por estatuadesal
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 12/12/2018)
Daniel Oliveira
Tomás Correia é investigado pelo Ministério Público e pelo Banco de Portugal. Foi obrigado a afastar-se da direção do banco, onde deixou um rasto de prejuízos e negócios ruinosos. E mesmo assim venceu as eleições para o seu quarto mandato no Montepio. Perdeu a maioria absoluta e dirigiu toda a campanha como sempre dirigiu o banco e continua a dirigir a associação: atropelando adversários, regras e princípios básicos da democracia. Impedindo o controlo do processo eleitoral pelas restantes listas, guardando apenas para si o acesso às bases de dados para fazer campanhas e mantendo apenas um local de voto em Lisboa, para que o mínimo de pessoas votasse presencialmente. Mas ganhou.
Os portugueses queixam-se da desonestidade dos políticos e elegem autarcas depois de saírem da prisão. Queixam-se de banqueiros irresponsáveis e reelegem quem fez os investimentos que os bancos comerciais não se arriscavam a fazer. Fazem-se de vítima dos políticos, dos banqueiros, da oligarquia e do regime e sempre que têm oportunidade de corrigir as coisas optam por confirmá-las. Levo a sério a revolta de quem luta. Não levo a sério a indignação vazia das redes sociais que se prepara para um dia destes votar num demagogo depois de ter passado a vida a votar em gente desonesta, mesmo quando tinha alternativas. A vantagem da democracia é não podermos ser vítimas dela. Somos responsáveis pelas nossas escolhas.
Até estas eleições, o quase meio milhão de sócios da Associação Mutualista Montepio com direito a voto ainda podia alegar desconhecimento. Mas com o que foi falado, escrito, repetido nas televisões, todos já sabiam de quem estávamos a falar quando falávamos de Tomás Correia. Ninguém pode alegar desconhecimento.
A grande vantagem da democracia é não termos o direito a ser vítimas dela. No Montepio, o voto de quase meio milhão de portugueses podia ter travado Tomás Correia. Afinal, o regime que está podre somos nós
A partir de agora, tudo o que aconteça ali tem responsáveis. E não são apenas os 18 mil que votaram na lista A. São os mais de 430 mil que não votaram. São Maria de Belém, Jorge Coelho, Luís Patrão, a antiga secretária de Estado de Vieira da Silva, Idália Serrão, e Vítor Melícias, que integraram a lista de Tomás Correia. E são Carlos Zorrinho, Lacerda Machado, João Soares, João Matos Correia e o presidente da Misericórdia da Lisboa, Edmundo Martinho, que apesar de terem cargos públicos apoiaram a lista A. São os artistas que venderam o seu apoio para agradecer financiamentos, não se distinguindo civicamente de qualquer homem de negócios.
E se tudo no Montepio vos soa a PS com um pequeno toque de PSD para disfarçar, quer dizer que têm bom ouvido. Tão bom como quando o BPN vos soava a PSD com um pequeno toque de PS para disfarçar.
Também já apoiei quem não devia e assumi publicamente essa responsabilidade. Espero que todos estejam preparados para o fazer. Porque, depois de tanta tinta sobre o currículo deste homem nesta instituição, isso terá de lhes ser cobrado. Com Ricardo Salgado pouco mais se poderia ter feito do que garantir que o Banco de Portugal cumpria a sua função. No Montepio, o voto de quase meio milhão de portugueses podia ter travado Tomás Correia. Afinal, o regime que está podre somos nós.
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