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quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A campanha pelo estado de excepção

por estatuadesal

(In Blog Aspirina B, 27/11/2019)

Pedro MexiaSe no fim deste processo, num processo desta natureza, contra um ex-primeiro-ministro, o crime realmente grave não é provado... isto é um flop grande. E eu não consegui ainda, em nenhum momento...

João Miguel TavaresMas as leis portuguesas estão feitas para esse flop existir, não é?...

Pedro Mexia'Tá bem, mas se há um flop probatório...

João Miguel TavaresMas a questão é que eu não acho. Acho que a coisa mais importante neste processo, apesar de tudo, é avaliar quem é que é aquele homem.

Governo Sombra – 8 de Novembro


O Presidente da comissão das comemorações do 10 de Junho de 2019 assumiu há semanas, num programa de televisão, que (i) as instituições e entidades públicas que o escolheram, e que ele aceitou representar, para ser o rosto e a voz de um dos mais simbólicos feriados da Pátria são cúmplices de criminosos e que (ii) a “Operação Marquês” é um processo judicial cuja finalidade não é descobrir se eventuais crimes foram cometidos, e de que modo, e com que gravidade, antes a devassa, humilhação e condenação moral e política de um dado cidadão e do partido a que pertenceu. A seu favor, o facto de não ter sido a primeira vez que bolçou tal, a que se junta a evidência de ser exactamente assim que a indústria da calúnia e a direita decadente têm explorado o processo desde o período em que ele ainda não existia oficialmente mas já circulava no meio político-jornalístico e dava origem a reportagens em Paris e a tentativas de golpadas com a chancela da PGR para ajudar Seguro no páreo com Costa. Também a seu favor o facto de aceitar servir e promover aqueles que, garante e repete com dolorosa vontade de se partir à gargalhada, usam o Estado para ajudar os corruptos a escaparem impunes; logo, que são igualmente corruptos e que, na plena posse dos seus poderes corruptores e corrompidos, o emolduravam em Portalegre – o que faz do João Miguel Tavares, afinal, farinha do mesmo saco, para ir buscar a metáfora favorita do veterotestamentário Jerónimo.

O que releva, em tudo o que diga respeito ao caluniador profissional entronizado por Marcelo Rebelo de Sousa à custa da dignidade da República, é sempre quem lhe paga, ou quem o usa, ou quem se cala. No caso, o primeiro silente foi Pedro Mexia, fulano que ostenta uma licenciatura em Direito pela Universidade Católica no seu currículo. Que diria este licenciado em Estado de direito e seus códigos legais se tivesse de justificar a sua registada concordância com a acusação alucinada e fétida de termos leis feitas de propósito – portanto, com a conivência do Parlamento e dos eleitores, dos Presidentes da República e dos tribunais, passando pelos Governos e pelo Ministério Público, a que se junta a imprensa e a sociedade civil – para permitir impunemente a corrupção das mais altas figuras do Estado? Que diria este infeliz se o destino lhe pregasse a partida de ter de opinar na televisão, ou que fosse da varanda de sua casa, sobre a ideia de poderem existir processos judiciais cujo móbil “mais importante” não é o respeito pela Constituição e a aplicação da Lei, antes a “avaliação” de alvos políticos? E que diria o Sr. Araújo, esse exemplo deslumbrante da inteligência mais apurada ao serviço da liberdade mais indómita, calhando sujeitarem-no à mesma curiosidade? E que diria o alegrete, o pachola, o galhardo representante do mais nobre jornalismo, de seu nome Carlos Vaz Marques, se colocado entre as mesmas perguntas e a parede? E que diria Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, se interrogado sobre a utilidade social e/ou cultural de espalhar no espaço público esse programa político de ódio a Portugal e a certos portugueses que o caluniador profissional acha ser a chave do seu sucesso?

O silêncio, de facto, faz parte do modelo de negócio de quem utiliza meios de comunicação social de grande alcance para apoiar os negacionistas climáticos, para arrotar ignorância pesporrenta sobre o multiculturalismo, para alimentar o revisionismo sobre o Estado Novo, para ligar Vítor Constâncio, a propósito de algo que se provou e comprovou não passar de chicana e calúnia, a Adolf Eichmann, a Hitler, ao Holocausto. Podemos adivinhar o seu gozo, a soberba, ao constatar que pode insultar e ofender tudo e todos. O seu método consiste em olhar para as causas que defendem as pessoas que lhe pagam e para as causas das pessoas decentes, e depois arranjar maneira de se colar às primeiras e emporcalhar as segundas (se lhe cheirar a Sócrates e a esquerda) no limite do escândalo que obrigasse quem lhe paga a assumir responsabilidades editoriais. Poderia ser apenas um modo de vida como outro qualquer, seguramente menos nefando do que andar a traficar pessoas ou a assaltar idosos, mas acontece que é muito mais do que isso. A economia do sucesso deste caluniador está umbilicalmente ligada ao sucesso do que tem sido feito a Sócrates e ao PS pela oligarquia (com a, só aparentemente, paradoxal conivência do próprio Partido Socialista).

Começa hoje a ser interrogado o acusado que pode chutar o “Processo Marquês” para o arquivamento. Ignoro se o irá fazer, se o irá conseguir e, acima e antes de tudo, ignoro se cometeu algum crime. O que não dá para ignorar, sob pena de perder o respeito por mim mesmo, é a dimensão objectivamente corrupta que dá origem ao que veio a ser a operação de meter Sócrates numa prisão a um ano de umas legislativas onde Passos Coelho concorria, onde Cavaco Silva protegia a direita, onde a procuradora-geral da República mostrava alinhamento político com o Governo e sua bandeira populista – e politicamente dirigida contra o PS – do “fim da impunidade”. Essa operação implicou várias ilegalidades e várias irregularidades, as quais, parece certo, ficarão abafadas pelo regime. Que já o começaram a ser ao se ter afastado as legítimas suspeitas existentes sobre o envolvimento de Carlos Alexandre e o afastamento de Ivo Rosa a partir do momento em que passaram a existir dois juízes no Ticão. Que não geram uma linha de espanto, sequer desconforto, ao se saber como a Caixa Geral de Depósitos foi usada de forma inaudita para se simular ter aí começado uma investigação que já durava há anos e anos.

Chegamos ao fim de 2019 com prováveis 15 anos de espionagem contínua sobre Sócrates, e sobre terceiros do seu círculo íntimo, onde até se obtiveram escutas ilegais de um primeiro-ministro em funções, e ninguém foi capaz de provar directamente uma única ilegalidade. Só existem comportamentos que chocam a moral comum à mistura com fantasias toscas, vergonhosas, e a esperança desesperada de que uma testemunha diga em tribunal o que precisa ser dito para o regime deixar cair a guilhotina.

Conclusão: os milhões atribuídos a Sócrates são a milionésima parte de uma migalha quando comparados com a certeza de termos uma Justiça capaz de se enterrar na luta política mais sórdida e inconstitucional. Daí se compreender tão bem a campanha para que a “Operação Marquês” seja transformada numa concretização do estado de excepção.

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