Rui Gustavo
Jornalista de Sociedade
03 FEVEREIRO 2020
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Continua animada a vida do deslocado Tribunal do Monsanto, construído de propósito para julgar os fundadores e operacionais das Forças Populares 25 de Abril e usado agora para julgar casos ainda mais absurdos. Depois dos elementos da Juventude Leonina que vão para a sala de audiências com haxixe no bolso, craques do futebol que depõem à distância para evitar confusões com esses mesmos adeptos e informadores policiais com um talento especial para rebentar fechaduras e muito amor pela mãe, chega a vez de receber a visita de um ilustre professor, antigo presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e ex-ministro da Defesa Nacional do Governo socialista.
Azeredo Lopes, talvez o principal arguido do processo de Tancos, que seria trágico senão fosse tão cómico (ou o contrário, já não sei) vai responder hoje às perguntas de Carlos Alexandre, o juiz de instrução que mandou cem perguntas por escrito ao primeiro-ministro António Costa porque não teve autorização para o interrogar pessoalmente. O interrogatório começa às nove e meia e irá marcar a agenda noticiosa de hoje. Apesar de já começar a ser habitual ver ex-políticos a contas com a justiça e com os juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal.
A melhor pista para antever o que Carlos Alexandre irá perguntar ao ministro que foi obrigado a demitir-se na sequência do achamento das armas roubadas é a carta que o magistrado enviou ao primeiro-ministro. Azeredo sabia ou não que a PJ militar montou uma operação às escondidas da PJ e do MP para recuperar parte do armamento furtado numa das principais unidades militares do país? Azeredo sabia ou não que foi prometida imunidade ao mentor do assalto, João Paulino, que reclama agora que esse acordo seja cumprido? Porque razão não avisou as autoridades? E informou ou não o primeiro-ministro? Azeredo Lopes quer evitar ir a julgamento e foi ele a pedir que António Costa fosse ouvido como testemunha.
Quando foi ouvido no primeiro interrogatório judicial (ainda antes de ser acusado pelo MP de quatro crimes) Azeredo Lopes admitiu que teve conhecimento da existência de um informador conhecido por Fechaduras que passava informação à Polícia Judiciária e que os autores do assalto estavam dispostos a entregar o armamento roubado. Mas negou conhecer a existência da investigação paralela da Judiciária militar, repetindo que não tinha “nenhuma memória” de ter lido um memorando entregue pelo coronel Luís Vieira e pelo major Vasco Brazão, ambos da PJM, ao major-general Martins Pereira, o seu ex-chefe de gabinete, com a descrição de todos os acontecimentos. Este militar foi ouvido há uma semana no mesmo tribunal e admitiu que falou com Azeredo Lopes sobre o memorando e a fita do tempo do caso mas também “não tem memória” se lhe entregou quaisquer documentos.
Azeredo Lopes está acusado pelo MP de denegação de justiça, abuso de poder, favorecimento e prevaricação. A procuradora Cláudia Porto não tem dúvidas: soube da encenação, mas desvalorizou-a e encobriu-a para obter dividendos políticos. Germano Marques da Silva, o penalista mais citado pelos juízes nos vários acórdãos que todos os dias florescem nos tribunais portugueses, classificou a acusação com três palavras: “cliché ”, “falsidades” e “populista”. É o advogado de Azeredo Lopes.
O processo tem 23 arguidos, entre assaltantes, militares da GNR e responsáveis da PJM e deixou à mostra a fragilidade de uma unidade militar que foi assaltada por um grupo cuja experiência no mundo do crime ou era nula ou se resumia ao tráfico de droga.
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