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quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Carta Aberta ao Sr. André Matias de Almeida

por estatuadesal

(Raquel Soares, in Facebook, 13/08/2019)

André Matias de Almeida, porta voz da ANTRAM

Boa noite, caro Sr. André Matias de Almeida permita assim chamá-lo, uma vez que curricularmente somos equiparados, talvez eu até lhe ganhe nuns quantos pontos, mas não é isso que interessa.Estou a escrever-lhe após a sua prestação ontem no CMTv pelas 20h e após um grande período reflexivo desencadeado pela felicidade efusiva da minha filha de 18 meses, que ficou acordada até à meia noite à espera que o pai regressasse da greve dos motoristas de matérias perigosas e de carga geral.

Antes de mais, gostaria de felicitar a sua capacidade comunicativa, tem sem dúvida o dom da palavra. O seu poder argumentativo e toda a sua capacidade oratória são de deixar qualquer um deliciado! E sem dúvida que consegue levar o público que o ouve, tal qual um encantador de serpentes.Não é à toa que desenvolve bastante trabalho na área da comunicação social.

Ora bem, voltando atrás ao ponto que referi anteriormente (gosto muito desta sua técnica de retroceder no discurso para fugir às questões colocadas, falando em algo que causará impacto e que levará o interlocutor a esquecer o que falavam anteriormente) o meu marido, como percebeu, é motorista de matérias perigosas e como deve imaginar, novo CCT, ilegalidades no pagamento de subsídios, represálias, excesso de horas, ímanes no tacógrafo e por aí a fora, são conversas que jantam à mesa connosco (quando claro, o meu marido chega a casa no horário que permita jantar em família) e por isso, não posso ficar indiferente ao que referiu ontem em televisão.

Primeiro vou deixar a minha opinião de que já que não faz as suas intervenções televisivas de um modo politicamente correto, faça-o de um modo ético e moral e não ataque pessoas em tempo de antena, quando estas não se podem "defender" no local. Não fica bem, sabe... Ainda por cima destabilizando os portugueses com a desinformação que fornece para os manipular contra os grevistas.

Depois, para além do bla bla bla que falou, e que muito sinceramente o meu pobre cérebro já filtra e apenas retém o que é realmente importante, referiu que a ANTRAM propôs seguros de saúde e exames médicos quando questionado pelas míseras baixas médicas a que estes trabalhadores são sujeitos em caso de doença (consequência dos descontos para segurança social e IRS incidirem apenas numa pequena parte do seu vencimento e que o sindicato luta nesta greve).

Sr. André deixe que lhe diga, que graças a Deus nosso Senhor e ao Sr. Arnaud, a saúde é um bem comum no país onde vivemos através do Serviço Nacional de Saúde! Está decadente é verdade, mas isto também daria uma carta aberta à Sra. Marta Temido.

Voltando ao ponto que referi anteriormente e pegando num ponto importante que referiu e que eu não posso deixar de falar (esta técnica também é boa! mostra ao interlocutor que o está a ouvir, conquistando-o, mas depois discorda completamente do que este disse e volta a levá-lo na sua ideia), os motoristas não querem descontar sobre uma base de 900€ pela sua saúde, pois o seguro apenas abrangeria incapacidades decorrentes de acidentes de trabalho ou de doença relacionada com o trabalho e até se comprovar que o motorista desenvolveu neoplasia pulmonar por inalação prolongada de gases voláteis de combustíveis...ui ui...

Ou seja, o pobre motorista a padecer de uma neoplasia vem para casa com uns míseros 400€ (se tanto!).O mesmo se aplica ao motorista que foi despedido por justa causa por extinção de posto (diz a entidade patronal que em seguida contratou 7 motoristas), após ter gozado o seu direito à greve, vem para casa com um subsídio de desemprego referente a 65% da referência base dos últimos 12 meses dos 14 meses anteriores ao despedimento, se fizer as contas verá quanto fica para governar a casa.Ou então, o motorista que foi pai e que goza do seu direito à paternidade e no primeiro mês de vida do recém nascido e no sexto mês, tem de sobreviver com 83% dos 630€.Não sei se é pai, se for percebe o impacto que a chegada de um recém nascido causa no orçamento familiar... Uma doença... Um despedimento...

Outro ponto que gostaria de referir é aquele que se relaciona com os serviços mínimos e o (in)cumprimento dos mesmos. "Os motoristas trabalharam das 8 às 14h e não abasteceram os postos que costumam abastecer."Ora pois, Sr André, estes senhores não começam a trabalhar às 8h. Almoçam das 13h às 14h e saem às 16h. Não têm carreira, nem têm aumentos salariais há 18 anos. Alguns destes senhores começam o seu serviço às 6h, e por isso, às 5h já estão a sair de casa para ir buscar o camião à empresa (sim, não sei se sabe não é em qualquer local que um camião com cisterna de matérias perigosas pode ficar estacionado.

Assim como, em caso de furto de gasóleo, mercadoria ou vandalismo da viatura muitas vezes é imputada a culpa e a despesa ao trabalhador) e cumprir o seu horário de trabalho. E ali vão eles com, literalmente, uma bomba às costas. Descarregar matérias perigosas, sim as matérias perigosas não são só combustíveis! São ácidos, são bases e muitos outros materiais que obedecem a um conjunto de regras, procedimentos e processos que devem ser criteriosamente cumpridos de forma a evitar acidentes graves.

Voltando ao ponto que referi anteriormente (estou a apanhar o jeito!) o horário dos motoristas é um bocado estranho diga-se de passagem! Só podem conduzir X tempo e depois têm de fazer uma pausa de Y, mas se conduzirem W são obrigados a parar Z... Estejam onde estiverem... A 500, 300 ou até mesmo 15km de casa, sob pena de serem multados por excesso de horário. O pobre do meu marido já me tentou explicar tudo isto, mas sou sincera, não consigo de todo entender! Mesmo quando são pressionados pelo patrão a usar o íman para que não fique registado o tempo. Há motoristas que não se deixam comprar pelos 20€ de diária se não cumprirem os 5 fretes. E lá vou eu buscar o meu marido por vezes, para que possa dormir no conforto da sua cama e da sua família.

Posto isto, e dado que não me quero alongar, mas terei todo o gosto em o fazer se você assim o desejar, convido-o a trocar esse seu fatinho Slim Fit que deve ter o valor no mínimo do salário base destes profissionais (espero não o estar a ofender), a passar um dia com esta gentalha que come, vive, dorme e trabalha dentro de uma lata, ainda por cima muitos deles só com o 6º ano e que agora lembram-se que querem o maior aumento da história! Onde já se viu?!?

Pois bem... Mas como já percebeu, sem eles e sem TODOS os portugueses a produzir, o país pára e o governo cai. Quem sabe se um novo 25 de Abril não está mais perto que o que se imagina? Sabe uma coisa que valorizo muito na minha profissão Sr. André? É a capacidade empática característica dos enfermeiros, estes desgraçados que às vezes também se lembram de fazer greve, mas infelizmente e por deveres morais e éticos têm mesmo de cumprir os serviços mínimos, porque esses sim, colocam em risco vidas!

Os "seus" serviços mínimos apenas deixam os bolsos dos patrões menos cheios! Assim, sugiro que se coloque na pele destes portugueses que também são prejudicados todos os dias, mas que na sua boca, são os maus da fita!

Atenciosamente.

Enfermeira Mestre Rafaela Soares, Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica na vertente Nefrológica, com competências desenvolvidas na área de Gestão e Liderança nos Serviços de Saúde, formadora certificada, com trabalhos desenvolvidos na área ecográfica do acesso vascular para hemodiálise.(também tenho um bom currículo, não acha? Ah! também domino o Português, Inglês e Espanhol!)

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