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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Ladrões de Bicicletas


Lutas em tempos financeiros

Posted: 18 Jan 2019 01:50 AM PST

Os regimes opressivos escondem as desigualdades económicas com pão e circo. Os EUA fazem-no com uma mera ideia: não há classes. Isto explica a auto-imagem nacional enraizada da mobilidade social, que os dados impertinentes tendem a refutar. Uma elite não precisa de se definir pelo sotaque ou pelo sangue para ser tão ossificada como a aristocracia do Velho Mundo.
Um dos principais comentadores políticos do Financial Times recomenda a luta de classes como alternativa à infinita fragmentação identitária norte-americana, vejam lá onde isto chegou. Lembrei-me de uma uma velha intuição da economia política radical: as descriminações raciais ou de género, por exemplo, são uma forma de o capitalismo dividir as classes subalternas para reinar.
Na realidade, as lutas de classes nunca cessaram nos EUA. Afinal de contas, o bilionário Warren Buffett explicou as coisas de forma clara: “a luta de classes existe e a minha classe está a ganhá-la”. E daí as desigualdades económicas cavadas, só com precedentes nos anos 20.
Como Sanders e outros socialistas norte-americanos sabem, a luta dos de baixo contra a elite económica é a melhor forma de criar um “nós” maioritário contra um “eles” minoritário que pode congregar. Como dizia Ernesto Laclau nos anos setenta, o socialismo é a forma mais potente e acabada de populismo.
E eu conheço um velho país, ou aquilo a que por hábito ainda chamamos de país, brutalmente desigual e onde as classes e as suas lutas, o povo e os seus combates, também não existem…

Dívida pública: um problema em hibernação

Posted: 17 Jan 2019 04:42 PM PST

Os defensores da reestruturação da dívida têm estado em silêncio. Para isso contribuiu a boa conjuntura externa e a estratégia de Mário Centeno – reposição de rendimentos, mas contenção drástica de outras despesas correntes e do investimento público. Ou seja, mão-de-ferro sobre o orçamento para ter saldos primários positivos. A que se juntou um crescimento do PIB puxado pelo turismo e a bolha do imobiliário (influxo de capitais especulativos), mais a retoma do consumo à medida que se instalou a confiança no voltar da página da austeridade. A benevolência de Bruxelas para com a nova estratégia foi decisiva porque limpou do horizonte as nuvens negras que criavam incerteza quanto ao futuro. Aceite como “caso de sucesso”, Portugal viu o juro médio para o conjunto da dívida baixar substancialmente, ficando abaixo da taxa de crescimento nominal do produto. Tudo favorável à redução do peso da dívida pública.
Porém, se a conjuntura mudar, tudo o que agora corre bem fica posto em causa. O crescente peso das exportações no total da procura tornou a economia portuguesa mais sensível à conjuntura internacional. Nesse caso, o governo em funções verá os estabilizadores automáticos (despesa social, receita fiscal) produzirem novamente um défice primário. A CE, os mercados financeiros e as agências de notação recomeçarão a sua ladainha de que o país não fez as reformas estruturais de que precisava e que, por isso, tem de cortar na despesa pública para dar confiança aos mercados. E cortará porque Portugal não é a Itália nem a França. E subirão as taxas de juro que, novamente, serão superiores à taxa de variação do produto. O peso da dívida voltará a subir, como subirá o clamor dos jornalistas de economia dizendo que a geringonça foi afinal um fracasso.
Ou seja, o problema da sustentabilidade da dívida não desapareceu; ficou em hibernação até à próxima crise. Em boa verdade, enquanto durar a zona euro – e não haverá em Portugal governo que questione a zona euro, evidentemente – o país está condenado a uma trajectória de períodos de crescimento medíocre nos intervalos das crises financeiras recorrentes. Passado este parêntesis de descompressão, voltaremos à trajectória de longo prazo: continuada degradação dos serviços públicos, crescente polarização social, e a raiva surda de boa parte dos de baixo a lavrar no subterrâneo social, pronta a lançar-se nos braços de um demagogo que seja competente para lhe dar voz e ganhar eleições.
Eu não partilho da ideia de que uma nova geringonça nos tornará imunes à ascensão da extrema-direita. Para mim, a sobrevivência da zona euro, e a nossa fidelidade canina ao ‘projecto europeu’, são a maior garantia de que lá chegaremos, com atraso como é costume.

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