(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 22/07/2019)
A grande investigação parlamentar ao plano de Sócrates para controlar a CGD, e a partir da Caixa tomar conta do BCP, e a partir do BCP atravessar os Urais para conquistar a Ásia e estabelecer uma base secreta na face oculta da Lua, acabou com um relatório aprovado por unanimidade – com os pulhas caladinhos e a indústria da calúnia a fingir que nada se descobriu, nada se esclareceu. Porquê?
A II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à Gestão do Banco foi, na verdade, a terceira comissão de inquérito que nesta legislatura reuniu e avaliou documentos e declarações relativos à administração da CGD ao longo de vários anos – com especial enfoque para o período em que Santos Ferreira e Armando Vara, de um lado, e Vítor Constâncio, de um outro, foram protagonistas à força de uma estrambólica teoria da conspiração que a direita decadente alimentou desde 2008 até ao presente.
O nascimento desta CPI envolve uma auditoria da consultora EY que começou por ser entregue à CGD, depois esta entregou-a à Procuradoria-Geral da República ficando sujeita a segredo de justiça, depois Joana Amaral Dias e a Cofina violaram o segredo de justiça, depois o Ministério Público declarou nada ter a opor a que a CGD enviasse a auditoria para o Parlamento, depois o CDS anunciou a intenção de constituir nova comissão de inquérito, depois o PS e o BE de imediato se juntaram à direita e a comissão arrancou assim que o Presidente da República promulgou a nova legislação que deu ainda mais poderes ao Parlamento para obter documentos e dados na posse dos bancos. A excitação dos direitolas estava no máximo, iam para o período eleitoral das europeias com a certeza de terem material difamatório e oportunidades caluniosas para dar e vender, de caminho ainda conseguindo conspurcar a imagem da Caixa de forma a boicotar os seus resultados comerciais e pôr em causa a sua permanência como banco do Estado. E se bem o pensaram, melhor o fizeram.
Aposto os dez euros que tenho no bolso em como não chega à centena o total de cidadãos que assistiu, mesmo que só em parte, às gravações de todas as audições desta CPI. Estou disposto a cravar mais dez euros à minha vizinha do 4º andar para apostar em como não chega ao milhar o número de portugueses que terá assistido na integralidade a qualquer uma das audições (a de Vara durou cinco horas e meia, por exemplo, mas também as há com menos de duas horas para os apressados). Incluo nestas apostas por igual os políticos e jornalistas que, por obrigação ou vocação, teriam de gastar dezenas de horas para ver a totalidade das sessões disponibilizadas na ARTV. Onde não é preciso fazer apostas é na questão de se calcular quantos portugueses, no final destes trabalhos parlamentares, acham que Sócrates convidou Campos e Cunha para o usar como capacho, o que ele veio a recusar assim que olhou para o saldo bancário, e depois obrigou Teixeira dos Santos a meter Santos Ferreira e Armando Vara na CGD para que essa dupla dominasse/comprasse/ameaçasse os restantes administradores e directores do banco de forma a que se conseguisse usar o dinheiro da Caixa, através de testas-de-ferro, para roubar o BCP ao santificável Jardim e à oligarquia; entre outras fabulosas malfeitorias devidamente permitidas e/ou abafadas por Vítor Constâncio. O resultado dos meus inquéritos nos táxis e tascas é “bué da muitos acham que sim”, e tal apenas consegue suscitar um bocejo se nos recordarmos das caudalosas peças que os impérios mediáticos da direita andam há anos e anos e despejar no espaço público. Essa calúnia supinamente imbecil está tão entranhada que recebe o apoio, nalguns casos desvairado, de pessoas que se consideram de esquerda e até que são altos responsáveis do PS. É algo que foi carimbado como “evidente” pelo comentariado nos meses em que decorreram as audições e que atingiu o paroxismo com as declarações de Joe Berardo. Seguiu-se uma explosão delirante ocorrida a 7 de Junho, data que ficará como monumento à infâmia deontológica nos anais do jornalismo português, em que vimos o Público e o seu director a garantirem ter provas de que Constâncio era o tal escroque que os pulhas andavam a berrar que era desde 2008. As “provas” do Manuel Carvalho, rapidamente se veio a constatar, apenas provavam que a soberba e o ódio adoram notícias falsas e ataques à honra de terceiros, tudo a ficar impune pois nem sequer uma demissão no jornal justificou.
Há uma razão primeira, fundamental, para a unanimidade com que esta CPI arquivou a papelada: nada de ilícito foi descoberto. Daí a adjectivação pífia com que CDS e PSD embrulharam os meses, as exaustivas audições e a colossal documentação reunida. Partir-se da certeza de conluio criminoso entre ministros socialistas, administradores da Caixa e governadores do Banco de Portugal e chegar-se ao remate de apenas se poder apontar (inventar?) que a “CGD não foi gerida de forma sã e prudente na concessão de vários créditos”, eis a medida da farsa montada e explorada até à última gota. De facto, logo desde 2008 era evidente – e isto, sim, é que é evidente – não haver ponta legal por onde se pegar para fazer uma operação judicial cujo alvo fosse a CGD, Santos Ferreira e Constâncio. Por não haver, apesar de Cavaco estar em Belém e o mano Vidal em Aveiro, não se foi por aí. A golpada que efectivamente foi lançada com a anuência e apoio da oligarquia iria conseguir apanhar Vara e Sócrates mas não os ditos cúmplices sem os quais é apenas uma canalhice espalhar suspeitas desmioladas. Depois do cortejo de responsáveis por todos os órgãos decisores na CGD e no Banco de Portugal a jurar nunca terem sofrido pressões políticas de ministros socialistas, depois de terem explicitado que à época as estratégias comerciais e os procedimentos na concessão de crédito na Caixa foram perfeitamente regulares, inclusive nos casos que correram mal, depois de Teixeira dos Santos ter varrido de cena a colagem de Sócrates a Vara e Santos Ferreira, sobrava apenas a decadência da direita partidária e mediática actual: o indecente desejo de que o Ministério Público decida apanhar algum “socialista” referido no relatório para se voltar a ter carne a esturricar no lumaréu da baixa política por mais uns anos.
Há uma outra razão para a unanimidade final. É que esta CPI desfrutou de todas as condições para investigar o que quisesse, a unanimidade selou esse poder que vasculhou em absoluta liberdade. Chegou a Julho sem se poder queixar de ter sido impedida de revelar os podres das organizações, instituições e personalidades visadas. Só que não havia podres concretos, factuais, para além daqueles que alguns deputados já tinham no bestunto a ocupar espaço. Erros e situações questionáveis no plano da gestão bancária, pois sim e como não? Indícios de “assalto à CGD”, “assalto ao BCP”, “Vale do Lobo não sei quê e não sei quantos”, nem um.
Vou repetir: indícios, nem um; lenha para a chicana, camiões cheios. Dava-se era o caso de ser uma chicana que tinha entrado, pelo exercício plenipotenciário mesmo desta CPI, para o grupo onde já estão a patranha relativa ao “plano para afastar Moura Guedes através da compra da TVI pela PT”, uma aldrabice que nem sequer entrou na “Operação Marquês”, e a patranha relativa aos gastos com cartões de crédito dos membros dos Governos de Sócrates, uma chachada que acabou com uma pena suspensa por causa… da compra de uns livros.
Nunca, em toda a História de Portugal, se investigou com tantos recursos e durante tanto tempo um período governativo e um primeiro-ministro. Não se fez sequer remotamente parecido com mais nenhum Executivo e seus responsáveis e prevemos que não se voltará a fazer por ser insano. Agora, compare-se o custo, em horas de trabalho e dinheiro, que essa perseguição na Justiça, nos partidos e na comunicação social tem provocado com os resultados a que vai chegando. Temo que, no final de todos os processos ainda abertos e por abrir pelos implacáveis procuradores que são selectivamente alérgicos à impunidade, seja preciso iniciar mais um processo. Na Santa Sé.
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