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segunda-feira, 8 de abril de 2019

Ladrões de Bicicletas


Não se desiste do Lexit

Posted: 08 Apr 2019 02:29 AM PDT

Segundo a ultima sondagem, os britânicos que defendem um novo referendo com um resultado favorável à permanência são mais do que os que defendem uma saída sem acordo (37% versus 26%). No entanto, os que defendem uma das várias formas que a saída da UE pode assumir são mais do que os que querem repetir o referendo até dar o resultado pretendido (49% versus 37%). Mais interessante ainda: em caso de recusa da UE em estender o prazo, e confrontados com uma escolha clara entre sair sem acordo ou permanecer na UE, são mais os que optam pela primeira hipótese (44% versus 42%). O projecto do medo não está a resultar lá muito bem. Se a Grã-Bretanha sair e com eleições, um cenário com uma componente acidental, há uma hipótese de salvar uma grande parte dos militantes trabalhistas de si próprios.
Entretanto, deixo alguns excertos de um artigo do Full Brexit, um grupo que integra intelectuais como Chris Bickerton, Richard Tuck, Costas Lapavitsas ou Wolfgang Streeck. Foi publicado na NewStatesman, em resposta ao europeísmo de esquerda, neste caso em resposta a Paul Mason, e a mais uma catástrofe política que está prestes a gerar (minha tradução apressada):
“É a indisponibilidade da classe dominante para garantir o Brexit, e não o Brexit em si, que está a gerar a raiva popular.
É também verdade que a esquerda tem sido incapaz de articular uma visão democrática da renovação nacional. Parte do problema é que a esquerda trabalhista eurocéptica, previamente encarnada por Barbara Castle, Tony Benn, Michael Foot e Jeremy Corbyn, foi anulada pelas responsabilidades da liderança, enquanto que a direita trabalhista eurocéptica, previamente exemplificada por Hugh Gaitskell, Denis Healey, Peter Shore e Ernest Bevin, foi eclipsada pelo globalismo progressista da Terceira Via.
O resultado foi a ausência de liderança em torno das possibilidades democráticas e socialistas a partir do Partido Trabalhista, que regrediu para a denúncia dos votantes trabalhistas a favor do Brexit como ‘xenófobos e racistas’. Nós continuamos a apoiar o voto popular e as possibilidades socialistas abertas pela restauração da soberania democrática.
(...)
Onde a esquerda democrática adoptou uma política a favor da UE foi decimada. A paralisia colectiva da esquerda continental, particularmente da sua ala social-democrata, é uma lição acerca dos custos de abandonar as possibilidades de mudança democrática através do Estado nacional.
(...)
Existem severos constrangimentos em relação ao que pode ser obtido dentro da UE e os votantes da classe trabalhadora sabem-no. O consenso emergente em torno da permanência, liderado pelo trabalhismo, é baseado na sua noção da Terceira Via de que o objectivo da política é preservar e proteger as operações sem fricções do capitalismo (...) A democracia é o melhor meio de resistir à dominação do capitalismo e tal não é possível dentro dos constrangimentos da UE. Esta última gera uma política deprimida do desapontamento ou a raiva da traição. A UE é baseada nos tratados e na autoridade última do seu Tribunal de Justiça na resolução das disputas. Os tratados baseiam-se na prioridade dada às ‘quatro liberdades’.
(...)
Transformar os tratados numa direcção socialista é impossível. Seriam necessários 15 governos socialistas eleitos em simultâneo para iniciar a mudança dos tratados e o requerimento de consenso numa convenção subsequente, bem como a ratificação por unanimidade, permite o veto por qualquer Estado. A experiência do Syriza é a demonstração da impotência da linha ‘permanecer e reformar’
(...)
Estamos a viver num interregno, um período que Antonio Gramsci, descreveu como o tempo ‘em que o velho morreu e o novo ainda não nasceu, em que existe uma confraternização de opostos, em que surge toda a espécie de sintomas mórbidos’. Um desse sintomas mórbidos é o compromisso da esquerda com o mercado único, a união aduaneira e a soberania do Tribunal de Justiça; o compromisso com a eternidade capitalista da UE. Nós apelamos a uma política baseada na democracia, reforma económica radical e internacionalismo.”

O eleitoralismo de Cavaco Silva, segundo Silva Lopes

Posted: 07 Apr 2019 05:16 PM PDT

Cavaco Silva abandonou a Presidência da República envolto em contestação e impopularidade. Desde então, tem feito aparições esparsas no espaço público, sempre caracterizadas pela crítica ora mais velada ora mais explícita às políticas da atual maioria parlamentar.
Na última das suas aparições, apontou as suas críticas a dois temas. O primeiro foi o da relação entre a redução do IVA da restauração e a alegada diminuição de investimento no SNS. Essa relação é falaciosa e não se confirma, como bem explicou aqui o Nuno Serra. Não só não se pode afastar a ideia de que algum do emprego criado no setor da restauração (e o consequente aumento da receita fiscal e das contribuições sociais) não existiria sem a diminuição do IVA, como existiu um aumento real da despesa pública em saúde.
Mas é a reação ao segundo tema que melhor caracteriza a ação de Cavaco Silva. Inspirado pelas reações críticas às ligações familiares do governo, o ex-primeiro-ministro dirigiu-se aos microfones da RTP para declarar que tinha, por curiosidade, ido verificar a composição dos seus três governos e não tinha detetado qualquer ligação familiar. Como o Observador se apressou a noticiar (aqui), esta afirmação não é verdadeira: nos governos de Cavaco Silva foi nomeada a pouco parcimoniosa quantia de 11 mulheres de governantes.
Este episódio representa bem o que é Cavaco Silva e a ausência de escrúpulos que sempre pautou a sua intervenção política. Cavaco procurou sempre afirmar-se na política portuguesa como o professor de economia respeitado e desprendido, que se teria entregue à política com grande sacrifício pessoal e apenas por dedicação ao interesse nacional. Era o homem que detestava política e guiava todas as suas decisões pelo mais elevado e independente juízo técnico.
Na verdade, o ex-Presidente da República sempre foi o oposto de tudo isso. Foi sempre o personagem político que pautou as suas ações pelo seu estrito interesse pessoal. É sempre bom recordar que foi Cavaco Silva quem sugeriu que tinham sido colocadas escutas no Palácio de Belém a mando do governo da época e que procurou criar uma crise política por causa de um assunto tão irrelevante como o Estatuto dos Açores.
Escrevi este texto para relembrar um dos mais astuciosos e menos conhecidos artifícios de Cavaco Silva, ocorrido ainda antes de se tornar primeiro-ministro, durante a sua passagem pela pasta das Finanças no primeiro governo da AD. A ação política de Cavaco Silva é eximiamente descrita por José da Silva Lopes, no seu conceituado livro A Economia Portuguesa desde 1960:
Exatamente quando se estava a chegar de novo ao equilíbrio externo, a economia foi atingida pelo segundo choque petrolífero (…) em 1979. (…) A economia portuguesa foi desse modo novamente atingida por um duro choque externo, que se traduziu num golpe duplo: (…) a queda da procura das exportações (…) [e] a subida dos preços do petróleo.
Face a estas condições adversas, a orientação de política económica foi oposta à que seria de esperar. Enquanto nos outros países europeus se punham em prática medidas contracionistas, em Portugal foram aplicadas no ano de 1980 políticas claramente expansionistas. (…) Para agravar ainda mais os problemas do equilíbrio externo, o escudo foi revalorizado em 6% e o ritmo da depreciação mensal da taxa de câmbio foi reduzido.
Essa reorientação da política económica, em sentido totalmente contrário ao que os condicionalismos de ordem externa impunham teve uma explicação: 1980 foi um ano de eleições; o objetivo dominante do programa posto em prática pelo então ministro das Finanças, Cavaco Silva, foi o de promover a vitória eleitoral da coligação da AD (PSD-CDS-PPM), que então estava no poder; esse objetivo foi conseguido, mas o seu custo veio a ser pesado para a economia.
Neste excerto, Silva Lopes acusa abertamente Cavaco Silva de ter guiado a sua ação enquanto ministro das Finanças pelo estrito eleitoralismo e contra aquilo que o próprio entenderia ser a ação mais adequada para o momento que a economia portuguesa vivia. Não sendo Silva Lopes um polemista, sendo sempre muito circunspecto na sua intervenção pública, esta acusação adquire uma relevância reforçada.
Pode discordar-se daquilo que Silva Lopes considera a correta prescrição de política económica para aquele contexto, mas há pelo menos dois argumentos muito fortes para sustentar o seu raciocínio. O primeiro é que, sendo Cavaco Silva um economista de pendor conservador, é no mínimo estranho que tenha optado por colocar em prática medidas expansionistas face à deterioração clara da conjuntura externa com o que isso viria a representar para o equilíbrio externo da economia portuguesa. O segundo, ainda mais flagrante, respeita à decisão de revalorizar o escudo. Dificilmente um economista de qualquer espectro político aconselharia revalorizar a moeda, quando se esperava uma diminuição da procura externa, pelo efeito conjugado da e um aumento dos preços dos bens nacionais causado pela subida do preço do petróleo e pela contração económica dos nossos principais parceiros comerciais.
Então, porque o fez Cavaco, o homem que alega ter conduzido todo o seu mandato político em função do mais neutro ensinamento técnico?
Cavaco sabia que as revalorizações cambiais têm efeitos diferentes a curto e a longo-prazo. No curto-prazo, é criada a sensação de um aumento real do rendimento disponível. Como a moeda nacional se valoriza, os bens importados tornam-se relativamente mais baratos e os consumidores têm a perceção de que o seu salário real subiu. O efeito imediato na balança corrente também é positivo: como o efeito preço precede o efeito quantidade, a balança tende a melhorar – a mesma quantidade de bens exportados é agora paga numa moeda mais valorizada, enquanto a mesma quantidade de bens importados é agora paga em moedas internacionais com um preço relativo inferior face à moeda nacional. No curto-prazo, com efeito, tudo corre bem. Mas a médio prazo tudo muda: como a moeda se valorizou, os bens nacionais ficam comparativamente mais caros, pelo que as exportações tendem a diminuir. As importações, pelo contrário, tendem a aumentar, já que os bens importados se tornaram relativamente menos onerosos. O efeito final é uma degradação muito significativa da balança corrente.
Silva Lopes é muito assertivo na sua crítica: Cavaco Silva valorizou o escudo em 6% contra toda a sensatez económica, porque sabia que os efeitos de curto-prazo seriam favoráveis e seriam fundamentais para que a AD ganhasse as eleições legislativas desse ano. Os efeitos negativos de médio-prazo ficariam para depois – e para outros.
A história acabou por mostrar um padrão de acontecimentos muito favoráveis ao então ministro das Finanças. A AD ganhou as eleições de 1980. Em 1981, a pretexto de não querer integrar o governo chefiado por Francisco Pinto Balsemão, constituído após a morte de Sá Carneiro, Cavaco Silva abandona a pasta das Finanças, evitando as consequências negativas das políticas que implementara. Em 1983, o FMI intervém pela segunda vez em Portugal, sendo o pesado programa de ajustamento conduzido pelo governo do Bloco Central (PS-PSD). Em 1985, já ultrapassado o período de maior severidade de política económica, Cavaco Silva ganha o congresso da Figueira da Foz e torna-se presidente do PSD, ganhando as eleições legislativas desse ano. Fruto de uma conjuntura económica muito favorável, com a ausência de choques internacionais adversos e os afluxos massivos de financiamento provenientes da adesão à CEE, Cavaco Silva eternizou-se como primeiro-ministro até 1995.
Em economia, não existe uma melhor solução técnica em sentido absoluto. Os instrumentos técnicos podem e devem sustentar a ação política, mas nunca se podem substituir a ela. Existirá sempre uma melhor solução técnica contingente nas preferências políticas de cada decisor.
Cavaco Silva, e outros políticos de perfil tecnocrático, tentam convencer os eleitores de que as decisões que tomam são orientadas apenas pelo seu conhecimento técnico. Invariavelmente, mentem. É apenas um artifício para classificar como inevitáveis decisões políticas da sua conveniência política e pessoal, sem terem de convencer os seus eleitores da justiça das suas posições. É chico-espertismo, em suma. E Cavaco Silva foi o mais exímio representante nacional dessa arte.

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