre os cidadãos.
(...)
Trinta anos de frustração, ressentimento e amargura face ao declínio da coisa pública imposta a uma França relutante por governantes conformistas e covardes em nome de uma adaptação sem fim à globalização e de uma submissão necessária para uma construção europeia supostamente salvadora. Trinta anos de regressão social, de desregulação financeira, de enfraquecimento económico e de recuo do Estado em todos os domínios. Trinta anos de raiva reprimida que de repente explode na cara dos nossos dirigentes, atordoados pela ressurreição súbita do povo como força política directa e activa. Hoje, num justo retorno, ocorre um relembrar súbito da realidade fundamental do nosso universo político: não há democracia sem demos. Que seja preciso recordar essa evidência no ponto em que estamos, é algo que diz muito sobre a degeneração política, a desvitalização da democracia que caracterizou as últimas três décadas.
(...)
Os ministros afirmaram repetidamente que é difícil saber o que os Coletes Amarelos realmente queriam, já que suas reivindicações são diversas e às vezes confusas, mas é possível resumi-las numa única ideia: eles querem que o governo adopte uma política económica precisamente contrária a que tem conduzido até agora, o que significa substituir uma política da oferta inepta e destrutiva - as últimas décadas são uma prova irrefutável disso - por uma política da procura, ou seja, por um grande plano de investimento público de várias dezenas de mil milhões de euros, destinado a estimular o crescimento, criar empregos maciçamente, financiar a transição ecológica e restaurar, finalmente, as funções degradadas do Estado republicano. Para ser eficaz, um tal plano necessariamente implica fazer saltar o ferrolho europeu, livrando-se das restrições comunitárias e, idealmente, recuperando a nossa soberania monetária, retomando o controlo do banco central e instaurando temporariamente restrições à livre circulação de capitais. Por outras palavras, lançar uma revolução ideológica e institucional que varreria o essencial da UE.

Alguns dos excertos do notável artigo de Eric Juillot sobre uma revolta que faz sentido, disponibilizados e traduzidos aqui pelo nosso comentador ST, a quem agradecemos.

Eles têm medo

Posted: 05 Dec 2018 02:42 PM PST

Uma das múltiplas virtudes da mobilização popular intransigente, dos coletes amarelos, é a transferência de algum medo de baixo para cima. Só desta forma realista, alguma transferência de recursos de cima para baixo pode ocorrer. Macron está com medo. Esperemos que tenha cada vez mais medo. Agora, parece que até está a considerar reinstituir um dos impostos que a sua presidência dos ricos, para os ricos e pelos ricos tinha abolido: o imposto de solidariedade sobre as fortunas. Voltar ao quase tão impopular status quo de Hollande não chega, claro. Portanto, bravo povo francês, ainda mais um esforço, ainda mais um exemplo.

Actualização. Afinal, o amedrontado e desorientado Macron ainda se opõe à reinstituição do imposto de solidariedade sobre as fortunas. Entretanto a notícia do The Guardian, a que fiz ligação, foi alterada, sem qualquer indicação da mudança do título e da profunda revisão feita ao texto. Confirma-se que Macron ainda é o presidente. Só dos ricos, claro. Portanto, bravíssimo povo francês, muito mais esforços, muito mais exemplos.

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