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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Abel e o monstro

João Cândido da Silva

João Cândido da Silva

Coordenador do Expresso Online

05 FEVEREIRO 2020

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Bom dia,
Abel Matos Santos apresentou a demissão do cargo directivo que ocupava desde há pouco mais de uma semana no CDS. A iniciativa parece tardia, mas a responsabilidade pelo atraso não fica apenas sobre os seus ombros. As controversas declarações que publicou no Facebook entre 2012 e 2016 passaram, sem escândalo, durante as lideranças anteriores, de Paulo Portas a Assunção Cristas.
Há escassos dias, Sílvio Cervan, actual vice-presidente do CDS, garantia que Abel Matos Santos "teve sempre a confiança política de todas as lideranças", uma afirmação que testemunha a displicência com que os centristas tentaram transformar o intolerável num episódio irrelevante, secundário, descartável e, até, fruto de uma eventual conspiração destinada a manchar a sua credibilidade.
Para um partido que se declara democrata-cristão, “humanista, personalista, profundamente tributário dos princípios democráticos, da obediência ao primado da dignidade da pessoa humana, da tolerância, e do respeito pelos povos”, a incompatibilidade dos princípios com as proclamações de Matos Santos na lixeira tribalista das redes sociais é de uma evidência que grita.
Qualificar como "agiota de judeus" um homem que salvou pessoas da perseguição e da morte, dar vivas a um ditador e ainda evocar a polícia de um Estado opressor sob a alegação de que se classificava entre as melhores do Mundo, seriam motivos de vergonha para respeitáveis fundadores do CDS como Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa.
Mas não está em causa apenas o respeito devido à memória daqueles que combateram pela sobrevivência e pela respeitabilidade de um partido da direita democrática durante o difícil período revolucionário. A polarização política anda por aí. Fora dos partidos e no seu interior.
A vitória de Francisco Rodrigues dos Santos nas recentes eleições para a liderança do CDS fez-se também à custa de jogos e de compromissos, nada que seja inédito na política portuguesa, mas que, como qualquer geringonça, comporta riscos. Tanto maiores quando, em nome da conquista e da preservação do poder, se tem de fechar os olhos aos potenciais incómodos para assegurar o conforto dos aliados de ocasião.
A Francisco Rodrigues dos Santos não faltavam boas razões para, mais cedo, ter colocado tudo em pratos limpos com Abel Matos dos Santos. O facto é que demorou quase uma semana a fazê-lo, com tempo, pelo meio, para emitir um comunicado tão comprometedor quanto desculpabilizador. Parece um prazo curto na vida de alguém, mas é uma eternidade em política, um erro descomunal se entre os objectivos do novo líder estiver a tarefa de dominar o monstro que é alimentado por aqueles militantes que têm uma relação complicada com a declaração de princípios que animou o lançamento do CDS em 1974.

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