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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Ladrões de Bicicletas


Cortar na despesa pública não melhora o défice, pelo contrário

Posted: 03 Jan 2019 05:11 PM PST

A austeridade, enquanto política orçamental de cortes na despesa pública e aumento de impostos, praticada numa conjuntura de recessão com o objectivo de reduzir o défice e a dívida pública, e assim ganhar a confiança dos mercados financeiros, não tem suporte credível na teoria económica (ver aqui e aqui, por exemplo).
Ainda assim, os media foram incansáveis na promoção dessa política recessiva, legitimando os sacrifícios impostos ao povo e, ao mesmo tempo, encobrindo a responsabilidade do sector financeiro na origem da crise, assim como a falta de um banco central garante do financiamento do Estado. A ideia de que a intervenção da troika foi causada pelo excesso de dívida pública acumulada, foi tranquilamente (nalguns casos, calorosamente) aceite e difundida pelos media. Os economistas que argumentavam que a austeridade agrava a recessão não tinham (e ainda não têm) tempo de antena, nem lhes era permitido debater com os defensores da austeridade.
Mesmo depois de alguns sectores do FMI terem reconhecido que a estratégia estava errada (ver aqui), a nossa comunicação social ignorou o debate. Isto não aconteceu apenas em Portugal. No Reino Unido, os media também desempenharam o mesmo papel: “quando porventura ouviam algum economista, recorriam aos da City para falarem sobre notícias e acontecimentos do dia-a-dia, em vez de procurarem obter uma compreensão mais aprofundada da política económica.”
O que me intriga é não ouvir a esquerda dizer ao Ministro das Finanças que a despesa adicional com a contagem integral do tempo de serviço nas carreiras da Administração Pública não agravará significativamente o défice; e se, em 2019, as economias para onde exportamos reduzirem o seu crescimento, até ajudará a manter o défice controlado através do aumento da procura interna. Num país com subutilização da força de trabalho na ordem dos 13%, o multiplicador keynesiano funciona, como funcionou no início desta legislatura. É que o orçamento do Estado é bem diferente do orçamento de uma família, como explico ao cidadão comum neste vídeo.
Também me intriga não ver a esquerda discutir a hegemonia ideológica do neoliberalismo na comunicação social. Não há propostas (visíveis) para uma reforma de fundo que conduza a um jornalismo equilibrado, respeitador do pluralismo.

Clareza

Posted: 03 Jan 2019 10:12 AM PST

«A Lei de Bases de 1990 foi aprovada por uma maioria parlamentar de direita e não foi questionada a sua abrangência, apesar de não englobar nenhum dos outros partidos com representação parlamentar. Vigorou 18 anos, permitindo a sua redacção que fosse aberta a porta não a uma simples colaboração com os serviços privados, mas a uma inversão de sentido entre os serviços públicos e os privados, fortalecendo estes últimos com dinheiros públicos dos nossos impostos, através do Orçamento Geral do Estado. Assistiu-se demasiado passivamente à traição do espírito da Lei fundadora do SNS e da Letra da Constituição. Não é possível maior abrangência parlamentar do que aquela que existe na actual maioria. Há de facto posições divergentes com a direita parlamentar, opostas na maior parte das questões concretas. Em democracia é assim. Esperaram-se 28 anos e em vários momentos parlamentares podia-se ter esperado muito menos para ter uma maioria sólida para aprovar uma Lei que não seja confusa, nem ambígua. A de 1990 já deu as provas que tinha a dar. Fluxo financeiro que sai do público para ir para o privado. Fluxo profissional que fez e faz uma sangria de pessoal para o estrangeiro ou para os privados. O número de camas que diminuiu nos hospitais públicos e aumenta nos privados. A degradação/não renovação de equipamentos hospitalares. As consequências de tudo isto ao nível do serviço público. E as lágrimas derramadas pelos autores da Lei de 1990, que dizem sempre amar muito o SNS. Por isso é chegado o momento de ser claro e não ser ambíguo. Uns são pelo serviço público, universal e gratuito baseado no SNS, outros são pela abertura aos serviços privados. (...) Estamos a falar da parte do orçamento da saúde com que o Estado alimenta os privados, que com ele deviam concorrer.
(...) Na exposição genérica da [nova] Lei assinala-se que os contratos de serviços que não pertençam ao SNS devem ser feitos apenas quando necessário, que a gestão de cuidados de Saúde deve ser pública e se houver contrato com entidades privadas deve ser supletiva e temporariamente assegurada. Assinale-se que está escrito supletiva e não complementar. (...) Foi a altura deste Governo do PS se definir e é a altura do Parlamento e dentro dele a representação maioritária do povo português definirem o que é uma política de Saúde que represente alguma redistribuição da riqueza nacional. É a altura de todos sermos claros e ao fim de 28 anos de sucessiva degradação do SNS, agudizada nos últimos tempos, revertermos o caminho para verdadeiramente salvarmos o serviço público.»
Isabel do Carmo, Em defesa da Lei de Bases da Saúde

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