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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O excecional sistema político português

por estatuadesal

(Ricardo Reis, in Expresso, 17/08/2018)

Ricardo Reis

A Argentina mergulhou esta semana numa enorme crise. Nas eleições primárias, o candidato peronista, Alberto Fernández, que tem como candidato a vice-presidente a ex-presidente Cristina Kirchner, obteve 47% dos votos, contra apenas 32% do Presidente atual, Mauricio Macri. Em termos domésticos, os governos de Kirchner e do seu marido entre 2003 e 2015 foram marcados pelos escândalos de corrupção, pelas nacionalizações e pela deterioração das liberdades individuais. Internacionalmente, durante os seus governos, os Kirchners declararam bancarrota e não pagaram a dívida externa em 2001. Eles desmantelaram o instituto nacional de estatística pelo que deixou de haver dados oficiais fiáveis sobre os indicadores económicos. Eles entraram em confronto com o FMI recusando-se a pagar os empréstimos que o país recebeu até 2005.

As sondagens apontavam para uma luta renhida entre Macri e Fernández. Surpreendentemente, ganhou Fernández por muito, e isto teve um efeito dramático nos mercados: o peso caiu mais de 20%, a bolsa perdeu quase metade do seu valor, e a taxa de juro na dívida pública subiu para os 35%. Isto apesar de a Argentina estar neste momento a beneficiar do maior programa de empréstimo de sempre por parte do FMI, no valor de 57 mil milhões de dólares. Com esta perda de confiança dos investidores vai ser difícil evitar uma bancarrota em breve.

Sempre que ler análises internacionais que concluem com lições lembre-se: Portugal é diferente

Em 2015, Portugal tinha acabado de sair do programa do FMI, mas a situação das finanças públicas era frágil. Depois de a coligação governativa que implementou o programa de ajustamento ter ganho as eleições, uma aliança surpresa entre os partidos de esquerda permitiu ao PS formar governo. O novo primeiro-ministro, e vários dos ministros, tinham feito parte do governo anterior que acabou com um pedido de resgate ao FMI. As taxas de juro da dívida pública subiram ligeiramente, e o líder da oposição, Passos Coelho, previu que em breve teríamos uma crise no mercado da dívida pública, não muito diferente da vivida na Argentina esta semana. Mas Portugal foi diferente.

A Itália está em estagnação económica há 20 anos. Desde 1998, o PIB real per capita cresceu uns míseros 7,6%. São só 0,4% por ano. Entre os 36 países-membros da OCDE, desde 1970, não há nenhum país que tenha tido duas décadas tão más como os italianos. Há uma geração que entra na idade adulta hoje e tem perspetivas de futuro iguais ou piores às dos seus pais. Isto praticamente nunca aconteceu num país desenvolvido. Viver em Londres ou Paris é encontrar jovens qualificados italianos que deixaram o seu país à procura de um futuro melhor. Quem ficou em Itália tem-se virado progressivamente para o nacionalismo, para o ódio aos emigrantes, ou para culpar a União Europeia. Sem fé que qualquer opção política tradicional consiga mudar a situação, os italianos votam frequentemente em partidos de protesto ou na extrema-direita.

Olhando novamente para o crescimento económico dos países da OCDE desde 1970, no segundo lugar dos piores desempenhos está a Grécia. Até recentemente, o Governo grego vinha de um partido recente da extrema-esquerda. Em terceiro lugar nesta lista de miseráveis está Portugal nos últimos 20 anos. Em Portugal, não há extrema-direita visível (e a acreditar nas sondagens, nem sequer grande direita). Os discursos políticos anti-UE ou xenófobos têm sido humilhados nas urnas. Portugal é diferente.

Em Franca, durante décadas, os sindicatos tiveram enorme poder. Havia um tabu em enviar a polícia para interromper manifestações, e as greves tinham quase sempre como resultado a conquista das reivindicações por parte dos trabalhadores. Qualquer reforma do mercado de trabalho, ou que pudesse prejudicar algum grupo sindical mais poderoso, era impossível. As greves nos sectores dos transportes paravam todo o país. Nas eleições de 2017, Emmanuel Macron surgiu com um novo partido assumidamente liberal e reformista. Uma das suas prioridades foi reformar o código de trabalho e mudar o clima sindical no país para que haja mais cooperação entre sindicatos e patronato.

O excecionalismo português é que, apesar das convulsões económicas, resistem os mesmos no poder

Em Portugal, a crise de representação e de legitimidade da UGT e CGTP tem levado à criação e crescimento de novos sindicatos. Mas não de novos partidos. Livre, Iniciativa Liberal ou Aliança tiveram poucos votos nas eleições europeias e, de acordo com as sondagens, as legislativas não serão muito diferentes. Mesmo o crescimento de um partido ecologista como o PAN vem com 20 anos de atraso em relação a outros países europeus, e tem pouco que ver com o estado da economia portuguesa.

Comum a todas estas experiências, no resto do mundo, choques económicos levam a convulsões políticas. Para melhor ou para pior, estes casos e muitos outros levaram ao lema “é a economia, estúpido” para explicar a política. O excecionalismo português é que apesar de todas as convulsões económicas, resistem as mesmas caras e partidos perto do poder. Talvez isto seja sinal da robustez da nossa República. Talvez seja a calma antes da tempestade. Mas sempre que ler análises de política internacional que concluem com lições para o nosso país lembre-se: Portugal é diferente.

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