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segunda-feira, 18 de março de 2019

Dialética da loucura normal

por estatuadesal

(Por José António C. Ferreira, 18/03/2019)

José Saramago

A vida é cheia de fraquezas, dificuldades e outras coisas disfarçadas que jamais conseguiremos descobrir, tão-pouco dominar. Assim, sendo nós os seus protagonistas temos que vivenciá-la com respeitabilidade e responsabilidade, aprender a lidar com as nossas variações, que são as variações dela - a vida - e ao mesmo tempo sermos aquilo que nós somos realmente.

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O facto de estarmos permanentemente preocupados em acatar os padrões impostos por uma sociedade hipócrita, construída sob o pilar da liberdade, mas que constantemente se desrespeita, não nos tornará meros espectadores, em vez de activos actores, deste enorme palco que criamos para viver?

Será
o sair do “normal” a maior beleza que um ser humano possui, já que tal saída
nos possibilita a criatividade, a reinvenção, o renascimento? É esse sair do
“normal” que determina a nossa originalidade, o nosso estilo e, por
conseguinte, a nossa natureza, aquilo que somente nós possuímos e que não
encontramos em mais ninguém. É aquilo que nos torna seres individuais e que é guardado
na memória daqueles com quem interagimos.

Vou
arriscar: serão os traços de “loucura” que tornam a nossa personagem sedutora e
apaixonante? Será a exposição “maluca” da nossa loucura que deixa ao mesmo
tempo quem nos rodeia e a nós próprios tão fortes e independentes? Que nos faz atrever
a sermos inadequados, sem medo de nos apelidarem de o outro, sem medo dos olhares que teimam em retirar-nos o brilho da nossa
individualidade sincera?

Só assim seremos pássaros a
voar livremente, fora das gaiolas que a vida “adulta” e a pressão da sociedade
nos colocam à disposição para voluntariamente nela entramos, transformando-nos
em indivíduos rotineiros e chatos, sem qualquer tipo de sedução, mergulhados no
reino da “mesmice”?

Como alguém me disse uma vez: “perdedores são pessoas que têm tanto medo de não ganhar, que nem sequer tentam”. Dizia ele, ainda, “para tentar, antes é preciso ser honesto consigo mesmo, dando o melhor de si, mesmo que as pessoas esperem outras coisas”.

Desta frase, que ainda hoje guardo, digo: ser vencedor é ter coragem para perder com dignidade sendo quem sou, o homem sem disfarces nem acomodação, com loucura e beleza. O homem que é livre para dizer merda para os padrões da sociedade.

E, porque não somos todos
iguais, entendo que viver não é uma competição, muito menos a entendo como
objetivo de distribuição de medalhas a quem perde ou ganha, a quem chega em
primeiro ou se fica no último lugar, a quem vai embora ou permanece.

Só concebo ser possível
ganhar medalhas, nesta vida tão criteriosa, quando ao olhar para trás contemplo
cada pegada do “normal” caminhar, e encontro nelas um lastro de fidelidade e
autenticidade, o de ter feito o que se gosta, independentemente daquilo que os
outros queiram ou achem ser nosso dever fazer.

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