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terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Pela soberania

Ladrões de Bicicletas


Posted: 15 Jan 2019 12:10 AM PST

Face à continuada ambiguidade de Jean-Luc Mélenchon e o seu partido La France Insoumise relativamente à "questão europeia", alguns altos quadros abandonaram o partido. Entretanto, lançaram um manifesto e começaram a fazer reuniões tendo em vista a constituição de uma alternativa de esquerda soberanista. No sítio deste movimento na internet - La Sociale - foi publicada uma nota de esclarecimento sobre o conceito de soberania. Segue abaixo a minha tradução. Pode ser que isto ajude a esquerda portuguesa que tem andado desorientada a este respeito a evoluir na boa direcção. Ou, ficando tudo na mesma, motive quem já não tem paciência para esperar mais.
"Em primeiro lugar, recordemos que é soberano aquele acima do qual nada mais há. O bem soberano (summum bonum) é o bem acima do qual não há outro bem - normalmente, para os crentes, é Deus. Um poder soberano é um poder que não está subordinado a nenhum outro poder. Tipicamente, nas concepções modernas da política, o poder soberano é o poder que vem do "contrato social", deste pacto primeiro considerado o acto fundador de todo o poder político. Isto não significa que o titular de certas funções de soberania tenha todos os poderes, ou que todo o poder esteja concentrado numa única instituição. Os republicanos reivindicam a separação de poderes e recusam-se a dar todos os poderes à maioria apenas por ser a maioria, porque a maioria é apenas uma parte da nação. Mas, para os republicanos, como para todos os pensadores políticos modernos, não há liberdade imaginável para o cidadão se ele não for um cidadão de uma república livre, ou seja, uma república que não depende de outra instância estatal. Os que exigem o poder para o povo exigem que esse poder do povo seja um poder soberano. Pois se não é um poder soberano, então simplesmente não há poder do povo e, por conseguinte, não há poder dos cidadãos sem a liberdade de dizerem sim aos comandos do poder supremo.
A noção de soberania política é o resultado histórico de todo um processo ligado à constituição das grandes nações europeias na luta contra o papado e o império. A noção de soberania é anterior à democracia, mas é também o terreno fértil sobre o qual ela poderá desenvolver-se. É por esta razão que a declaração de 1789 afirma: “O princípio de toda Soberania reside essencialmente na Nação. Nenhum órgão, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane expressamente dela.” Uma certa autoridade só pode ser exercida por um órgão (Parlamento) ou um indivíduo (Rei) porque esse órgão ou indivíduo está autorizado pela Nação a exercer essa autoridade. Isto significa muito precisamente que o poder supremo pertence à nação e que ninguém o pode assumir no todo ou em parte. A república nada mais é do que isso: o legislador soberano é a Nação, o povo instituído agindo directamente, ou concedendo um mandato aos eleitos para agirem. Recusar o princípio da soberania é simplesmente recusar a república e a democracia. A crítica à soberania (e aos soberanistas) é, portanto, ainda que de forma disfarçada, uma crítica à democracia e ao poder do povo. É aliás por esta razão que os adversários da soberania são frequentemente os grandes críticos do "populismo". Estes "demófobos" odeiam o povo e desprezam a nação.
Deste ponto de vista, a UE tem um significado preciso: organizar a supressão da soberania das nações, que, uma vez colocadas sob tutela, não terão outra alternativa senão aplicar a política decidida pelos representantes do capital, os dirigentes e funcionários da UE. Vimo-lo de forma brutal na Grécia. Foi repetido no conflito entre a UE e o Governo italiano de Conte. Trata-se sempre de mostrar que as nações não são soberanas, que a vontade dos povos não pode fazer jurisprudência e que só os tratados europeus, isto é, as regras estabelecidas pelos areópagos da tecnoburocracia europeísta, podem ser impostos.
A luta contra o capitalismo, a luta para pôr fim à insaciável ganância do capital, exige precisamente que as nações recuperem a sua soberania. Ninguém pode pretender satisfazer as exigências das classes trabalhadoras sem quebrar a disciplina férrea dos tratados europeus. Enquanto os famosos "critérios de Maastricht" (estabelecidos por Mitterrand!) tiverem força de lei, nenhuma política séria de justiça fiscal é possível. Como podemos evitar a evasão fiscal, a fuga de capitais e a procura do mais baixo nível social se não controlamos, antes de mais, as nossas próprias sociedades?
Tudo isto é tão óbvio que custa a compreender os discursos dos euroinómanos patenteados (de Moscovici a Macron) que dizem o que os seus patrocinadores pedem, mas sobretudo os discursos das pessoas de "esquerda", "realmente esquerda", "esquerda toda", etc., contra a soberania e o soberanismo, quando este se limita a reivindicar a soberania nacional. Esses terríveis revolucionários querem submeter sua revolução à boa vontade de uma autoridade superior à da nação soberana? Só é possível fazer a revolução aqui na França se obtivermos a autorização prévia das classes dominantes dos países vizinhos? Como sempre, esses terríveis revolucionários opõem-se à soberania nacional, e a este simples senso comum que ela pressupõe, em nome de princípios mal orientados que não têm outra função que não seja justificar seu alinhamento vergonhoso com a ordem existente."

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