por estatuadesal
(In Blog Aspirina B, 27/11/2019)
Pedro Mexia – Se no fim deste processo, num processo desta natureza, contra um ex-primeiro-ministro, o crime realmente grave não é provado... isto é um flop grande. E eu não consegui ainda, em nenhum momento...
João Miguel Tavares – Mas as leis portuguesas estão feitas para esse flop existir, não é?...
Pedro Mexia – 'Tá bem, mas se há um flop probatório...
João Miguel Tavares – Mas a questão é que eu não acho. Acho que a coisa mais importante neste processo, apesar de tudo, é avaliar quem é que é aquele homem.
Governo Sombra – 8 de Novembro
O Presidente da comissão das comemorações do 10 de Junho de 2019 assumiu há semanas, num programa de televisão, que (i) as instituições e entidades públicas que o escolheram, e que ele aceitou representar, para ser o rosto e a voz de um dos mais simbólicos feriados da Pátria são cúmplices de criminosos e que (ii) a “Operação Marquês” é um processo judicial cuja finalidade não é descobrir se eventuais crimes foram cometidos, e de que modo, e com que gravidade, antes a devassa, humilhação e condenação moral e política de um dado cidadão e do partido a que pertenceu. A seu favor, o facto de não ter sido a primeira vez que bolçou tal, a que se junta a evidência de ser exactamente assim que a indústria da calúnia e a direita decadente têm explorado o processo desde o período em que ele ainda não existia oficialmente mas já circulava no meio político-jornalístico e dava origem a reportagens em Paris e a tentativas de golpadas com a chancela da PGR para ajudar Seguro no páreo com Costa. Também a seu favor o facto de aceitar servir e promover aqueles que, garante e repete com dolorosa vontade de se partir à gargalhada, usam o Estado para ajudar os corruptos a escaparem impunes; logo, que são igualmente corruptos e que, na plena posse dos seus poderes corruptores e corrompidos, o emolduravam em Portalegre – o que faz do João Miguel Tavares, afinal, farinha do mesmo saco, para ir buscar a metáfora favorita do veterotestamentário Jerónimo.
O que releva, em tudo o que diga respeito ao caluniador profissional entronizado por Marcelo Rebelo de Sousa à custa da dignidade da República, é sempre quem lhe paga, ou quem o usa, ou quem se cala. No caso, o primeiro silente foi Pedro Mexia, fulano que ostenta uma licenciatura em Direito pela Universidade Católica no seu currículo. Que diria este licenciado em Estado de direito e seus códigos legais se tivesse de justificar a sua registada concordância com a acusação alucinada e fétida de termos leis feitas de propósito – portanto, com a conivência do Parlamento e dos eleitores, dos Presidentes da República e dos tribunais, passando pelos Governos e pelo Ministério Público, a que se junta a imprensa e a sociedade civil – para permitir impunemente a corrupção das mais altas figuras do Estado? Que diria este infeliz se o destino lhe pregasse a partida de ter de opinar na televisão, ou que fosse da varanda de sua casa, sobre a ideia de poderem existir processos judiciais cujo móbil “mais importante” não é o respeito pela Constituição e a aplicação da Lei, antes a “avaliação” de alvos políticos? E que diria o Sr. Araújo, esse exemplo deslumbrante da inteligência mais apurada ao serviço da liberdade mais indómita, calhando sujeitarem-no à mesma curiosidade? E que diria o alegrete, o pachola, o galhardo representante do mais nobre jornalismo, de seu nome Carlos Vaz Marques, se colocado entre as mesmas perguntas e a parede? E que diria Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, se interrogado sobre a utilidade social e/ou cultural de espalhar no espaço público esse programa político de ódio a Portugal e a certos portugueses que o caluniador profissional acha ser a chave do seu sucesso?
O silêncio, de facto, faz parte do modelo de negócio de quem utiliza meios de comunicação social de grande alcance para apoiar os negacionistas climáticos, para arrotar ignorância pesporrenta sobre o multiculturalismo, para alimentar o revisionismo sobre o Estado Novo, para ligar Vítor Constâncio, a propósito de algo que se provou e comprovou não passar de chicana e calúnia, a Adolf Eichmann, a Hitler, ao Holocausto. Podemos adivinhar o seu gozo, a soberba, ao constatar que pode insultar e ofender tudo e todos. O seu método consiste em olhar para as causas que defendem as pessoas que lhe pagam e para as causas das pessoas decentes, e depois arranjar maneira de se colar às primeiras e emporcalhar as segundas (se lhe cheirar a Sócrates e a esquerda) no limite do escândalo que obrigasse quem lhe paga a assumir responsabilidades editoriais. Poderia ser apenas um modo de vida como outro qualquer, seguramente menos nefando do que andar a traficar pessoas ou a assaltar idosos, mas acontece que é muito mais do que isso. A economia do sucesso deste caluniador está umbilicalmente ligada ao sucesso do que tem sido feito a Sócrates e ao PS pela oligarquia (com a, só aparentemente, paradoxal conivência do próprio Partido Socialista).
Começa hoje a ser interrogado o acusado que pode chutar o “Processo Marquês” para o arquivamento. Ignoro se o irá fazer, se o irá conseguir e, acima e antes de tudo, ignoro se cometeu algum crime. O que não dá para ignorar, sob pena de perder o respeito por mim mesmo, é a dimensão objectivamente corrupta que dá origem ao que veio a ser a operação de meter Sócrates numa prisão a um ano de umas legislativas onde Passos Coelho concorria, onde Cavaco Silva protegia a direita, onde a procuradora-geral da República mostrava alinhamento político com o Governo e sua bandeira populista – e politicamente dirigida contra o PS – do “fim da impunidade”. Essa operação implicou várias ilegalidades e várias irregularidades, as quais, parece certo, ficarão abafadas pelo regime. Que já o começaram a ser ao se ter afastado as legítimas suspeitas existentes sobre o envolvimento de Carlos Alexandre e o afastamento de Ivo Rosa a partir do momento em que passaram a existir dois juízes no Ticão. Que não geram uma linha de espanto, sequer desconforto, ao se saber como a Caixa Geral de Depósitos foi usada de forma inaudita para se simular ter aí começado uma investigação que já durava há anos e anos.
Chegamos ao fim de 2019 com prováveis 15 anos de espionagem contínua sobre Sócrates, e sobre terceiros do seu círculo íntimo, onde até se obtiveram escutas ilegais de um primeiro-ministro em funções, e ninguém foi capaz de provar directamente uma única ilegalidade. Só existem comportamentos que chocam a moral comum à mistura com fantasias toscas, vergonhosas, e a esperança desesperada de que uma testemunha diga em tribunal o que precisa ser dito para o regime deixar cair a guilhotina.
Conclusão: os milhões atribuídos a Sócrates são a milionésima parte de uma migalha quando comparados com a certeza de termos uma Justiça capaz de se enterrar na luta política mais sórdida e inconstitucional. Daí se compreender tão bem a campanha para que a “Operação Marquês” seja transformada numa concretização do estado de excepção.
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