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quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Ladrões de Bicicletas


A "revolução dos robôs" significa o fim do trabalho?

Posted: 24 Jan 2019 01:32 AM PST

Muito se tem escrito sobre o período de transição que vivemos no mundo do trabalho. A “revolução dos robôs” e a rápida evolução da tecnologia, tanto para uso pessoal como para aplicação em diferentes processos produtivos, têm ocupado o centro do debate público e aberto caminho para discursos alarmistas sobre a inevitável eliminação permanente de vários postos de trabalho. Alguns estudos apontam para uma redução significativa do emprego nos próximos anos: Carl Frey e Michael Osborne, investigadores da Universidade de Oxford, estimaram em 2013 que a tecnologia poderia eliminar 47% dos empregos nos EUA nas próximas duas décadas, sobretudo no setor dos serviços; mais otimista, um estudo de 2017 da McKinsey Global Institute diz-nos que a redução é de “apenas” um terço dos postos de trabalho. Será suficiente para respirar de alívio?
A preocupação com o fim iminente do trabalho e a generalização do desemprego associados ao avanço da tecnologia parece ser confirmada pelo estudo apresentado na semana passada pela CIP, no qual aponta para a possível eliminação de 1,1 milhões de postos de trabalho em Portugal até 2030 nas áreas da indústria transformadora e comércio, podendo ser “compensada pela criação de 600 mil a 1,1 milhões de novos empregos em setores como a saúde, assistência social, ciência, profissões técnicas e construção”.
Mas será que estamos perante o fim iminente do trabalho? A história do capitalismo conta-nos algo diferente – as sucessivas revoluções tecnológicas, e as consequentes mudanças profundas nas formas de produção e distribuição dos recursos, não acabaram com o trabalho necessário. Na verdade, cada mudança estrutural do modo de produzir bens ou serviços costuma ser seguida de períodos longos de expansão das economias desenvolvidas, com elevadas taxas de crescimento e níveis de emprego, como discutido no livro As Time Goes By, de Chris Freeman e Francisco Louçã. Para compreender estes processos, precisamos de olhar para a evolução histórica das economias capitalistas e identificar os seus padrões.
Um estudo recente elaborado por Mark Paul conclui que a produtividade dos EUA tem crescido a taxas médias bastante inferiores às das décadas anteriores a 1970. O mesmo acontece nas economias desenvolvidas da Europa Ocidental (incluindo Portugal) e Japão, o que sugere que após o período de expansão no pós-2º Guerra Mundial, atravessamos uma fase prolongada de menor fulgor, caracterizada por taxas de crescimento mais baixas. A recente década de estagnação limita-se a confirmar o paradoxo de Solow – os computadores aparecem em todo o lado, menos nas estatísticas da produtividade.

Sem ganhos de produtividade que impulsionem os lucros, o investimento produtivo tem sido reduzido nas últimas décadas, pelo que a ameaça de uma vaga de automação que elimine um grande número de empregos não parece provável atualmente. Não surpreende, por isso, que o capital se tenha concentrado nos mercados bolsistas e em atividades de especulação financeira que permitem ganhos de curto prazo superiores, embora acentuem a exposição da economia global a momentos de pânico no setor financeiro como o de 2007-08.
A robotização ameaça, ainda assim, substituir no futuro vários empregos que hoje são executados por pessoas. Não é difícil encontrar livros sobre o desenvolvimento impressionante da inteligência artificial nos últimos tempos e o alcance que poderá ter no mercado de trabalho. No entanto, a inovação é o traço fundamental da história do capitalismo, que nos mostra como as revoluções tecnológicas não implicam a generalização do desemprego permanente – na revolução industrial do século XIX, embora o desenvolvimento da indústria tenha feito desaparecer os artesãos, implicou simultaneamente a criação de novos empregos qualificados dentro e fora das fábricas, sendo um exemplo da forma como a tecnologia origina mudanças complexas na organização do trabalho. A evolução das sociedades capitalistas tem sido um processo de constante interação entre a inovação científica e técnica e as formas de organização da vida em comunidade.
Existem, contudo, outros aspetos a ter em conta. A desigualdade tem crescido de forma impressionante nas últimas décadas, nas quais uma parte cada vez menor da riqueza gerada é distribuída pelos trabalhadores.

Além disso, apesar do avanço tecnológico, a verdade é que atualmente cada vez mais pessoas trabalham mais horas, em empregos precários e com menores rendimentos. A tecnologia desempenha um papel importante nesta tendência, promovendo a intensificação do trabalho em condições perversas, invadindo o tempo de lazer e marcando o ritmo da vida social.
Foi isso que levou o astrofísico Stephen Hawking a afirmar, em 2016, que “se as máquinas produzirem tudo aquilo que precisamos, o resultado dependerá da distribuição dos recursos. Pode dar-se o caso de que todas as pessoas alcancem um nível de vida elevado se a riqueza gerada pelas máquinas for partilhada, ou, por outro lado, de que grande parte da população seja votada à pobreza profunda caso os proprietários das máquinas consigam fazer lobby contra a distribuição da riqueza. Até agora, a tendência parece aproximar-se da segunda hipótese, com a tecnologia a fomentar a crescente desigualdade.”
A distribuição da riqueza gerada depende, hoje como sempre, de escolhas coletivas. O desafio que enfrentamos é o de desenvolver formas de distribuir os ganhos da tecnologia e contrariar a tendência para o aumento histórico da desigualdade. Uma das formas de o fazer é através de uma reorganização do tempo de trabalho e da sua distribuição – a robotização pode contribuir para que trabalhemos menos horas semanais e diárias, como já tinha sido sugerido por Marx e, mais tarde, por Keynes. Por outro lado, o investimento na formação e qualificação das pessoas deve ser feito através da promoção pública da educação, de forma a permitir que a aprendizagem seja feita ao longo da vida, como recomenda a Organização Internacional do Trabalho. Além disso, a reconversão ambiental das economias tem potencial para gerar novos empregos sustentáveis.
Por outras palavras, embora os robôs possam substituir vários postos de trabalho, não acabarão com o emprego. Precisamos, por isso, de recuperar a promoção do pleno emprego como política fundamental nas sociedades democráticas; de outra forma, não será possível combater a crescente desigualdade e operar a redistribuição necessária da riqueza. O futuro do trabalho é o que fizermos dele.

Amanhã, em Lisboa: Ciência e ensino superior em debate

Posted: 23 Jan 2019 05:09 PM PST

A propensão para a demagogia não é boa conselheira

Posted: 23 Jan 2019 06:28 AM PST

De acordo com os dados divulgados pela DGS na passada segunda-feira, o número de óbitos de crianças com menos de um ano de idade aumentou entre 2017 e 2018, passando de 229 para 289. Nesse dia, ainda José Rodrigues dos Santos não tinha aberto o Telejornal com um enfático «Boa noite, morrem mais crianças em Portugal. (...) Foi um aumento de 26%» e já Assunção Cristas tinha dito, a meio da tarde, que lá no CDS-PP estavam todos «muito preocupados e perplexos, porque os números da mortalidade infantil têm sido a "menina dos olhos de ouro" do nosso país (...) e nós queremos que assim continue a ser», deixando no ar a ideia de poder estar em curso uma inversão de tendência.
Ora, se em termos absolutos é importante conhecer as razões «clínicas» deste acréscimo (como aliás sugeriu o Bastonário da OM, admitindo que «o aumento da idade média da maternidade e o maior recurso a tratamentos de fertilidade» podem contribuir para a sua explicação), não é menos importante perceber o seu significado relativo, atendendo desde logo ao aumento de nascimentos nos últimos anos. De facto, ponderando o número de óbitos por mil nados-vivos, obtém-se um rácio de 3,3 em 2018, que sendo idêntico ao de 2016 (3,2) ou de 2012 (3,4) apenas se destaca pela circunstância de se ter observado um valor particularmente baixo em 2017 (2,7), que de resto explica o tal «aumento de 26%», vincado pelo jornalista José Rodrigues dos Santos.

Percebe-se que seja muito tentador fazer um «número» com o «aumento da mortalidade infantil em 2018», garimpando politicamente a mais recente variação anual. Contudo, a natureza e ritmo das dinâmicas demográficas recomendam cautela e, sobretudo, olhares mais amplos, que captem as tendências de fundo e evitem a armadilha das variações anuais.
De facto, se analisarmos a evolução, desde 2000, do rácio de óbitos de crianças com menos de um ano por mil nados-vivos, aplicando uma média móvel de cinco anos, identificamos duas tendências substancialmente distintas: até 2006/2007, a tendência de redução gradual (de 6,1 óbitos por mil nascimentos registada em 2000 para 3,6 em 2007), seguida de uma tendência para a estabilização, que se mantém até hoje, com valores a oscilar - entre subidas e descidas - entre os 3,0 e os 3,5, não permitindo relevar nenhum ano em particular.

Compreende-se que assim seja, pois quando um dado indicador começa a atingir valores muito reduzidos (recorde-se que Portugal tem uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil à escala europeia e mundial), reduz-se a margem de descida e emerge a tendência para a estabilização de valores, mesmo subsistindo oscilações em termos anuais, que não alteram contudo o padrão mais geral. Só que isto parece não ser muito relevante para quem prefere muitas vezes optar (como o CDS-PP) pela demagogia e desinformação.

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