Hoje às 00:15
O projeto de solução política anunciado em Espanha nada tem a ver com o que Portugal inaugurou em 2015: a "geringonça" não foi uma coligação.
O PS esteve sozinho no poder, tendo acedido a algumas propostas programáticas da "esquerda da esquerda", motivada esta pelo interesse em evitar o regresso da direita e por frutos eleitorais que acabou por não vir a obter. Essas medidas, em geral não radicais, acabaram não só por satisfazer a ala esquerda dos próprios socialistas como foram colocadas a seu crédito pelo eleitorado nas últimas eleições. António Costa teve também o cuidado de "blindar" aspetos essenciais do programa do PS - desde logo, o cumprimento das regras orçamentais europeias e a preservação, integral e sem reticências, de um conjunto importante de outros compromissos externos do país. Não é nada disto que se prevê para Espanha.
Contudo, estou convicto de que o acordo que agora se anuncia em Espanha não teria sido possível sem que, em Portugal, se tivesse passado o que se passou.
Ao procurar trazer o partido de Iglesias para o poder executivo, num país que, na atual democracia, nunca foi governado em coligação, Pedro Sánchez sabe que corre uma imensidão de riscos, muito agravados pela circunstância de necessitar de fazer compromissos orçamentais e outros com alguns deputados das autonomias, cujo impacto é difícil prever.
Os riscos desta opção são essencialmente internos, tendo a ver com a matriz identitária e a imagem de Estado do PSOE, bem como com a reação dos agentes económicos. Mas também externos, com um franzir do sobrolho da Europa que o Governo espanhol não pode hostilizar. É neste último terreno que Sánchez se procurará louvar, com toda a certeza, no precedente português. E irá também dizer aos parceiros europeus que tudo tentou para evitar ter de recorrer a esta solução, mas que ela é a única que permite garantir um mínimo de governabilidade à Espanha e, de caminho, de travar o crescimento da extrema-direita.
Esse é o maior risco: criar um Governo quase de "frente popular" agravará a clivagem esquerda-direita, fazendo ressurgir as velhas e tristes "duas Espanhas", de que o Vox poderá afinal vir a ser o grande beneficiário. Se Sánchez vier a seguir uma agenda política que seja vista como muito marcada pelo radicalismo do Unidas Podemos e do Más País, confortando simultaneamente reivindicações autonómicas interpretadas como podendo erodir a unidade nacional, o novo Governo pode vir a ter uma vida difícil, sempre com a Catalunha no cenário de fundo.
Embaixador
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