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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

PSD: dois caminhos errados, um certo no meio deles

  por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 18/12/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Vamos esquecer a parte canalha dos confrontos internos do PSD. Vamos esquecer a fila de candidatos ao desemprego se forem corridos das listas por Rui Rio. Sabemos que é isso que move grande parte das fugas de informação que queimam dirigentes e deputados próximos de Rio que, enquanto estiveram do lado certo da História, não sofriam as consequências dos seus pecadilhos. Vamos tentar tratar do que na indigna luta interna do PSD tenha alguma dignidade.

Há duas correntes estratégicas que se confrontam na direita nacional.

A primeira deseja o regresso ao Passos sem troika, com ou sem o antigo primeiro-ministro. Sem a intervenção externa, teriam de assumir sem proteção o seu radicalismo ideológico. Independentemente dos seus aparachiques partidários, esta corrente foi influenciada por jovens académicos e empreendedores ideológicos que até fundaram um jornal com investimento a fundo perdido. Não tendo implantação social para criar um partido próprio, encontraram no PSD e no seu anterior líder o espaço para a sua ofensiva. Falharam a boleia de Santana Lopes. Tendo perdido o embate interno, apostam na sabotagem para voltarem a ganhar o PSD ou para o destruírem, esperando que outra coisa tome o seu lugar.

Um dos ideólogos desta corrente deu recentemente uma entrevista ao jornal da militância (ver aqui), onde defendeu duas estratégias fundamentais: clarificação ideológica e unidade da direita. Miguel Morgado tem razão: cabe ao PSD falar com o conjunto de forças à direita, criando um bloco alternativo em torno de um pouco mais do que a conquista do poder, não lhe cabe fazer pontes para um bloco central anacrónico. Mas tem um problema bicudo: a sua agenda ultraliberal não tem adesão popular. É uma boa agenda para um pequeno partido, talvez até para o CDS, para um think tank, para um grupo de académicos, para o Twitter, mas não constrói, num país pobre como Portugal, um partido popular. Morgado quer formar um bloco de direita e está certo. O problema é querer unir toda a direita em torno de uma agenda de nicho.

A segunda corrente, representada pela atual liderança, quer manter a moderação no partido e está certa. Vive numa razoável indefinição programática, tentando recuperar uma matriz vagamente social-democrata, que resultou da indefinição ideológica que permitiu ao PPD, no seu nascimento, herdar a base orgânica da União Nacional e candidatar-se à Internacional Socialista. Mas sofre de excesso de humildade. Rui Rio assume, quase sem luta, que não vencerá as próximas eleições legislativas, propondo-se a pouco mais do que retirar o BE e o PCP da esfera do poder. Imaginando que é essa a grande preocupação do povo de direita, ele sabe que tem uma solução mais expedita e segura: dar maioria absoluta ao PS. Se ouvirmos representantes de grandes empresários, é para isso mesmo que apontam. Os que recusam esse caminho é porque detestam mais o PS do que os partidos que estão à sua esquerda. O discurso de Rio só os afasta. Rio está ensanduichado entre os que só querem afastar BE e PCP e os que querem afastar toda a esquerda. E o seu discurso não serve nenhum deles.

Parece-me que as duas estratégias estão condenadas ao fracasso. Que a certa está algures entre elas. O que faz sentido é o PSD liderar um bloco de direita, deixando que o PS faça o mesmo no seu espaço e apostando no confronto entre dois blocos alternativos. Rio Rio só tenta a aproximação do PS porque essa é a única forma que encontrou de dar um sinal de moderação. Em matéria programática, não conseguiu construir um discurso próprio. Porque não cortou com o legado de Passos Coelho, forma clara de assinalar a mudança de rumo sem namoros com os socialistas.

Seria absurdo o PSD querer voltar ao passado, seja ele o de Mota Pinto ou o de Passos Coelho. Seja o de contribuir para um pântano que ajudará novas forças populistas a ganhar balanço, seja através de uma nova radicalização ideológica do partido. O caminho do PSD é assumir que o PS já não está dependente da direita para governar sem maioria absoluta e tratar de organizar o seu campo para ser alternativa.

O papel do PSD não é ser uma barriga de aluguer de projetos radicais nem auxiliar a governação do PS para o livrar dos que estão à sua esquerda. É liderar uma proposta moderada de centro-direita. Tem razão Rui Rio quando recusa a radicalização de um partido com uma base popular moderada, tem razão Miguel Morgado quando recusa uma aproximação ao PS. Falta ao PSD alguém que junte estas duas razões.

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